a humanidade tem uma habilidade impressionante: transformar a vida, que deveria ser um jazz improvisado, num balé russo de passos meticulosamente dolorosos. me incluo nisso, claro. passamos anos achando que a felicidade está escondida dentro de uma planilha do excel, ou talvez numa dieta sem glúten, sem lactose, sem alegria. acreditamos piamente que, se conseguirmos controlar todas as variáveis, de alguma forma vamos hackear a existência. e o que ganhamos? gastrite nervosa e a insônia como companheira fiel.
mas aí, num dia qualquer – tipo aquele em que você está atolado no trânsito, ouvindo um locutor de rádio com a voz irritante tentando te vender um colchão ortopédico – a epifania chega. “porra, talvez eu esteja complicando tudo.” é como ser atingido por um raio de sanidade enquanto o resto do mundo insiste em explodir.
de repente, o óbvio te dá um tapa na cara: por que, diabos, transformar a vida num checklist interminável? por que a obsessão em transformar tudo num maldito projeto de engenharia? talvez, só talvez, não seja necessário desidratar emocionalmente para fazer uma escolha trivial, tipo que sabor de sorvete pedir.
descobrir que as coisas podem ser mais leves é quase insultante de tão simples. você percebe que passou anos empilhando camadas de complicação como se fosse construir um bolo de sete andares, quando tudo o que precisava era de um pão com manteiga e um café preto. então, você olha pro passado – pros cronogramas, pras conversas que não precisavam ter existido, pras noites em que ficou acordado revisando mentalmente diálogos que ninguém mais lembrava – e só consegue pensar: “puta merda, que perda de tempo.”
e, claro, há uma resistência. porque o ser humano tem um fetiche absurdo por sofrimento autoprovocado. adoramos a ideia de que quanto mais complicada a vida, mais épica nossa jornada. como se estar atolado até o pescoço em burocracia emocional fosse algum tipo de mérito. mas, sinceramente, quem disse que viver precisa ser uma ópera trágica? talvez a vida seja mais punk rock: direto, cru, sem firulas. três acordes e pronto.
a real é que desapegar da complicação é um ato de terrorismo pessoal. é olhar pra bagunça e decidir que, hoje, você não vai resolver porra nenhuma. e, sabe do que mais? o mundo segue girando. ninguém morre porque você decidiu que não precisa justificar sua existência com cada escolha. na verdade, eles nem percebem.
não estou dizendo que você vai acordar iluminado, flutuando sobre o sofá, livre de todas as amarras. mas talvez, só talvez, você perceba que a vida pode ser algo mais próximo de um almoço preguiçoso do que um banquete de gala. e, convenhamos, quem prefere usar smoking pra comer?
paris não se importa com você. ela nunca se importou e nunca vai. é uma cidade que sobreviveu a séculos de reis, revoluções e turistas que acham que croissant é sobremesa. você é só mais um idiota sentado num café, fingindo que vai fazer algo grande, como se a sua presença ali, com um caderno e uma caneta, significasse alguma coisa. a verdade? não significa.
eu estava ali, num desses cafés parisienses que parecem ter saído direto de um filme – cadeiras de vime, mesas de mármore, garçons com aquela atitude que oscila entre arrogância e indiferença. o café chegou, pequeno, preto, e tão forte que parecia um desafio. o tipo de coisa que te faz pensar: “é isso, agora vai.” puxei o caderno, saquei a caneta e, claro, ela falhou. porque, é claro, ela tinha que falhar.
não foi uma falha rápida e limpa, do tipo que te permite seguir em frente. foi lenta, humilhante. rabisquei no canto da página, sacudi, até bati a ponta contra a mesa – e tudo o que consegui foi um traço pálido, esfarelado, como se a caneta estivesse morrendo na minha mão só pra me fazer sentir ainda mais inútil. o garçom passou, me lançou um olhar que dizia: “se você for chorar por causa de uma caneta, faça isso depois de pedir outra bebida.” típico.
e enquanto eu lutava com aquele pedaço inútil de plástico, me veio a clareza brutal de que a vida é exatamente assim. você faz tudo certo – senta no lugar certo, no momento certo, com a ferramenta certa – e, no final, ela te joga uma falha dessas. como quando você trabalha semanas pra um projeto no emprego e na hora de apresentar, o powerpoint não abre. ou aquela vez que você ensaiou um discurso perfeito pra dizer a alguém que ama, mas as palavras travaram na sua garganta, e o momento passou. a caneta, o powerpoint, sua própria língua – todos cúmplices no crime de te fazer parecer um idiota.
