ah, reuniões. o momento em que o capitalismo decide que você não tem mais alma e resolve roubar as poucas horas de vida que te restam. um circo de mediocridade onde todo mundo se acha indispensável, mas ninguém realmente faz nada. é como ser convidado para um jantar elegante, mas o menu inteiro é papelão molhado e o vinho é suco de uva estragado. mas, claro, com apresentação em powerpoint.
começa assim: um convite inútil, com palavras tão vazias quanto promessas de ano novo. “estratégia”, “alinhamento”, “sinergia”. essas palavras são como purpurina jogada em um pedaço de cocô. não importa o quanto brilhem, ainda é lixo. mas você vai. porque é isso que fazemos, certo? fingimos que essas pantomimas corporativas importam, enquanto por dentro só queremos um meteoro que acabe com tudo.
e então, o show começa. uma sala fria – ou uma call onde a metade das câmeras está desligada, mas o chefe insiste em falar como se estivesse pregando na ONU. tem o cara que monopoliza o tempo porque acha que sua opinião é uma joia rara. a colega que só repete o que todo mundo já disse, mas usando palavras diferentes, achando que está contribuindo. e você, ali, como um refém, rezando para o tempo passar mais rápido. spoiler: não vai.
os melhores momentos? quando alguém solta pérolas como: “vamos revisar isso juntos” ou “precisamos de uma solução colaborativa”. mentira. ninguém quer revisar nada. ninguém quer colaborar. o que eles querem é sair da reunião com a consciência limpa de que foram “produtivos” enquanto o mundo real lá fora pega fogo. e aquele slide que levaram três dias para fazer? não será usado. nunca. vai direto para a lixeira, onde aliás deveria ter ido desde o começo.
e, claro, tem a cereja do bolo: a reunião que gera outra reunião. porque nada grita “ineficiência” como marcar um follow-up para discutir os mesmos pontos que acabaram de ser debatidos. é como um filme ruim com uma sequência ainda pior. mas o ingresso já está pago e, no fim, você nem se lembra mais por que começou a assistir.
reuniões não são para resolver problemas; são para fazer todo mundo se sentir importante enquanto o relógio corre e a vida passa. são a verdadeira prova de que a humanidade está condenada – não porque somos maus, mas porque somos desesperadamente entediantes.
a equação mágica. a mentira mais sedutora do capitalismo moderno: transforme aquilo que você ama em algo que paga as contas. faça da paixão uma profissão. todo mundo já ouviu essa ladainha, seja de um guru motivacional numa palestra insuportável ou daquele colega metido a iluminado que largou o emprego pra “seguir seus sonhos”. e, por um segundo, você até acredita. afinal, por que não? trabalhar com algo que você ama soa como um conto de fadas possível, uma solução simples pra todos os seus problemas. mas, spoiler: isso nunca é simples. e quase nunca é um conto de fadas.
lembro da primeira vez que essa ilusão me bateu. eu tinha uns vinte e poucos, achava que o mundo era meu playground, e que bastava descobrir minha paixão pra resolver minha vida. escrever, talvez? cozinhar? algo criativo. qualquer coisa, desde que não envolvesse terno, reuniões ou aquele cheiro peculiar de café ruim e carpete mofado que todo escritório parece ter. só que ninguém te conta o detalhe crucial: assim que você pega algo que ama e tenta fazer dinheiro com isso, a dinâmica muda. o que antes te dava prazer começa a te cobrar. a sufocar. e, eventualmente, a te consumir.
por exemplo, eu tinha um amigo que adorava desenhar. passava horas rabiscando, criando coisas que ninguém mais conseguia imaginar. todo mundo dizia: “cara, você devia trabalhar com isso”. e ele, ingenuamente, acreditou. virou ilustrador freelancer. no começo, era divertido. ele podia trabalhar em casa, escolher os projetos, até postar no instagram com aquelas legendas insuportáveis tipo living the dream. mas, com o tempo, vieram os clientes. os prazos. os revisions infinitos. “pode deixar isso mais azul?”, “faz uma versão com vibes mais jovens?”, e a clássica: “a gente amou, mas muda tudo”.
não demorou muito pra ele odiar desenhar. não porque perdeu o talento, mas porque o ato de criar deixou de ser dele. era uma transação, uma moeda de troca. cada linha que ele desenhava parecia um pedacinho da alma dele indo embora. “eu queria trabalhar com o que amo”, ele me disse uma vez, com uma cerveja quente na mão e um olhar vazio. “agora eu não amo mais nada.”
e isso não é exclusivo de artistas, claro. cozinheiros, músicos, fotógrafos, escritores – todo mundo que tenta transformar paixão em sustento acaba esbarrando na mesma parede. o mundo não quer sua arte ou sua autenticidade. quer algo vendável. algo rentável. e você se adapta, porque tem que pagar o aluguel. no final, a equação mágica vira uma conta que não fecha.
