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2024

tá eu também vou falar da jaguar

vou ser direto: o que está acontecendo com a jaguar é mais do que um rebranding mal pensado – é um reflexo de um problema maior, uma epidemia de marcas que decidiram abrir mão de tudo que as tornava únicas pra seguir uma cartilha genérica de “modernidade”. e sabe o que é isso, no fim das contas? medo. medo de não ser relevante. medo de alienar um público que nunca foi o seu. e o resultado é esse: legados sendo esmagados em nome de logotipos minimalistas e slogans vazios que ninguém vai lembrar.

vamos falar sério: jaguar era uma marca com pedigree, com alma, com uma história tão poderosa que só o nome já carregava um peso. era luxo britânico, mas com atitude. elegância com dentes. você comprava um jaguar porque queria algo que o resto do mundo não podia ter, algo que fazia o ronco do motor soar como uma declaração de guerra contra a mediocridade. e agora? agora você olha pra esse “modernismo exuberante” e vê o quê? um desespero. uma tentativa patética de parecer “jovem” e “clean”, como se isso fosse suficiente pra compensar a perda de identidade.

mas jaguar não está sozinha nessa bagunça. olha ao redor. burberry fez a mesma coisa quando decidiu diluir seu icônico xadrez pra se tornar “cool”. gap tentou simplificar o logo e foi tão massacrada que voltou atrás em menos de uma semana. até marcas que deveriam ser inabaláveis, como a bmw, meteram os pés pelas mãos ao transformar seu logo num design digital que parece mais uma fintech. e por quê? porque todo mundo quer ser “moderno”, mas ninguém quer ser corajoso.

essa febre de minimalismo – quem foi que decidiu que tudo precisa ser “clean”? quem foi que declarou guerra contra o design que tem personalidade? jaguar tinha o maldito jaguar saltando, um logotipo que não era só visualmente impressionante, mas que transmitia movimento, força, energia. agora temos letras finas que podiam estar no rótulo de uma marca de água com gás. minimalista? sim. memorável? nem de longe.

e não é só o design. é a mensagem. “copy nothing”? o que isso significa, exatamente? porque parece que o que fizeram foi copiar todos os erros que outras marcas já cometeram ao tentar apagar sua história. jaguar não precisava de um rebranding. precisava de confiança. precisava de uma reafirmação do que ela é. mas o que fez? foi pelo caminho mais fácil: abandonou o que a fazia especial pra tentar ser algo que nunca foi.

e aqui está a ironia: as marcas que resistem a essa onda de homogeneização são as que continuam no topo. ferrari não mudou. rolls-royce não mudou. até a porsche, que lançou um SUV e um carro elétrico, conseguiu fazer isso sem perder a essência. porque essas marcas entendem algo que a jaguar claramente esqueceu: o luxo não é sobre agradar a todo mundo. é sobre ser exclusivo. é sobre ser fiel a si mesmo, mesmo que isso signifique alienar uma parte do público.

mas o problema é maior do que isso. estamos vivendo numa era em que as marcas estão aterrorizadas com a ideia de não serem “relevantes”. elas sacrificam tradição, história e identidade pra seguir tendências passageiras que vão desaparecer antes do próximo ciclo de marketing. e o que sobra? um mar de logotipos genéricos, mensagens genéricas, produtos genéricos. jaguar só é a vítima mais recente dessa doença.

sabe o que realmente irrita? o público que entende o valor de uma jaguar – o cliente que sabia que estava comprando algo com alma, algo com peso – esse público está sendo deixado de lado. e pra quê? pra tentar conquistar um consumidor que nem entende o que é herança, que acha que um carro é só um gadget grande. é a mesma história com a harley-davidson quando tentou vender motos elétricas como se fosse um brinquedo de luxo. o público leal virou as costas, e o novo público? nunca veio.

no fim das contas, o que estamos vendo não é só a morte da identidade de marcas como jaguar. é a morte da ousadia. da coragem de ser diferente. as marcas que antes lideravam, que ditavam as regras, agora estão correndo atrás do rabo tentando ser tudo pra todo mundo. e o resultado? elas se tornam nada. porque quando você abre mão do que te torna único, o que sobra?

jaguar podia ter liderado. podia ter mostrado ao mundo que modernizar não significa esquecer suas raízes. mas, em vez disso, ela escolheu o caminho mais fácil: apagar sua própria essência e esperar que ninguém percebesse. e isso, pra mim, é o maior fracasso de todos. não só pra jaguar, mas pra toda essa nova geração de marcas que parecem mais preocupadas em agradar algoritmos do que pessoas.