paris não liga. a cidade continua. o casal na mesa ao lado discute arte como se fossem críticos do louvre. um senhor acende seu cigarro com a precisão de quem já fez isso cinquenta mil vezes e vai continuar até o pulmão implorar por socorro. ninguém tá nem aí pra você, pra sua caneta, ou pra sua ideia brilhante que acabou de evaporar.
e é isso. a vida não te dá ferramentas perfeitas. ela te dá canetas que falham, momentos que se esfarelam, e um garçom que não vai te perguntar se tá tudo bem. e o que você faz? você senta ali, encara o café, pede um vinho. talvez largue a caneta, talvez encontre outra, ou talvez perceba que, no fim das contas, o que você precisava mesmo era aceitar que nada funciona do jeito que deveria. nem canetas, nem a vida.
engraçado como o palco – esse espaço onde todo mundo acha que você tá sendo dissecado por mil olhos críticos – é, na verdade, o único lugar onde eu me sinto realmente no controle. me dá um microfone, acende as luzes, e lá vou eu. as pessoas podem até me fazer perguntas – e claro que algumas vão ser idiotas, sempre tem uma alma que quer ser esperta demais –, mas eu ainda mando no jogo. sou eu quem decide como responder, se é com sarcasmo, provocação ou uma anedota inventada na hora. no palco, tudo gira em torno de mim. é um terreno que conheço bem. ali, eu domino o show.
mas tira o palco, o público, o microfone, e me joga numa situação simples, corriqueira, como estar num táxi sozinho, e a coisa muda de figura. não é sobre o motorista. eles só estão fazendo o trabalho deles, girando o volante, indo de um ponto a outro. é sobre o ambiente, a sensação de estar preso num cubículo em movimento com outra pessoa – um estranho, pra piorar. a intimidade desconfortável de compartilhar aquele espaço fechado onde o som da respiração, do piscar dos olhos e do ronco do motor parece ensurdecedor. a qualquer momento, pode vir uma pergunta. qualquer pergunta. e é sempre a pior coisa: “pra onde vai?”, “choveu hoje?”, “você trabalha com o quê?”. algo inofensivo, mas que se transforma em um teste de sobrevivência social. porque agora sou eu, sem a proteção do palco, sem holofotes pra apagar os rostos. só um cara, sentado ali, tentando parecer normal enquanto minha mente grita: “só me deixa existir em paz”.
é por isso que meu ipod e meus óculos escuros são mais do que acessórios. são ferramentas. estratégias de fuga. os fones me isolam, criam um universo paralelo onde não existem perguntas, nem respostas, nem olhares. e os óculos? minha barreira contra o contato visual – essa invenção humana que parece tão simples, mas que carrega toda a carga de “me nota, me entende, me enfrenta”. com eles, eu me torno algo distante, quase intocável. porque sem esses escudos, eu fico exposto. e o táxi, de repente, vira um palco invertido onde eu sou o único a ser observado.
e na rua? a rua é outro inferno disfarçado de normalidade. andar entre estranhos, sem um destino claro, é como nadar em águas infestadas de tubarões que só existem na sua cabeça. os olhares não são reais, mas, ao mesmo tempo, são. cada rosto que passa parece me escanear, me pesar, me medir. é como uma performance contínua, sem aplausos, sem fim. e eu não baixo a cabeça. não desvio. mas não porque sou confiante – é puro ato, uma máscara que coloco pra passar por aquilo sem que ninguém perceba que dentro de mim tá tudo desmoronando. os fones e os óculos me ajudam a fingir que não dou a mínima, que tô num mundo só meu. e talvez até esteja.
a academia, então? o teatro do ridículo. um lugar onde o som de pesos caindo e máquinas rangendo se mistura com o esforço coletivo de todo mundo fingir que tá ali só pra ser saudável. ninguém tá. todos estamos ali pra evitar a decadência, física ou social, mas sem nunca admitir isso. e claro, sempre tem alguém que quer falar. “quantos quilos você tá levantando?”, “tá focado na dieta, hein?”, “qual teu objetivo de treino?”. qual meu objetivo? não surtar. não ter um colapso no meio de uma série porque alguém resolveu que academia é lugar de socializar. mas não posso dizer isso, então sorrio, murmuro algo genérico, e volto pra minha bolha mental, planejando sair dali o mais rápido possível.