é isso que ninguém te conta: quando você transforma o que ama em trabalho, aquilo deixa de ser só seu. vira de quem tá pagando. você faz concessões, negocia princípios, e o que sobra não é mais paixão. é apenas mais um dia. a equação mágica é uma armadilha brilhante, mas cruel. porque, no fundo, você nunca deixa de trabalhar. e talvez o segredo não seja fazer o que você ama, mas encontrar algo que você odeie um pouco menos do que o resto.
design, meus amigos. esse monstro invisível que guia tudo o que fazemos, desde o jeito que seguramos um garfo até como atravessamos uma rua sem sermos atropelados. já parou pra pensar nisso? provavelmente não. porque o bom design — o design de verdade — é invisível. ele tá ali, te ajudando a viver melhor, enquanto você nem percebe. mas quando ele é ruim… ah, quando ele é ruim, você sabe. sabe porque você tá preso no elevador apertando um botão que não funciona, ou tentando abrir uma porta que te odeia. aí você sente a raiva. aquela raiva quente, honesta, que te faz gritar pra ninguém em particular: “quem foi o imbecil que pensou nisso?”
mas o bom design… o bom design é outra coisa. é dieter rams decidindo que o mundo precisa ser menos, mas com mais propósito. é os eames dizendo: “sabe aquela cadeira que parece só uma cadeira? ela pode ser arte. e conforto. e beleza.” e philippe starck, claro, transformando um espremedor de limão numa obra de arte que você nunca usaria, mas que mesmo assim quer ter. isso é design. transformar o comum no extraordinário. pegar o que já existe e melhorar, simplificar, até parecer que sempre foi assim.
a história do design tá cheia desses momentos. momentos em que alguém olhou pra uma coisa mundana e disse: “isso pode ser melhor.” como quando mass-produced design nasceu, e de repente coisas lindas e funcionais começaram a chegar nas mãos das massas. ou quando a bauhaus decidiu que forma e função deveriam ser amantes inseparáveis, e o mundo nunca mais foi o mesmo.
mas vamos falar de hoje. porque o design tá mais vivo do que nunca. tá no app que você abre antes mesmo de acordar direito. tá no banco da bicicleta compartilhada que não te quebra a bunda. tá na garrafa reutilizável que você carrega pra não parecer um idiota egoísta que ignora o aquecimento global. e tá no trabalho de pessoas como ráisa guerra. sim, a ráisa. sabe aquela pessoa que você olha e pensa: “caramba, como é que tudo que ela faz parece tão óbvio depois que ela faz, mas ninguém pensou antes?”
ráisa é assim. uma mente que mistura criatividade e estratégia com uma habilidade quase irritante de fazer o mundo funcionar melhor. eu vejo o trabalho dela e penso: “onde é que eu tava quando essa ideia nasceu?” mas não é só isso. é o impacto. é como ela entende que design não é só sobre criar coisas bonitas, mas sobre melhorar vidas. e isso, meus amigos, me dá esperança. esperança de que tem gente por aí que ainda se importa o suficiente pra resolver os problemas que os idiotas causaram.
o design, no fundo, é isso. é uma batalha constante contra o feio, o inútil, o estúpido. é pegar o mundo quebrado e consertar, peça por peça. e quando eu olho pra história do design — dos mestres como rams e eames até os novos nomes que estão mudando as regras do jogo — eu não posso deixar de sentir orgulho. orgulho de ser parte de uma conversa que importa. porque, no fim das contas, o bom design não é só sobre fazer o mundo bonito. é sobre fazer o mundo funcionar. melhor. mais inteligente. mais humano.