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2024

simplicidade

a grande piada cósmica das “coisas simples” é que elas são a maior farsa já vendida para a humanidade. “é fácil, é só fazer!” dizem os gurus, os coaches, os seus amigos irritantemente otimistas que parecem viver em um comercial de margarina. mas sabe o que é a verdade? simples é o nome bonitinho que deram para as coisas que vão te fazer parecer um completo imbecil enquanto tenta fingir que tem algum controle sobre a própria vida.

veja o exemplo clássico: “é só ser você mesmo.” ah, claro. porque ser você mesmo não é um exercício diário de terapia, auto-sabotagem e arrependimento profundo por decisões tomadas às três da manhã. ser você mesmo é simples até o momento em que percebe que nem você sabe quem é, mas todos à sua volta têm opiniões muito fortes sobre o que deveria ser. e aí você entra naquele loop existencial tentando agradar meio mundo enquanto secretamente odeia todos.

ou, que tal o conceito insuportavelmente hipócrita de “relaxe, viva o momento”? quem inventou isso claramente nunca esteve em um aeroporto às seis da manhã com fila de segurança se arrastando e uma criança chorando no seu ouvido. simples viver o momento? no mundo real, o “momento” geralmente é uma bagunça suada, mal-cheirosa e cheia de notificações pendentes no celular. relaxe? até parece.

ah, e não me faça começar com “coisas simples” como manter sua casa arrumada. você acha que vai ser só dobrar algumas roupas, lavar a louça e pronto, tudo perfeito. mas cinco minutos depois você está limpando um filtro de aspirador de pó que mais parece um pequeno habitat de vida alienígena, perguntando a si mesmo como é possível que algo tão pequeno gere tanto caos. porque sim, até a poeira tem uma agenda secreta contra você.

e o grande trunfo das coisas simples? elas te fazem questionar se todo mundo ao seu redor sabe algo que você não sabe. porque sempre tem aquele amigo que diz, com desdém: “é só fazer assim.” como se fosse uma equação de segundo grau que você deveria ter aprendido no ensino fundamental. simples, claro. porque para ele, o universo conspira a favor. para você, o universo conspira para te jogar numa maratona emocional de falhas públicas e privadas.

coisas simples são complexas porque a vida, no fundo, é um jogo sarcástico, uma espécie de reality show cósmico onde o objetivo é te humilhar enquanto você tenta manter as aparências. e sabe qual é a melhor parte? ninguém ganha. a simplicidade é só um mito que contamos para não explodir. mas ei, continue tentando. aparentemente é simples, não é?

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2024

certezas?

lembro de uma conversa numa sala qualquer, em algum ponto da minha vida onde eu deveria estar mais interessado no que estava acontecendo, mas não estava. um conhecido – daqueles tipos que parecem viver com um manual de instruções escondido no bolso – estava despejando verdades universais como se fossem confetes em um desfile. cada frase era uma martelada de certeza, uma declaração empolgada de como ele tinha descoberto o jeito certo de viver, de pensar, de existir. e ali, naquele momento, algo dentro de mim simplesmente desligou.

não foi raiva. não foi desprezo. foi mais como aquela sensação que você tem quando percebe que está no lugar errado, ouvindo algo que não só não faz sentido pra você, mas que nunca vai fazer. porque, para mim, a certeza – essa fé inabalável de que se está certo – sempre teve o cheiro azedo de comida que passou do ponto. algo que parece bom à primeira vista, mas que você sabe que vai te fazer mal.

o problema da certeza é que ela te fecha. ela te amarra e te joga dentro de uma caixa onde as coisas são previsíveis, organizadas, e completamente sem graça. e devoção? devoção é o próximo estágio desse veneno. é quando você não só acredita na sua própria história, mas começa a insistir que todo mundo deveria acreditar também. conheço gente assim. você conhece gente assim. o mundo está cheio deles. eles sorriem, entregam as respostas prontas, e te olham como se você fosse um tolo por não pegar o pacote completo.

mas o que essas pessoas nunca entendem – o que eu nunca consegui entender nelas – é como alguém pode achar que está absolutamente certo sobre qualquer coisa. como você acorda de manhã, olha no espelho e diz: “sim, eu tenho todas as respostas”? porque, se tem uma coisa que aprendi, é que as melhores partes da vida vêm de não saber. do erro, da dúvida, do desconforto constante de se perguntar se você não está apenas ferrando tudo o tempo todo.