no fim, o palco é fácil porque é meu. ali, eu decido quem entra, quem fala, quem cala. mas na vida real, meu controle é emprestado, precário, dependente de dois pedaços de plástico: óculos escuros e um ipod. eles são meu escudo, meu sinal universal de não me foda, minha última linha de defesa contra o mundo. mas mesmo com eles, o mundo insiste. ele fura a barreira, ignora os sinais, força uma interação, um olhar, uma pergunta idiota. e é aí que a verdade dói: meu controle é só isso – um par de óculos e um pouco de música. tira isso, e eu tô à mercê de tudo o que tento desesperadamente evitar.
a mortalidade. ah, sim, o grande equalizador. o final inevitável. mas vamos ser honestos: quando você tem 20 anos, ela é tão real quanto unicórnios ou políticos honestos. é algo que acontece com os outros – pessoas em filmes, idosos que você mal conhece, ou aquela história vaga sobre um cara que “foi cedo demais”. aos 20, você se sente como uma aberração biológica, invencível e infinito. você pode devorar um kebab duvidoso às três da manhã, lavar com cerveja barata e acordar algumas horas depois como se tivesse dormido em lençóis de algodão egípcio. você se acha um super-herói. spoiler: você não é.
aos 20, a vida é só excesso. você vive como se fosse o dono de um cartão de crédito sem limite emocional, enchendo o carrinho com aventuras idiotas e escolhas questionáveis porque, no fundo, você acredita que sempre haverá mais. mais tempo. mais chances. mais corpo. a morte? ela é um conceito tão distante que poderia muito bem estar vivendo em outro planeta. e, francamente, você nem acha que merece pensar sobre ela. mortalidade é para os fracos, para os outros. nunca para você.
e então você chega perto dos 50. e, meu amigo, a piada finalmente faz sentido. seu corpo, esse cúmplice silencioso que nunca reclamou antes, começa a mandar bilhetes nada sutis. uma dorzinha no ombro que nunca vai embora. uma escada que de repente parece um desafio de alpinismo. aquela pizza que costumava ser um abraço calórico agora é um míssil direto para o seu estômago. e o relógio – aquele que você jurava que nem existia – começa a fazer barulho. alto. irritante. impossível de ignorar.
mas sabe o que é mais cruel? aos 50, você tem clareza. a grande ironia da vida é que, justo quando você começa a entender o jogo, o tempo para jogá-lo começa a acabar. e não, não é o medo de morrer que te corrói. é o medo de perceber que você viveu de forma medíocre. que você seguiu as regras, comeu a salada, foi para a cama cedo, e, no final, a única coisa que você tem para mostrar é uma lápide sem graça e uma lista de arrependimentos.
e é aí que entra o sarcasmo da mortalidade. ela te cutuca, te desafia, te joga contra a parede e diz: “então, o que você vai fazer com o pouco tempo que resta?” vai continuar economizando aquele vinho bom para uma ocasião especial que nunca chega? vai continuar dizendo “não” porque tem medo de parecer estúpido? ou vai começar a viver como se tivesse algo a perder – porque, cara, você tem. você tem o agora.
então, sim, a mortalidade é impiedosa. mas também é o melhor lembrete de que a vida é curta demais para ser vivida com moderação. você vai morrer. isso é garantido. mas enquanto isso, coma o maldito bacon, pegue o voo mais barato para o lugar mais estranho, beba o uísque antes do meio-dia e conte as histórias mais absurdas que puder. porque a única coisa pior do que morrer é perceber, no último segundo, que você nunca viveu.
não foi uma decisão planejada, nem uma grande epifania. um dia, simplesmente, percebi que os tênis que usava todos os dias não faziam mais sentido. olhei pra eles – aqueles pedaços de espuma e tecido, gastando o último resquício de dignidade – e senti uma mistura de tédio e vergonha. tênis são fáceis, convenientes, leves… e absolutamente desprovidos de qualquer personalidade. percebi que tava andando por aí com algo que poderia ser de qualquer um. genérico, previsível, descartável. era como estar preso numa dieta de nuggets congelados e achar que tava tudo bem. foi aí que abandonei os tênis e comecei a viver de botas de couro.
botas são outra coisa. são peso, compromisso, uma declaração silenciosa de que você não tá aqui pra brincar. elas não gritam tendências, não tentam ser o sapato do momento. botas são feitas pra durar, e, nesse mundo onde tudo é projetado pra quebrar, isso já é quase um ato de rebeldia. um tênis novo é o melhor que ele vai ser. o couro de uma bota, por outro lado, só fica mais interessante com o tempo. a cada arranhão, a cada dobra, ela carrega mais de você. é como um diário nos pés – cada marca uma história, cada vinca um lugar por onde você passou. tênis? tênis morrem jovens, anônimos, sem deixar nenhum legado.