e quando isso acontece, quando você se depara com algo tão bem feito, tão perfeito que te faz esquecer da mediocridade que te cerca, sabe o que você faz? você celebra. você levanta um copo, dá um gole, e agradece a esses maníacos brilhantes que decidiram fazer o trabalho difícil de consertar o mundo. pra eles, e pro bom design, sempre vale o brinde.
dezembro chegou. o mês em que o mundo inteiro decide transformar o consumo cultural em um jogo patético de quem ouviu mais, assistiu mais ou passou mais tempo hipnotizado por uma tela. “72.456 minutos de música no spotify!” uau. sabe o que isso realmente significa? você basicamente entregou 50 dias inteiros para um algoritmo te pilotar como um drone. e agora acha que merece uma medalha por ter sido “o ouvinte número 1” de alguma banda obscura que nem você vai lembrar em janeiro. fascinante.
enquanto isso, eu sigo com meu ipod classic. sim, aquele retângulo de metal e nostalgia que, por algum milagre, ainda funciona. ele não me manda relatórios ou gráficos coloridos. ele não me diz que estou “descobrindo tendências” ou que fui o primeiro a ouvir alguma música. sabe por quê? porque nele, a música não é sobre métricas. é sobre escolha. sobre pegar highway 61 revisited, do dylan, e sentir cada nota como se fosse a primeira vez. nada de “recomendações personalizadas” ou playlists genéricas baseadas no que o mundo inteiro já está ouvindo. só eu, minhas músicas e memórias reais.
e os filmes? ah, claro. enquanto todos estão presos ao inferno do streaming, rolando infinitamente por catálogos medíocres que mudam de um mês para o outro, eu tenho minha prateleira de blu-rays. blade runner. seven samurai. o grande lebowski. você sabe, filmes que ficam, não coisas que desaparecem quando uma plataforma decide cortar custos. quero assistir algo? eu escolho. não fico refém de um “autoplay” te empurrando para o próximo conteúdo como se fosse fast food emocional.
mas o que me fascina mesmo é essa obsessão moderna por quantificar tudo. “eu fui o ouvinte número 1 de tal artista!” e daí? isso te transformou? isso marcou um momento? ou você só deixou tocar no fundo enquanto fazia outra coisa? eu me lembro exatamente da primeira vez que ouvi heroes, do bowie. foi num cd emprestado, num momento específico, que ficou gravado na memória. e sabe por quê? porque a música não era sobre números ou rankings. era sobre sentir algo. sobre estar presente. sobre viver.
e é isso que falta. viver. hoje, todo mundo deixou que máquinas decidam por eles. o próximo filme, a próxima música, até o próximo livro. “baseado no seu histórico.” mas e se eu quiser algo que não faz sentido? e se eu quiser quebrar o padrão? as pessoas não querem mais escolher. querem que escolham por elas. porque dá menos trabalho. porque é mais fácil. porque o algoritmo sempre está lá para segurar a sua mão e dizer: “aqui está o próximo.”
mas não pra mim. eu não preciso de uma máquina me dizendo o que sentir ou o que lembrar. minhas escolhas são caóticas, imperfeitas e, acima de tudo, minhas. e sabe o que é melhor? não tenho gráficos para compartilhar. nenhuma estatística para exibir. só memórias reais. e, no fim, isso vale muito mais do que qualquer número na tela.
eu e os meus filmes favoritos deste ano. uma longa lista de escolhas que revela, provavelmente, mais do que eu gostaria sobre minha psique. clássicos revisitados, algumas novidades que fizeram barulho (e eu precisei conferir pra ver se era tudo isso mesmo), e doses cavalares de wes anderson, porque, afinal, alguém tem que organizar o caos da minha vida – nem que seja em 24 quadros por segundo.
1. asteroid city (2023)
começando com o óbvio. wes anderson brincando de existencialismo pastel em um deserto. alienígenas, solidão, e diálogos tão secos quanto o solo da história. um filme sobre nada que, ironicamente, diz tudo.
2. the grand budapest hotel (2014)
porque nada supera um hotel fictício com tons de rosa e ralph fiennes canalizando um charme decadente. cada cena é um quadro perfeito, e eu poderia assistir só pelas sobremesas que aparecem no filme.