é aí que eu vivo. nesse espaço confuso, onde as perguntas nunca param de chegar e as respostas, quando aparecem, são quase sempre temporárias e incompletas. e sabe o que mais? eu gosto disso. gosto de não saber. gosto de me questionar. gosto de olhar para algo que parece sólido e pensar: será mesmo? porque é nesse questionamento que as coisas ficam interessantes. é onde você encontra as nuances, as contradições, o que realmente vale a pena.

eu já vi o que a devoção faz com as pessoas. ela tira delas a capacidade de rir, de duvidar, de admitir que talvez – só talvez – elas estejam erradas. porque, no fundo, devoção é só medo com uma boa maquiagem. é o medo de olhar para o vazio e admitir que ele está lá. e, honestamente? eu prefiro o vazio. prefiro o desconforto. prefiro encarar o caos de frente e dizer: “tudo bem, eu não sei o que estou fazendo, mas pelo menos não estou fingindo que sei.”

então, não. não quero respostas prontas. não quero a segurança da certeza ou o calor falso da devoção. quero as dúvidas. quero as falhas. quero me perder e errar, e talvez nunca encontrar o caminho certo. porque, no final, é isso que torna tudo suportável: a ideia de que não existe um manual, e está tudo bem não saber o que vem depois…

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2024

viajar pra mim

viajar nunca foi, e nunca será, sobre comprar coisas. pelo menos, não pra mim. quem sai pelo mundo com o único objetivo de voltar com a mala cheia de tranqueiras e roupas que “ninguém vai ter igual” está simplesmente fazendo turismo de má fé. é quase um crime contra a viagem em si, contra o ato sagrado de se perder e se encontrar no desconhecido.

eu não cruzo oceanos pra brigar com vendedores de lembrancinhas por um desconto de dois dólares num chaveiro horroroso ou pra fingir que aquele lenço barato comprado na praça central de marrakech é um item cultural e não algo que foi fabricado em massa na china. essas coisas, no final, não carregam história, não carregam alma. carregam, no máximo, a vergonha de ter cedido ao consumismo sem propósito.

minha forma de viajar é outra. eu vou atrás do incômodo, do inesperado, do desconfortável. quero aquele cheiro indecifrável que invade os mercados de rua, uma mistura entre especiarias, suor humano e alguma coisa que parece estar apodrecendo há semanas. quero entrar em um restaurante onde ninguém fala minha língua e o menu é um código indecifrável, escrito à mão e manchado de gordura. quero sentar num banquinho de plástico que provavelmente vai quebrar em algum beco qualquer, pedir algo apontando pra panela e torcer pra que não seja fígado cru ou olhos de peixe. mas, mesmo que seja, tudo bem. é parte do jogo.

não me interessa gastar horas dentro de shoppings brilhantes ou lojas de marca, como se estivesse vivendo uma versão exótica do meu dia a dia enfadonho. e menos ainda me interessa trazer de volta qualquer coisa que não possa ser comida, bebida ou sentida. porque, convenhamos, a verdadeira riqueza de uma viagem é aquilo que você não consegue embalar pra presente. é o gosto, o cheiro, a sensação de estar vivo em um lugar onde nada faz sentido — e isso, amigo, você não encontra na prateleira.

então, sim, pode ficar com sua mala cheia de bugigangas e sua listinha de “o que comprar em bangkok”. eu fico com as noites em que me perco em cidades que nunca dormem, com os sabores que ficam grudados na memória e com as histórias que conto anos depois, enquanto as suas bugigangas viram poeira no fundo do armário. viajar, pra mim, é abraçar o mundo sem carregar nada. é sair leve e voltar pesado de experiências.