e tem a durabilidade. vamos ser honestos, tênis não foram feitos pra durar. foram feitos pra vender. usou algumas vezes? solado descolando. pegou um pouco de chuva? o tecido já tá parecendo um guardanapo molhado. botas, por outro lado, encaram qualquer coisa. lama, chuva, pedra, poeira. não importa. elas são feitas pra resistir. botas não pedem permissão pra existir. não imploram cuidado. elas só seguem, firmes, enquanto o mundo ao redor tenta desmoronar.
e sabe o que é melhor? botas funcionam em qualquer lugar. enquanto tênis precisam de desculpas – “ah, é só pra academia”, “é só pra um passeio rápido” – as botas vão com você pra qualquer lugar. elas não se intimidam. podem pisar na terra, atravessar uma cidade inteira, entrar numa reunião, ou até caminhar pela calçada sem parecer que você tá indo pra uma corrida que nunca vai acontecer. elas têm essa versatilidade que só vem de algo atemporal. não precisam de validação. não precisam de você justificando.
hoje, meus tênis estão relegados ao que realmente foram feitos pra fazer: aparecer na academia, quando eu decido fingir que ainda me importo com aquilo. fora isso? nem pensar. minhas botas de couro tomaram o lugar que sempre foi delas. não só porque duram mais, ou porque carregam história, mas porque elas simplesmente fazem mais sentido. são sólidas, confiáveis, e não precisam de espuma ou marketing pra provar isso. elas não só aguentam o mundo – elas enfrentam ele. e, usando elas, eu também.
o mundo corporativo é a maior piada mal contada do nosso tempo. uma ópera de mediocridade cheia de gente que finge que sabe o que está fazendo enquanto troca e-mails com palavras como “alinhamento”, “sinergia” e “pivotar”. mas a verdadeira comédia – o humor negro que só quem já viveu esse inferno refrigerado entende – é que todo mundo ali está fingindo. ninguém, absolutamente ninguém, tem ideia do que está fazendo.
primeiro, você precisa passar pela humilhação pública conhecida como entrevista de emprego. ah, o teatro de desespero. você veste sua roupa mais desconfortável, decora frases feitas sobre “trabalho em equipe” e “adaptação a novos desafios” e entra na sala com aquele sorriso que grita “eu faço qualquer coisa por um salário fixo”. o entrevistador? ele está ali pra julgar cada vírgula que você diz enquanto pergunta coisas como “qual sua maior fraqueza?”. eu deveria ter respondido “essa entrevista”, mas claro, falei algo genérico como “sou perfeccionista demais”. todo mundo fala isso. eles sabem que é mentira, mas escrevem no caderninho mesmo assim.
e quando você finalmente consegue o emprego, é como abrir a porta do paraíso… e descobrir que é só mais um cubículo com cheiro de café velho e desodorante vencido. eles te entregam um computador que parece um pedaço de sucata e um crachá com sua foto tirada no pior ângulo possível. “bem-vindo à equipe!”, dizem, enquanto você tenta entender como o sistema interno da empresa ainda funciona no windows xp.
o primeiro dia é sempre uma obra-prima do caos. ninguém sabe direito o que você deveria estar fazendo, então jogam você no “treinamento de integração”. basicamente, é um powerpoint com 157 slides sobre a “missão” e “valores” da empresa – que ninguém na sala segue, mas que todo mundo finge acreditar. “aqui valorizamos o bem-estar dos funcionários”, eles dizem, enquanto te empurram metas impossíveis e uma vaga sensação de que você nunca vai sair daquele lugar vivo.
e aí vem o dia a dia. sabe o que significa trabalhar numa empresa? reuniões. um tsunami de reuniões. elas acontecem de manhã, à tarde, às vezes até no horário de almoço – porque, claro, ninguém precisa comer, certo? e todas são igualmente inúteis. uma vez, passei 90 minutos numa reunião sobre como otimizar o uso do papel toalha no banheiro do escritório. eu saí mais burro do que entrei, mas, aparentemente, a empresa economizou R$ 7,35 no mês seguinte.
e não vamos esquecer os e-mails. eles começam inocentes: “bom dia, equipe, segue o relatório.” mas logo você descobre que o inferno tem uma caixa de entrada. tem sempre um colega que responde a tudo com “obrigado” – só pra mostrar que ele leu, mesmo que ninguém tenha perguntado. ou o chefe que adora copiar todo mundo em mensagens que deveriam ser privadas. nada como receber um e-mail às 22h com o assunto “urgente”, só pra abrir e descobrir que era sobre a cor da apresentação da próxima reunião.