3. the godfather (1972)
claro que revi. é praticamente um ritual anual. cada vez que assisto, fico mais convencido de que al pacino é o anti-herói definitivo e que a frase “it’s not personal, it’s strictly business” resume mais do que deveria sobre a vida.
4. chinatown (1974)
a sujeira do noir nunca foi tão hipnotizante. jack nicholson com seu sarcasmo natural e aquela trama sufocante que te lembra que o poder sempre vai ferrar com você. insuportavelmente bom.
5. pulp fiction (1994)
tarantino no auge da sua arrogância criativa, e eu amo cada segundo. diálogos insuportavelmente bons, violência coreografada como balé, e samuel l. jackson te fazendo acreditar que até uma conversa sobre hambúrgueres pode ser profunda.
6. eternal sunshine of the spotless mind (2004)
cada cena é um soco no estômago, uma mistura de surrealismo e pura verdade emocional. jim carrey, deprimido e melancólico, e kate winslet, cheia de caos e cor.
7. apocalypse now (1979)
o horror, o horror. revi só pra me lembrar de que o inferno não é um lugar, é uma jornada de barco pelo vietnã ao som de wagner. coppola no seu momento mais insano, e eu não consigo desviar os olhos.
8. the royal tenenbaums (2001)
porque disfunção familiar é sempre mais interessante quando embalada por trilha sonora impecável e personagens que parecem saídos de um diário de terapia. wes anderson me ganha toda vez.
9. the long goodbye (1973)
elliott gould sendo o detetive mais relapso e cínico que você já viu. uma obra-prima do noir que parece estar de ressaca o tempo todo. perfeito para dias em que o mundo não faz sentido.
10. rear window (1954)
hitchcock no seu ápice voyeurístico. james stewart e grace kelly me lembrando que, às vezes, ficar em casa e observar os vizinhos pode ser mais perigoso do que parece. um clássico eterno.
11. blade runner (1982)
o original. porque nada supera o sentimento de olhar pra um futuro decadente e pensar: “talvez já estejamos vivendo isso.” e rutger hauer, no monólogo final, partindo meu coração todo santo ano.
12. casablanca (1942)
“here’s looking at you, kid.” revi pra lembrar por que ainda acredito no poder do cinema. humphrey bogart e ingrid bergman são pura mágica, e aquela melancolia romântica nunca envelhece.
13. seven samurai (1954)
kurosawa me lembrando por que ele é o mestre. um épico sobre honra, sacrifício e espadas, tudo contado com uma intensidade que nenhum blockbuster moderno consegue imitar.
14. goodfellas (1990)
scorsese fazendo máfia como ninguém. a trilha sonora, a narrativa frenética, e joe pesci sendo aterrorizante e hilário ao mesmo tempo. o tipo de filme que te faz querer uma vida de crime – até lembrar como termina.
15. taxi driver (1976)
de niro como travis bickle, o homem mais perturbadoramente solitário que já ocupou uma tela de cinema. cada vez que assisto, fico mais convencido de que scorsese não fez um filme, ele fez um espelho torto.
16. la dolce vita (1960)
fellini em sua fase mais felliniana. decadência, glamour e o vazio existencial da alta sociedade. um lembrete de que, às vezes, o belo é completamente insuportável.
17. the french dispatch (2021)
porque wes anderson não faz filmes, faz dioramas emocionais. essa carta de amor ao jornalismo é tão pretensiosa que chega a ser adorável. e sim, eu adorei cada segundo.
18. 2001: a space odyssey (1968)
kubrick me fazendo sentir como um idiota cada vez que tento entender tudo. mas, francamente, a beleza visual e a trilha sonora já valem o esforço. uma experiência, não só um filme.
19. persona (1966)
bergman fazendo um dos filmes mais desconcertantes e brilhantes que já existiram. é como um quebra-cabeça emocional que nunca termina, e eu não consigo parar de tentar montá-lo.