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2024

minha relação com a corrida

correr. durante muito tempo, eu fui o cínico de plantão. o cara que ria das multidões vestidas em cores absurdas, trotando como se fossem salmões nadando rio acima, só que em pleno asfalto quente. achava tudo uma grande piada. pagar para sofrer? para suar? para receber uma medalha que parece saída de um brinde infantil e, como recompensa final, uma banana mole? eu assistia àquilo de longe, com o olhar crítico de quem acreditava que correr só fazia sentido se você estivesse fugindo de algo – ou de alguém.

mas aí eu corri. só uma vez, só para provar que estava certo, que era uma idiotice. o problema? eu gostei. não imediatamente. no início, foi como bater a cabeça contra uma parede e descobrir que o barulho era meu ego rachando. mas então, lá pelo terceiro ou quarto quilômetro, alguma coisa clicou. o barulho da cidade sumiu, minha mente entrou numa espécie de transe, e, de repente, não havia mais nada além do ritmo das passadas e o som da minha respiração. foi insuportavelmente difícil – e, de alguma forma, glorioso.

em pouco tempo, fui fisgado. comecei pequeno, como todos começam, mas logo estava devorando quilômetros como se fossem aperitivos. provas de 10k se transformaram em meias maratonas, que rapidamente viraram maratonas inteiras. antes que eu percebesse, estava mergulhado no insano mundo das ultras. longas distâncias em trilhas perdidas, onde você não corre apenas contra o tempo, mas contra a natureza, o corpo e sua própria mente. não era mais um esporte, era uma obsessão. cada treino, cada dor, cada gota de suor se tornava parte de algo maior. eu me sentia invencível.

até que não me senti mais. porque correr, quando vira obrigação, te consome. o que antes era um desafio empolgante se transformou em mais um item na lista de coisas que eu tinha que fazer. os treinos começaram a parecer castigos. e eu? eu simplesmente parei. larguei tudo. nem me despedi. guardei os tênis, deletei as planilhas e voltei para um ritmo de vida mais humano – o tipo que envolve menos quilômetros e mais longas noites com um bom prato e um copo na mão.

mas a corrida tem um jeito estranho de permanecer em você, mesmo quando você acha que a deixou para trás. às vezes, sem aviso, me pego olhando para uma rua longa e vazia e penso: “e se eu corresse de novo?”. não pela medalha, não pela glória. mas por aquela sensação impossível de descrever, aquela breve suspensão da realidade que só aparece quando você está completamente exausto, mas ainda assim segue em frente.

então, aqui estou eu, considerando voltar. pensando em tirar o pó dos tênis e sair para a estrada mais uma vez. mas desta vez, sem metas absurdas, sem obsessões. só eu, correndo, como antes. pelo simples ato de colocar um pé na frente do outro, sentindo o mundo diminuir enquanto o som das passadas preenche o silêncio. quem sabe? talvez ainda haja algo para descobrir nessa estrada.

mas, antes de amarrar os cadarços e voltar para esse mundo de dores musculares e bolhas nos pés, tem uma questão que não sai da minha cabeça: será que vale a pena? porque, veja bem, a corrida tem um jeito cruel de te iludir. no começo, ela é simples, quase inocente. um trote leve pela manhã, um vento fresco no rosto, e você se convence de que encontrou a resposta para todos os problemas da sua existência. mas, antes que perceba, está inscrevendo-se em provas, ajustando planilhas, pesquisando tênis com mais tecnologia do que um carro de Fórmula 1. e, claro, se achando superior ao resto do mundo.

e eu já vivi isso. já encarei subidas intermináveis, trilhas enlameadas, calor de 40 graus, tudo em nome de uma glória que – sejamos honestos – dura o quê? 15 minutos, talvez. você cruza a linha de chegada, exausto, à beira do colapso, e por um instante sente que conquistou o mundo. só que o mundo não dá a mínima. ele continua lá, indiferente, enquanto você tenta fingir que a medalha de participação pendurada no pescoço é algum tipo de troféu de guerra.

mas, por outro lado, a corrida tem aquela mágica estranha. ela te lembra que o corpo humano é uma máquina extraordinária – e que a mente, quando quer, pode ser ainda mais poderosa. há algo quase terapêutico em enfrentar aquele quilômetro interminável, onde tudo em você está gritando para parar, mas, de alguma forma, você continua. talvez seja isso que me atrai. não o ato de correr em si, mas o desafio de enfrentar algo que, no fundo, não faz o menor sentido. porque se há uma lição que a corrida ensina é que a vida raramente faz sentido, mas você segue em frente mesmo assim.