e claro, tem o famigerado happy hour. o único momento em que todos os funcionários são obrigados a fingir que gostam uns dos outros fora do horário de trabalho. a empresa paga a primeira rodada, depois é cada um por si. o chefe tenta ser “descolado”, pedindo caipirinha e fazendo piadas que ninguém acha engraçadas. tem sempre um que bebe demais e fala coisas que deveria guardar pra terapia, e no dia seguinte todo mundo finge que nada aconteceu.
mas o grande show é a avaliação de desempenho. eles dizem que é pra “reconhecer seu esforço” e “ajudar no seu desenvolvimento profissional”. mentira. é uma desculpa pra te dizer que você trabalha bem, mas não o suficiente pra receber um aumento. “você está indo muito bem, mas queremos ver mais liderança da sua parte.” liderança? eu mal consigo liderar minha vida pessoal, e agora tenho que liderar o quê?
e no meio disso tudo, tem o mito da meritocracia. a ideia de que, se você trabalhar mais, será recompensado. aham, claro. sabe quem é promovido? o cara que entrega o café pro chefe, ri das piadas mais sem graça e sempre concorda com tudo. já vi pessoas brilhantes passarem anos apagando incêndios enquanto o puxa-saco da sala ao lado recebia um cargo novo e uma sala com vista.
o mundo corporativo também adora criar ilusões. como a ideia de que trabalhar muito é sinônimo de sucesso. é por isso que tem gente mandando e-mails às 2h da manhã ou entrando no escritório aos sábados. eles não estão sendo produtivos. eles estão sendo vistos. porque, no fim das contas, o mundo corporativo é só isso: um desfile de vaidades onde a aparência de eficiência vale mais do que o trabalho real.
mas o pior de tudo é que a gente se acostuma. o café horrível, as piadas sem graça, o chefe que fala sobre “pensar fora da caixa” enquanto só aceita ideias seguras. tudo isso vira rotina. e antes que você perceba, está contando os dias pra sexta-feira e rezando pra próxima demissão ser voluntária.
o mundo corporativo não é feito pra ser suportado. é feito pra te drenar, te desgastar e, no final, te convencer de que tudo valeu a pena porque você tem um plano odontológico que cobre metade do tratamento. mas, ei, pelo menos tem bolo no seu aniversário. seco, de abacaxi com creme, mas ainda assim, um bolo.
ok, vamos realmente descascar essa cebola apodrecida que é a obsessão moderna por produtividade. esse culto ao “faça mais, seja mais, alcance mais” que transformou até as horas de sono em uma maldita competição. porque claro, dormir 8 horas como um ser humano normal agora é coisa de fracassado. o mantra é “trabalhe enquanto eles dormem”. aham, claro. trabalhe até a exaustão, vire um zumbi funcional, mas lembre-se de usar um aplicativo de mindfulness no intervalo entre uma reunião inútil e outra para fingir que está tudo sob controle.
e o mais insuportável é essa propaganda de que ser produtivo é o ápice da realização pessoal. como se a vida fosse uma corrida interminável onde o prêmio é o direito de postar no linkedin que você “superou todas as metas do trimestre”. e aí vem o famigerado guru de internet — aquele mesmo que vende ebooks e cursos sobre “como ser a melhor versão de si mesmo”. eles te convencem de que a vida perfeita começa com um banho gelado às 5 da manhã, seguido por 30 minutos de yoga, um suco verde que parece vômito de alface e um diário de gratidão que você escreve só para provar que está se esforçando para ser grato por essa prisão autoimposta.
mas vamos encarar a verdade: ninguém sabe por que estamos nessa corrida. dinheiro? status? medo de ficar para trás? ou é só que ninguém quer encarar a realidade nua e crua de que talvez a vida seja, no fundo, incrivelmente banal? sim, banal. com sorte, você vai comer algo decente, ter um bom sexo ocasional, e passar as noites vendo reprises de uma série que perdeu a graça depois da terceira temporada. mas admitir isso seria blasfêmia no reino da alta performance. então você finge. finge que aquele planner caro vai mudar sua vida, finge que ler mais um livro de autoajuda vai finalmente “desbloquear seu potencial”. spoiler: não vai.