20. the apartment (1960)
billy wilder no seu momento mais ácido e romântico. jack lemmon e shirley maclaine me lembram que o amor é complicado, engraçado e, às vezes, desesperador. um clássico que sempre aquece meu coração cínico.
meu processo criativo é uma bagunça, mas não aquele tipo de bagunça charmosa que você vê em filmes franceses, com pilhas de livros estrategicamente desarrumadas e uma xícara de café esfriando numa mesa de madeira rústica. não. é uma bagunça visceral, selvagem, quase grotesca, como um porão cheio de fios desencapados prestes a causar um curto-circuito. meu cérebro nunca, nunca para. é uma máquina de destruição criativa que não obedece a botão de desligar. um caos incessante que, se eu não encontrar uma maneira de escoar, explode – e geralmente, explode em palavras.
quando estou no hyperfoco, não sou humano. sou um ser possuído, uma espécie de aberração de laboratório que não dorme, não come, mal respira. é como se o universo inteiro fosse sugado por um buraco negro que eu criei na minha própria mente. nada mais importa. compromissos? relações humanas? necessidades básicas? ridículo. o mundo exterior é um eco distante que mal registro. eu me torno um animal movido a pura obsessão. enquanto as pessoas normais tentam “encontrar o equilíbrio”, eu desço em queda livre no desequilíbrio e começo a cavar mais fundo. não existe outro jeito de funcionar. cada palavra que escrevo, cada ideia que transformo em algo tangível, é como arrancar um pedaço de mim e jogá-lo no papel. é um processo violento e exaustivo, mas absolutamente necessário.
e quando não estou nesse estado de febre criativa? o ócio. o glorioso e subestimado ócio. enquanto o mundo prega a produtividade incessante, eu dou risada e me recosto, deixando a mente vagar como um cachorro solto em um campo cheio de esquilos. porque aqui está o segredo que ninguém quer admitir: o ócio não é perda de tempo. é pré-produção. é o terreno fértil onde as ideias crescem antes de serem arrancadas e transformadas em algo mais. enquanto os outros se afogam em listas de tarefas e cursos de como “hackear” a criatividade, eu me dedico à deliciosa arte de não fazer nada. mas, veja bem, meu cérebro não sabe o que significa “nada”. até no ócio ele trabalha. ele pega fragmentos de pensamentos e começa a juntá-los, como uma criança hiperativa brincando com peças de lego, montando castelos e depois destruindo tudo só pelo prazer de começar de novo.
é por isso que escrevo tanto, até mesmo aqui. não é porque eu quero. é porque eu preciso. escrever é o único jeito de descomprimir meu cérebro antes que ele me engula vivo. cada texto que sai de mim é uma válvula de escape, uma tentativa desesperada de domar o caos. e mesmo assim, nunca é o suficiente. é como tentar esvaziar um oceano com um balde furado. mas eu continuo. porque o que mais eu posso fazer? parar? ha. se eu parasse, minha mente entraria em combustão espontânea, e você provavelmente veria meu nome estampado num jornal ao lado de uma manchete sensacionalista.
o fato é que meu processo criativo não é bonito. não é organizado. não é algo que você encontraria num curso motivacional com powerpoints coloridos e frases inspiradoras. é bruto. é exaustivo. é um inferno particular que, de alguma forma, gera algo que vale a pena compartilhar. e no final do dia, por mais caótico e insano que seja, eu aceito. porque essa é a minha arma. o caos é o meu combustível, e o ócio, meu campo de treino. então, enquanto os outros procuram a fórmula mágica da produtividade, eu estou aqui, no meu próprio pequeno apocalipse, criando coisas que talvez não precisassem existir, mas que, de alguma forma, sempre encontram uma razão para estar.
se você quer entender como as pessoas pensam, comece por aquilo que elas leem — ou, talvez mais importante, o que elas não leem. em tempos onde todo mundo está obcecado por parecer produtivo, acumulando livros de autoajuda que prometem “libertação” e “propósito” (mas só entregam frases de efeito prontas para posts no instagram), eu decidi seguir um caminho oposto. meus livros desse ano não são guias para ser “melhor”, “mais rápido” ou “mais eficiente”. aliás, se você quer motivação, sugiro um bom café ou um soco na cara da realidade, não livros.
o que eu busquei — e encontrei — foram histórias que incomodam, ideias que fazem pensar, e, claro, textos que sangram humanidade. aqui você não vai encontrar nenhuma daquelas porcarias motivacionais ou romances açucarados vendidos como “obra do ano”. o que você vai ver é uma lista que fede a vida real: gente quebrada, ideias fora do lugar, beleza desconfortável e um convite para pensar. porque ler, de verdade, nunca foi sobre se tornar uma versão melhor de si mesmo. é sobre entender o mundo, ou, pelo menos, perceber que ele é muito maior do que a sua bolha.
esses foram os livros que me acompanharam. alguns são velhos como o tempo, outros carregam um frescor ácido. todos me desafiaram, e nenhum deles está preocupado em te agradar.