então, vou voltar? ainda não sei. talvez eu precise de mais um café para decidir. talvez eu esteja só romantizando algo que, no fundo, é uma forma muito bem organizada de autoflagelação. mas também sei que, se eu calçar os tênis de novo, vou sentir aquela velha faísca. o asfalto ou a trilha diante de mim, o coração disparado, o som das passadas marcando o tempo. e naquele momento, nada mais vai importar. não o passado, não o futuro, não as dúvidas. só o próximo passo. sempre o próximo passo.

e, honestamente? acho que é disso que a gente está atrás. não da linha de chegada, não das palmas, não do número de quilômetros acumulados. mas daquele instante raro e precioso em que o mundo inteiro desaparece, e tudo o que resta é você, correndo.

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2024

viajar com eles

viajar com minha família é como pedir o prato mais arriscado do cardápio sem saber o que vai chegar. tudo é improviso, tudo é intenso, tudo é delicioso de um jeito que só faz sentido para quem está ali, vivendo aquilo com você. somos nós três, uma gangue desajeitada, desbravando o mundo com fome — não só de comida, mas de vida, de caos, de tudo que nos faz sentir vivos.

não é só sobre o meu filho, embora ele seja a faísca que acende tudo. é sobre nós como um todo, uma pequena tribo em movimento. cada dia juntos é uma espécie de dança sem coreografia: tropeçamos, rimos, nos reerguemos, seguimos. dividimos tudo, dos pequenos triunfos até os inevitáveis perrengues. uma mala esquecida, uma fila interminável, um mapa que nos leva para o lugar errado — nada disso importa, porque o verdadeiro destino é o que acontece entre nós enquanto o mundo ao redor tenta nos engolir.

é lindo e bagunçado de um jeito que nunca caberia em um álbum de fotos. não são os pontos turísticos que contam, mas os momentos entre eles: a forma como dividimos um bagel que claramente não foi feito para três, a risada abafada enquanto observamos meu filho transformar até uma poça d’água em algo épico, o silêncio confortável quando todos estamos exaustos, mas não queremos que o dia acabe.

viajar com eles é um lembrete cruel de que o tempo não está nem aí para você. ele corre, te atropela, e a única coisa que resta é aproveitar cada segundo como se fosse o último gole de uma garrafa que você nunca mais vai encontrar. e nós fazemos isso. não porque somos perfeitos, mas porque sabemos que a vida nunca vai ser.

então seguimos. juntos. não importa se estamos perdidos, cansados ou famintos, porque enquanto estivermos lado a lado, estamos exatamente onde precisamos estar. e, no final das contas, é isso que importa: o som das risadas, o peso confortável de uma mão familiar segurando a sua, e a certeza de que nada, absolutamente nada, supera a intensidade de viver cada momento com quem você ama.

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2024

não fazer nada

a coisa mais subversiva que você pode fazer hoje em dia, num mundo que celebra a produtividade como uma religião e a correria como se fosse algum tipo de medalha de honra, é simplesmente não fazer nada. nada mesmo. não aquela versão gourmet de “não fazer nada” onde você bota uma playlist de meditação, se entope de kombucha e chama isso de “mindfulness”. eu tô falando de um não fazer nada raiz, cru, sem propósito, sem um pingo de culpa ou plano.

porque a verdade, que ninguém quer admitir, é que a nossa obsessão com estar sempre ocupado, com sempre “melhorar” alguma coisa – o corpo, a mente, a carreira, até o feed do instagram – é só um jeito de fugir do pavor existencial que é sentar sozinho com a própria cabeça. deus nos livre do silêncio, não é? o silêncio faz perguntas que ninguém quer responder. quem você é quando ninguém está olhando? qual é a graça de correr tanto se a linha de chegada é a mesma pra todo mundo: a cova?

mas aqui está o segredo que ninguém te conta: quando você para, de verdade, e não faz nada – nem mexer no celular, nem ler um livro, nem planejar o próximo mês – você começa a perceber coisas. o som dos seus próprios pensamentos. o sabor de um café bebido sem pressa. o modo como a luz entra pela janela às quatro da tarde. é quase como se o mundo desacelerasse junto com você, só pra te lembrar que a vida não é só uma to-do list infinita.