e sabe o que é pior? toda essa ladainha da produtividade só te deixa mais ansioso. no final do dia, você não está mais rico, mais feliz ou mais satisfeito. está exausto, paranoico e com a sensação persistente de que não fez o suficiente. porque o suficiente não existe. é uma cenoura pendurada na sua frente, mas o bastão é infinito. e é aí que entra a grande verdade que ninguém quer admitir: às vezes, a coisa mais produtiva que você pode fazer é absolutamente nada. ficar na cama até tarde, comer uma porcaria qualquer, assistir um filme idiota e não mover um músculo a mais do que o necessário. isso não vai te fazer mais rico, mais magro ou mais influente no instagram, mas, adivinha só? também não vai te matar.
então aqui está meu conselho: esqueça o banho gelado. desligue o alarme das 5 da manhã. deixe o planner pegar poeira. sente-se, respire e aprecie o glorioso nada. porque, no final das contas, a produtividade nunca vai preencher o vazio. e talvez, só talvez, o vazio seja exatamente onde você precisa estar.
essas coisas não são só objetos. são pedaços de quem sou, da minha rotina, das escolhas que faço todos os dias. a quintessência não é só o que funciona – é o que fica. o que resiste ao tempo, às mudanças, e às minhas tentativas de me livrar de tudo que não importa.
1. mochila ou sling bag de couro a mochila é onde tudo começa. couro preto, grosso, com marcas que não estão ali pra contar histórias – elas só existem, como cicatrizes de alguém que sobreviveu sem se gabar disso. ela já carregou tudo: cadernos que eu juro que vou preencher, cabos que nunca vou usar, roupas que sempre parecem erradas pra ocasião. já foi jogada em esteiras de aeroporto e atirada no chão de cafés lotados, mas nunca falhou comigo. é prática, pesada, e irritantemente indispensável. a sling bag, por outro lado, é minimalismo forçado. só o necessário: caderno, canivete, fones, talvez um isqueiro. quando eu não quero parecer alguém que está fugindo de casa, é ela quem vai comigo. pequena, discreta, e mais útil do que eu gostaria de admitir.
2. canivete suíço o canivete não é heroico, e é exatamente isso que eu gosto nele. ele não vai salvar ninguém, mas já me salvou de algumas situações irritantes – abrir pacotes selados como se fossem um cofre do banco central, cortar pedaços de barbante que teimam em fazer minha paciência parecer insuficiente, ou abrir tampas e lacres que foram projetados por sádicos. ele não é imponente, mas está sempre lá, pronto pra resolver o tipo de problema que você não espera, mas que sempre aparece.
3. isqueiro não precisa ser um zippo. não precisa ser bonito. só precisa funcionar – e o meu sempre funciona. nunca fumei, mas carrego porque, de alguma forma, um isqueiro é como um amuleto: um pequeno lembrete de que você pode criar algo do nada. ele já acendeu velas em noites que não mereciam ser lembradas, ressuscitou fogueiras que duraram menos do que deveriam, e, uma vez, foi usado pra selar a ponta de um fio que insistia em desfiar. ele não pede nada, mas entrega sempre. isso é quintessência.
4. botas de couro são minha aquisição mais recente. depois de anos usando tênis – leves, confortáveis, práticos, mas completamente sem alma – percebi que algo estava errado. tênis são passageiros, descartáveis, projetados pra serem substituídos antes mesmo de você se apegar. as botas, por outro lado, são o oposto: pesadas, resistentes, cheias de caráter. cada arranhão, cada marca, é um lembrete de que elas estão comigo, não contra mim. já enfrentaram calçadas rachadas, pisos molhados e aquele tipo de sujeira que só parece existir em aeroportos. abandonei os tênis porque, sinceramente, queria algo que durasse – algo que envelhecesse comigo, em vez de ser jogado fora na próxima estação.
5. caderno de capa dura não é um espaço para poemas ou pensamentos brilhantes – e é exatamente por isso que gosto dele. meu caderno é preenchido com listas que nunca completo, ideias que perdem o sentido antes de virarem algo real, e rabiscos que eu provavelmente fiz só pra matar o tempo. ele está ali, esperando. é o tipo de coisa que não exige nada de você, mas está sempre disponível quando o caos precisa ser colocado no papel.
6. caneta tinteiro ela mancha os dedos, a mochila, e uma vez quase arruinou meu bolso. e ainda assim, é indispensável. escrever com uma caneta tinteiro é um exercício de atenção. ela te obriga a pensar antes de agir, porque tinta não perdoa erros. é imperfeita, teimosa, mas de alguma forma transforma até uma lista de supermercado em algo que parece ter importância.