1. “tortilla flat” – john steinbeck
uma ode à vagabundagem e ao hedonismo despretensioso. é sobre beber vinho barato e se perder no calor da califórnia. uma novela que diz “foda-se” para a ambição capitalista e ainda faz você rir disso.
2. “o ensaio sobre a cegueira” – josé saramago
basicamente: o apocalipse não precisa de zumbis, só de gente normal o suficiente para ser assustadora. uma metáfora brilhante sobre como somos cegos, mesmo vendo. pesado, mas delicioso.
3. “os detetives selvagens” – roberto bolaño
poetas desajustados, amores ruins, obsessões loucas e um bocado de drogas. uma mistura entre beatnik e novela de formação, mas sem a dose insuportável de pretensão. arte crua.
4. “o inferno” – dante alighieri
se você acha que inferno é enfrentar fila no supermercado, dante vai te mostrar o que é dor de verdade. poesia épica com pitadas de sadismo, imaginação e uma boa dose de vingança literária.
5. “under the volcano” – malcolm lowry
a experiência de um alcoólatra no méxico que mistura agonia e beleza com a precisão de quem já se embebedou no inferno. é denso. é sombrio. é gloriosamente humano.
6. “misto quente” – charles bukowski
sim, o velho sujo está na lista porque ninguém escreve sobre a miséria e a poesia do ordinário como ele. se não gosta, talvez não entenda a magia de transformar nada em algo visceral.
7. “meditações” – marco aurélio
um imperador romano fazendo um diário pessoal sobre como a vida é ridícula e ao mesmo tempo sublime. filosofia estoica que não tem nada a ver com os “coaches de estoicismo” de hoje.
8. “stiff: the curious lives of human cadavers” – mary roach
sabe aquele papo sobre o que acontece com nossos corpos depois que morremos? é perturbador, engraçado e muito mais interessante do que qualquer reunião de condomínio que você já foi.
9. “as veias abertas da américa latina” – eduardo galeano
história, política e denúncia em formato de poesia que machuca. um tapa na cara de quem acha que sabe alguma coisa sobre colonialismo.
10. “o estrangeiro” – albert camus
nada mais clássico do que a indiferença absurda de meursault. a sensação de que nada importa, mas de um jeito que importa tanto que você não consegue parar de pensar nisso.
11. “pátria” – fernando aramburu
uma narrativa sobre o terrorismo do eta na espanha, mas que, na real, fala sobre como rancores e memórias destroem famílias. brilhantemente doloroso.
12. “o som e a fúria” – william faulkner
não é leitura fácil. mas quem disse que coisas boas vêm fáceis? uma exploração surreal da decadência, da família e da passagem do tempo.
13. “o livro do desassossego” – fernando pessoa (ou bernardo soares, sei lá)
melancolia destilada em frases tão bem escritas que vão te dar vontade de beber absinto em silêncio. um hino à inquietação existencial.
14. “décameron” – giovanni boccaccio
antes de netflix e memes, as pessoas sobreviviam à peste negra contando histórias cheias de sacanagem, ironia e inteligência. boccaccio te mostra que humanidade é isso: rir na beira do abismo.
15. “a morte de ivan ilitch” – leão tolstói
uma aula sobre como somos patéticos ao ignorar a morte até que ela nos encara de frente. pequeno, direto, esmagador.
16. “a piada” – milan kundera
ironia e vingança em um cenário comunista. é sobre como piadas podem destruir vidas, mas também é sobre tudo que é humano e fodidamente irônico.
17. “medo e delírio em las vegas” – hunter s. thompson
uma bad trip tão literária quanto real. se hunter não estivesse drogado escrevendo, você certamente vai ficar só lendo.
18. “o mestre e margarida” – mikhail bulgakov
diabo em moscou, gatos que falam e doses absurdas de sarcasmo. é como um circo literário de primeira classe.
19. “os lusíadas” – luís de camões
o épico português, porque às vezes precisamos de um lembrete de que a ambição humana já foi sobre desbravar mares, não apenas ganhar likes.