claro, a sociedade vai te chamar de preguiçoso, inútil, talvez até irresponsável. o capitalismo odeia quando você se recusa a produzir ou consumir – é como se você estivesse traindo a matriz. mas, sinceramente, foda-se a matriz. você não precisa ser um “melhor” você. às vezes, só estar aqui já é o bastante. e se você consegue encontrar beleza em não fazer nada, mesmo que só por cinco minutos, já é mais do que a maioria das pessoas vai conseguir na vida inteira.

então, faça isso: largue tudo, deite no sofá e olhe pro teto. sem podcasts, sem vídeos do tiktok, sem culpa. não fazer nada pode não te deixar mais rico, mais magro ou mais esperto, mas quem disse que você precisa ser alguma dessas coisas? às vezes, só ser já é o bastante. e quer saber? é libertador.

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2024

empreender

empreender. ah, a palavra da moda. o grito de guerra dos descolados do linkedin, dos palestrantes com microfone na orelha e powerpoints cheios de frases motivacionais que dariam vergonha até ao seu horóscopo. empreender é a arte de transformar um sonho bonito e ingênuo em noites de insônia regadas a café morno e auto-ódio. é se jogar de um penhasco e descobrir no meio do caminho que o paraquedas é de brinquedo e veio sem manual.

ninguém te conta que empreender não é glamour, não é liberdade, e certamente não é aquela porcaria de foto no instagram com a hashtag grind. empreender é basicamente ser sócio do caos. o caos é seu chefe, seu parceiro e, se bobear, até o cliente. é um festival diário de “nada vai dar certo, mas talvez dê”. você é o capitão de um barco furado, no meio de uma tempestade, com uma tripulação que você contratou sem saber se teria dinheiro para pagar — e o que você tem de reserva é um balde pequeno e esperança.

você acha que vai ser o próximo milionário do vale do silício? meu amigo, se você conseguir pagar o boleto do contador este mês, já pode se considerar o steve jobs do bairro. acha que vai “pivotar” sua ideia e dominar o mercado? spoiler: o mercado vai te mastigar, cuspir e ainda te cobrar juros. e não importa o quanto você estude, planeje, ou recite mantras de prosperidade. o caos não lê manuais de autoajuda. ele te pega pelo colarinho e te joga na lama, e tudo o que você pode fazer é sorrir e fingir que estava planejando isso o tempo todo.

e os clientes? ah, os clientes. esses seres mágicos que aparecem para te dizer que o seu produto está caro demais, que o prazo está longo demais, ou que você deveria oferecer tudo de graça porque, afinal, “isso não deve custar tanto para fazer, né?”. eles somem quando você mais precisa, reaparecem quando você já está no fundo do poço, e exigem que você entregue a lua enquanto você mal consegue pagar pelo poste.

empreender é um ato de resistência. é guerra, meu amigo. não tem medalha de ouro, só cicatrizes. mas sabe o que é pior? alguns de nós gostamos disso. porque no fundo, talvez sejamos todos um bando de masoquistas românticos, apaixonados pela ideia de conquistar algo no meio do inferno. então, se for entrar nessa, prepare-se. traga um estoque de whisky, umas boas doses de sarcasmo, e aprenda a rir enquanto tudo desmorona. é a única coisa que vai te manter são. ou quase.

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2024

viajar muda você

as viagens mudam você. ou pelo menos é o que todo mundo gosta de acreditar. mas quem já caiu na estrada de verdade, não naquela versão asséptica dos pacotes turísticos, sabe que a mudança não é um raio de luz divino que te atinge no topo de uma montanha ou em algum templo secreto descoberto no google maps. a mudança é lenta, crua e, na maior parte das vezes, desconfortável. ela vem daquele busão lotado e malcheiroso na índia que te deixou à beira do desespero, ou daquela discussão frustrante com um taxista em marrakech que te deixou sem dinheiro e sem dignidade. a mudança real não pede licença, não tem um plano e, na maioria das vezes, nem faz sentido até anos depois.