7. ipod classic + fone original ainda uso um ipod porque, francamente, ele faz o que precisa e só isso. ele não tenta me vender nada, não me interrompe com anúncios ou notificações, e nunca me força a atualizar algo que já funciona. os fones originais? são ruins, mas têm alma. ouvir música no ipod é como revisitar uma época em que as coisas eram simples, imperfeitas e, de alguma forma, melhores.
8. óculos escuros de acetato/grau eles não são só óculos – são uma barreira. sofro de fobia social, aquela sensação desconfortável de que o mundo está te olhando mais do que deveria. os óculos escuros me protegem disso. eles deixam o mundo mais distante, mais tolerável. colocá-los é como dizer: “hoje não, mundo. tente amanhã.” não saio de casa sem eles porque, sem eles, o mundo parece maior do que realmente é.
9. relógio mecânico é um velho Rolex da década de 50. ele atrasa. todo santo dia. precisa de corda, como uma criatura teimosa que exige atenção pra continuar funcionando. e, ainda assim, ele é perfeito. ele não vibra, não manda notificações, não tenta competir com o meu smartphone. é só um tique-taque constante, um lembrete de que o tempo não para, mesmo quando você esquece de cuidar dele.
10. smartphone do momento não sou fã de nenhuma marca. um dia é apple, no outro android – o que estiver funcionando no momento. troco de smartphone como quem troca de humor: rapidamente, sem muita explicação. mas ele está sempre lá, porque, no fim, você precisa de algo que conecte você ao mundo – mesmo que seja só pra te lembrar de que o mundo está muito ocupado pra te notar.
11. carteira de couro da goyard não é de uma marca qualquer, e nem daquelas óbvias que vêm à cabeça quando você pensa em luxo. é uma carteira da goyard, um presente que recebi da própria marca em uma visita de trabalho à sede deles. ela é elegante sem gritar, funcional sem ser monótona. já guarda meus cartões há mais de 10 anos – e, honestamente, vai continuar comigo enquanto durar.
12. airpods pro gen 1 não são os melhores, mas fazem o trabalho. bloqueiam o mundo lá fora, abafam as conversas que eu prefiro não ouvir, e deixam a música ser a única coisa que importa. é isso ou lidar com o caos em volta, e, sinceramente, sei qual das duas opções prefiro.
13. fujifilm x100f ela passa facilmente por uma câmera de filme – o que só aumenta seu charme. não é nova, mas não precisa ser. a fujifilm x100f é como uma velha amiga: confiável, discreta, mas com o poder de transformar algo completamente banal em uma história que vale a pena contar. cada clique é um lembrete de que, mesmo quando tudo parece igual, há sempre uma nova maneira de enxergar o mundo.
ninguém te conta que quando seu filho está prestes a fazer 4 anos, você não tem mais um bebê — você tem um ser humano com opiniões, argumentos e um radar infalível para todas as suas fraquezas. ele sabe exatamente quando te pedir algo, como te desarmar com um sorriso torto e a frase “mas, papai, eu te amo tanto”. e pronto: você se tornou a marionete de um pequeno mestre da manipulação emocional.
ninguém te prepara para a fase dos “porquês”. você achou que sabia algumas coisas sobre a vida, né? achou errado. “por que o céu é azul?” você até tenta responder. mas aí vem: “e por que as nuvens não caem?” ou “por que eu não posso comer sorvete no café da manhã?” você percebe, no terceiro “por quê?”, que está perdido. você não é tão esperto quanto pensava. e ele sabe disso.
ninguém te conta que as birras ficam mais sofisticadas. antes era só choro e gritaria. agora é drama shakespeareano, com diálogos cheios de emoção e pausas dramáticas. ele não quer só um brinquedo. ele precisa do brinquedo porque o mundo depende disso. você assiste à performance com uma mistura de exaustão e admiração. esse pequeno lunático pode ser um gênio do teatro.
ninguém te avisa que, ao mesmo tempo, ele vai começar a ter flashes de uma sabedoria que te desmonta. ele solta uma frase como: “papai, eu acho que você está triste porque o dia foi muito difícil. quer brincar comigo para melhorar?” e você fica ali, com o coração partido e remendado ao mesmo tempo, pensando: “como ele sabe? como ele entende?”
ninguém te diz que as pequenas coisas vão começar a parecer enormes. um desenho rabiscado numa folha de papel vira uma obra-prima digna do louvre. a forma como ele conta uma história, misturando fatos e fantasia, faz você repensar o conceito de narrativa. e quando ele pronuncia alguma palavra errada — como “calabeta” para cabriolé ou algo assim — você secretamente torce para ele nunca corrigir.