20. “o coração das trevas” – joseph conrad
leitura obrigatória se você quer entender como a alma humana pode ser podre e gloriosa ao mesmo tempo. curto e brutal como uma facada.
então é isso. esses foram os livros que me fizeram companhia, que me provocaram, que às vezes me deixaram com raiva ou me fizeram rir alto no meio do nada. não tem fórmula mágica aqui, não tem “segredos para o sucesso” ou qualquer porcaria que promete te salvar de você mesmo. só histórias que cutucam, ideias que desafiam, gente escrevendo porque, de alguma forma, o caos da vida precisa sair de dentro da cabeça e virar palavras.
e sabe o que é melhor? nenhum deles quer te ensinar nada. porque a literatura de verdade não vem com moral da história nem com propósito pré-embalado. ela te deixa perdido, desconfortável, cheio de perguntas. se isso não é um bom motivo para abrir um livro, não sei o que é. mas, se não gostou da lista, tudo bem também. talvez você só precise mesmo daquele seu best-seller de capa azul prometendo “revolucionar sua manhã”. boa sorte com isso. eu fico aqui com a bagunça, o sarcasmo e o estranho prazer de não ter todas as respostas.
meu filho fez 4 anos hoje. quatro anos de puro dinamite emocional embalado num corpinho que mal alcança a mesa da cozinha. é engraçado pensar que, há tão pouco tempo, ele era esse pequeno ser que só comia, chorava e dormia (muito menos do que deveria). agora, ele é uma explosão de personalidade. quatro anos. como foi que chegamos aqui tão rápido?
ele acordou hoje como se soubesse que era o dia dele. olhos brilhando, cheio de exigências: bolo, balões, um mundo inteiro pra chamar de seu. e quem sou eu pra negar? ele merece. ele conquistou cada pedaço desses 4 anos com risadas, birras e uma teimosia que faria qualquer político parecer flexível. cada dia com ele é uma mistura de stand-up comedy, debate filosófico e treino de sobrevivência.
o que mais me impressiona é a coragem. ele encara o mundo como se nada pudesse detê-lo. cai, levanta, pergunta o porquê de tudo, desafia cada regra que invento. e, na maioria das vezes, ele vence. porque, afinal, como você argumenta com uma lógica de 4 anos? “por que eu não posso comer bolo no café da manhã? o bolo não tem ovo? o ovo não é café da manhã?” ele tem um ponto. e, sinceramente, às vezes eu só deixo passar. é o aniversário dele, afinal.
hoje, ele me fez lembrar que a vida, apesar de todas as suas complicações, pode ser simples. ele vive no agora, nesse instante, sem medo do que vem depois. e talvez seja isso que eu mais amo nele. ele não só faz quatro anos; ele é quatro anos. puro, descomplicado, cheio de sonhos e energia que eu nunca mais vou ter, mas que fico feliz de ver nele.
então, hoje, é sobre ele. sobre o sorriso desdentado que me desmonta, sobre as histórias inventadas na hora, sobre as batalhas de travesseiro e as conversas absurdas que têm mais sentido do que parecem. ele fez 4 anos hoje. e eu? eu só agradeço por estar aqui, pra ver de perto o espetáculo que ele é.
espiritualidade na minha vida? olha, se você acha que vou te vender uma história edificante sobre “encontrar a luz” ou descobrir um propósito divino, sinto muito. mas a verdade é que, sim, existe um tipo de espiritualidade no meu dia a dia. não a versão instagramável, com fontes de água zen e ânforas de aroma cítrico, mas algo mais cru, mais próximo da realidade – aquela que cheira a café derramado na pia e às vezes tem gosto de derrota, mas ainda assim insiste em me dar um empurrão.
eu não sou o tipo que faz ioga ao nascer do sol ou que decora o nome de todos os deuses de todas as religiões. também não vou fingir que tenho as respostas – longe disso. mas tem algo. algo que pulsa em meio ao caos. algo que aparece nas brechas, quando eu menos espero. espiritualidade, na minha vida, é como aquele amigo que chega sem avisar, com um sorriso maroto, e diz: “vai, levanta, ainda tem jogo.”