é fácil romantizar essa coisa de “deixar o mundo te transformar”. mas a verdade é que, na prática, isso significa ter que lidar com o fato de que o seu francês escolar mal vai te comprar um café em paris sem um olhar de desprezo. ou que aquele mochilão “descolado” que você comprou na loja mais chique da cidade é a coisa mais inútil e desconfortável pra carregar quando você está subindo uma ladeira em cusco, ofegante e suado, questionando suas escolhas de vida. as viagens mudam você, sim, mas é mais como uma cirurgia sem anestesia, em que você acorda e percebe que algo dentro de você foi removido – aquela arrogância, talvez, ou a ilusão de que você sabia alguma coisa sobre o mundo.

e então você volta pra casa, com um pouco mais de sabedoria e um pouco menos de paciência pras pequenas besteiras. você já não tem tempo pra falsos encantos, e os lugares, assim como as pessoas, precisam te conquistar de verdade, sem firulas. percebe que aquele papo de “voltar pra zona de conforto” perdeu o apelo; a zona de conforto, na verdade, virou uma jaula. porque depois de ver as coisas como elas realmente são – de ver de perto a beleza, o caos, a simplicidade brutal de culturas que não ligam a mínima pro que você acha civilizado ou “aceitável” – não tem mais como fingir que nada mudou. você agora carrega um pedaço de cada lugar, de cada cena bizarra, de cada rosto que encontrou pelo caminho.

no fim das contas, viajar é mais uma missão de desmonte que qualquer coisa: você perde um pouco do seu ego inchado, das suas certezas bobas e dos seus gostos polidos. e ganha um olhar mais afiado, um paladar mais destemido e uma aversão completa a rituais superficiais. você aprende a abraçar o absurdo, a rir das suas próprias frescuras, e a respeitar o fato de que o mundo sempre vai ser um lugar desconfortável, bagunçado e, honestamente, muito mais interessante do que aquela versão estéril e segura que você achou que ia encontrar.

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2024

o que mais odeio em ny

a única coisa que odeio em nova york? a miragem. aquela ideia ridícula, plantada no inconsciente coletivo do planeta, de que a cidade é a meca dos sonhos, o palco onde a vida real acontece. nova york é um golpe de marketing de proporções épicas. é um polvo gigante de concreto e aço que abraça todos, e aperta até deixar cada um em pedaços.

todo mundo chega com uma lista mental de cenas de filmes e seriados que assistiram, achando que vai viver uma versão particular de sex and the city, uma montagem épica em que cada derrota pessoal se torna um símbolo de resistência poética. só que nova york não te dá um segundo de poesia. ela te engole num sopro seco e te joga direto no ciclo de sobreviver. a cidade te faz pagar vinte dólares por uma salada de folhas tristes, te joga num apartamento que parece uma cela decorada com “charme vintage”, e te convence de que isso é o cúmulo da sofisticação.

nova york te humilha de um jeito sutil. ela cria o desespero pela aprovação dela. as pessoas literalmente se matam, fazem jornadas que fariam até os trabalhadores das minas de carvão desmaiar, tudo pra dizer que pertencem a nova york. e sabe o que é brilhante? ela faz todo mundo acreditar que a dor faz parte da experiência. o barulho ensurdecedor, o trânsito, a fila, a umidade, o metrô parado, a parede de tijolos e a falta de vista? são vistos como “charme da cidade”. charme é o seu pesadelo diário.

no fundo, nova york é o maior cafetão cultural de todos os tempos. ela sabe que cada calçada cheia, cada ratinho no trilho do metrô, cada buzina que explode nos ouvidos faz parte da “aura” do lugar. é um truque barato, mas todo mundo cai. ela te ilude com essa promessa de vida urbana em alta velocidade, de sucesso, de cultura e autenticidade, mas o que você realmente ganha é uma conta bancária vazia, insônia crônica, e uma lista de terapias alternativas pra lidar com o estresse de viver ali.

e o pior de tudo é que nova york é, sim, irresistível. é isso que eu odeio: ela ganha. ela sempre ganha. nova york é um vício. e não importa quantas vezes você tente escapar – nova york te puxa de volta, te espreme mais um pouco, te seduz com mais uma promessa de “sucesso”. você ama odiar, odeia amar, e no final das contas, a cidade só vai te dar uma coisa: uma saída.