ninguém te conta que, aos quase 4 anos, ele vai olhar pra você e dizer que você é o melhor pai do mundo. e mesmo sabendo que, no fundo, ele só está tentando garantir aquele sorvete depois do jantar, você acredita. porque no universo dele, por mais caótico que seja, você realmente é. e é isso que ninguém te conta: que, no meio do cansaço, das dúvidas, das perguntas sem fim e dos pequenos dramas diários, ser o melhor pai do mundo para ele é a coisa mais importante que você já foi.
jonestown massacre. claro que é a minha banda favorita. e por que não seria? eles não têm a menor intenção de te conquistar, muito menos de te agradar. e é exatamente isso que me atrai. eles são a essência do “que se dane” transformada em som, a banda que nunca quis ser nada além de uma expressão desleixada de caos e autenticidade. eles não estão interessados no seu respeito ou na sua aprovação. eles mal parecem interessados neles mesmos. é como se cada faixa fosse cuspida no mundo com a preguiça amarga de quem sabe que a humanidade já fracassou e a música, na melhor das hipóteses, é só mais um grão de areia no deserto. e isso, meu amigo, é o que os torna tão insuportavelmente bons.
e aí vem “anemone”, essa obra-prima desgrenhada de 1996. se você não conhece, é melhor nem ouvir. porque não é uma música pra qualquer um. não é uma daquelas canções fáceis que você coloca no carro enquanto vai ao supermercado. “anemone” exige algo de você. ela te desafia a ouvir, a sentir, a encarar. é como um quarto enfumaçado onde você sabe que não deveria entrar, mas algo – curiosidade, autodestruição, talvez só desespero – te puxa pra dentro. e quando você está lá, a música começa. devagar, preguiçosa, como alguém que acabou de acordar de um sonho ruim e ainda não decidiu se vale a pena levantar. aquele riff de guitarra em reverb? é uma lâmina fina cortando o silêncio, lenta o suficiente pra você sentir cada milímetro. os vocais? eles não te chamam, não te convidam. eles simplesmente existem. uma voz soterrada, cansada, que não tá nem aí se você está ouvindo ou não.
e aí está o gênio da coisa. “anemone” não precisa de você. não tá tentando ser trilha sonora da sua vida, nem te confortar no meio do seu melodrama pessoal. ela é maior do que isso. é um lembrete cruel e indiferente de que o mundo segue em frente, com ou sem você. a dor, a solidão, a bagunça – tudo isso é tão normal quanto o nascer do sol. e, ao mesmo tempo, há algo incrivelmente bonito nisso. porque a música não é só sobre desistir; é sobre encontrar beleza no lugar mais improvável. é o som de alguém que parou de lutar, mas ainda não está morto. uma linha tênue entre a ruína e a aceitação.
o álbum de 1996 inteiro é um manifesto de desleixo e genialidade. parece ter sido gravado num porão, com cabos em curto, instrumentos desafinados, e uma urgência quase desesperada pra capturar o momento antes que ele desmoronasse. e é isso que faz jonestown massacre ser diferente de todas essas bandas de hoje em dia que gastam mais tempo polindo suas redes sociais do que escrevendo uma música decente. eles não se importam. e porque não se importam, você acaba se importando demais. você sente cada nota, cada palavra, como se fossem destinadas exclusivamente a você, mesmo sabendo que elas nunca foram feitas pra ninguém.
volto pra “anemone” toda vez que preciso lembrar que a música – a verdadeira música – não é sobre perfeição. é sobre imperfeição. é sobre criar algo que parece tão humano, tão vulnerável, que chega a doer. “anemone” é um espelho sujo que você prefere evitar, mas não consegue. porque no fundo, você sabe que ela te entende de um jeito que nenhuma outra música entende. ela não tenta te salvar. ela não promete que tudo vai ficar bem. ela só está lá, como um companheiro silencioso no pior dos seus dias. e isso, pra mim, é a definição de arte.
se você ouve jonestown massacre e não sente nada, o problema não é com eles. é com você. porque não é uma banda pra preencher espaço vazio ou colorir os momentos bonitos. é uma banda pra quem sabe que a vida, na maior parte do tempo, é um amontoado de erros e arrependimentos. e, ainda assim, há beleza nisso. não uma beleza óbvia, mas uma beleza crua, suja, que só aparece quando você para de procurar. e “anemone” é o coração dessa bagunça. a música que te joga no chão, te puxa pra baixo e te deixa lá, mas de alguma forma faz tudo isso valer a pena.