é aquele momento em que você, mesmo depois de um dia desgraçado, olha para o céu (sim, o clichê do céu, porque às vezes ele é mais do que um pano de fundo azul) e sente alguma coisa. um fio de conexão. um lembrete de que você faz parte de algo maior. ou menor. ou igual. tanto faz, porque naquele instante, nada mais importa além do fato de que você está ali. respirando. existindo.
espiritualidade pra mim é mais prática do que mística. está em detalhes que ninguém ensina a valorizar porque não são bonitos o suficiente para caber em um discurso motivacional. é na sensação de lavar o rosto com água fria depois de uma noite mal dormida. é no silêncio de quando tudo finalmente para, e você ouve o som do nada – um nada que, de repente, parece cheio de sentido. é no toque de quem você ama, no riso inesperado, na certeza de que mesmo o dia mais caótico tem um lado de beleza, por menor que seja.
não vou te enganar dizendo que vivo em um estado constante de gratidão. não, eu reclamo, me irrito, quero jogar tudo pro alto como qualquer pessoa normal. mas espiritualidade na minha vida é o que me faz voltar ao eixo. não um eixo fixo, daqueles que você amarra no chão, mas um que balança, que desvia, que se adapta. é aquele lembrete interno que sussurra: “cara, você ainda está aqui. aproveita enquanto dá.”
talvez seja isso, no final. espiritualidade é aprender a apreciar o caminho – o feio, o bonito, o absurdo e o inesperado. é deixar o mundo bagunçado ser o que ele é, enquanto você encontra pequenas formas de beleza, de sentido, de respiro. não porque você tem que, mas porque, no fundo, você quer. e isso, pra mim, já é milagre suficiente.
a humanidade tem uma habilidade impressionante: transformar a vida, que deveria ser um jazz improvisado, num balé russo de passos meticulosamente dolorosos. me incluo nisso, claro. passamos anos achando que a felicidade está escondida dentro de uma planilha do excel, ou talvez numa dieta sem glúten, sem lactose, sem alegria. acreditamos piamente que, se conseguirmos controlar todas as variáveis, de alguma forma vamos hackear a existência. e o que ganhamos? gastrite nervosa e a insônia como companheira fiel.
mas aí, num dia qualquer – tipo aquele em que você está atolado no trânsito, ouvindo um locutor de rádio com a voz irritante tentando te vender um colchão ortopédico – a epifania chega. “porra, talvez eu esteja complicando tudo.” é como ser atingido por um raio de sanidade enquanto o resto do mundo insiste em explodir.
de repente, o óbvio te dá um tapa na cara: por que, diabos, transformar a vida num checklist interminável? por que a obsessão em transformar tudo num maldito projeto de engenharia? talvez, só talvez, não seja necessário desidratar emocionalmente para fazer uma escolha trivial, tipo que sabor de sorvete pedir.
descobrir que as coisas podem ser mais leves é quase insultante de tão simples. você percebe que passou anos empilhando camadas de complicação como se fosse construir um bolo de sete andares, quando tudo o que precisava era de um pão com manteiga e um café preto. então, você olha pro passado – pros cronogramas, pras conversas que não precisavam ter existido, pras noites em que ficou acordado revisando mentalmente diálogos que ninguém mais lembrava – e só consegue pensar: “puta merda, que perda de tempo.”
e, claro, há uma resistência. porque o ser humano tem um fetiche absurdo por sofrimento autoprovocado. adoramos a ideia de que quanto mais complicada a vida, mais épica nossa jornada. como se estar atolado até o pescoço em burocracia emocional fosse algum tipo de mérito. mas, sinceramente, quem disse que viver precisa ser uma ópera trágica? talvez a vida seja mais punk rock: direto, cru, sem firulas. três acordes e pronto.
a real é que desapegar da complicação é um ato de terrorismo pessoal. é olhar pra bagunça e decidir que, hoje, você não vai resolver porra nenhuma. e, sabe do que mais? o mundo segue girando. ninguém morre porque você decidiu que não precisa justificar sua existência com cada escolha. na verdade, eles nem percebem.
não estou dizendo que você vai acordar iluminado, flutuando sobre o sofá, livre de todas as amarras. mas talvez, só talvez, você perceba que a vida pode ser algo mais próximo de um almoço preguiçoso do que um banquete de gala. e, convenhamos, quem prefere usar smoking pra comer?