hiperfoco. essa maldição gloriosa que a sociedade insiste em chamar de defeito. por anos, me fizeram acreditar que eu era um fracasso ambulante porque não conseguia seguir cronogramas, porque deixava tudo pra última hora, porque simplesmente não funcionava como o resto do mundo. mas sabe de uma coisa? foda-se o resto do mundo. eu descobri que essa coisa que me chamavam de “veneno” era, na verdade, um superpoder. um motor a jato escondido dentro do meu cérebro que, quando acionado, me fazia produzir em minutos o que outros levavam semanas.
e claro, teve sofrimento. porque a escola quer que você seja previsível, o trabalho quer que você seja organizado, e os gurus da produtividade querem que você bloqueie horários e monte bullet journals como se sua vida fosse um projeto do excel. eu tentei. deus sabe que eu tentei. comprei cadernos bonitinhos, fiz listas de tarefas, segui regras estúpidas que diziam que “a disciplina vence a motivação”. e adivinha? só serviu pra me fazer sentir ainda mais um impostor.
até que um dia eu aceitei. aceitei que minha mente tem seu próprio tempo, seu próprio ritmo, sua própria fome. e quando ela tem fome, meu amigo, não há nada que a detenha. esqueça planejamento, esqueça organização. trinta minutos antes de subir no palco pra falar pra mil pessoas, eu começo a montar minha apresentação. parece loucura? talvez. mas sabe o que acontece? a porra da coisa funciona. porque meu cérebro não trabalha bem com antecipação, ele precisa do calor da urgência, do fogo da necessidade. é no limite que ele brilha.
e não é só no trabalho. já tentei planejar viagens, fazer roteiros, marcar passeios com antecedência. um desastre. a verdade é que eu funciono melhor no improviso. enquanto os turistas organizadinhos seguem mapas e guias, eu me jogo no desconhecido e encontro lugares escondidos e inusitados. sem planejamento, sem roteiro, sem expectativa. apenas entrega total ao momento.
as pessoas me olham como se eu fosse um doido irresponsável. “como assim você ainda não começou aquele projeto?”, “como assim você não tem um plano b?”, “como assim você vai resolver tudo de última hora?”. e eu só dou um sorriso e espero. porque eu sei. eu sei que, quando chegar a hora, minha mente vai acender como uma explosão e tudo vai se encaixar. enquanto eles gastam tempo se preocupando, eu simplesmente faço.
hiperfoco não é um erro. é um presente. é aquele estado raro em que o tempo desaparece e tudo ao seu redor some, deixando apenas você e o que precisa ser feito. é aquele rush de adrenalina, aquela concentração afiada como uma navalha, aquele momento em que sua mente opera em uma frequência que os normais jamais vão entender.
e se você tem isso, se você já sentiu esse clique dentro de você, então sabe exatamente do que eu estou falando. então pare de tentar se encaixar, pare de se forçar a seguir o ritmo dos outros. abrace o caos. aceite o fogo. e, quando a hora certa chegar, entre na tempestade e destrua tudo.
meu innie teria me matado no primeiro dia. sem hesitar. sem drama. sem monólogo final. ele teria pegado o objeto mais pesado da sala, talvez aquela merda de teclado corporativo cinza que fede a desespero e dedos suados e esmagado meu crânio antes mesmo de entender completamente o que estava acontecendo. porque, sejamos honestos, qual ser humano em plena consciência escolheria esse destino? acordar num escritório, sem passado, sem futuro, sem nada além de um crachá e um chefe com sorriso de psicopata? é um pesadelo projetado especificamente para assassinar qualquer fagulha de individualidade que ainda restava em você.
a grande piada de severance é que ela não é ficção. é um documentário que ainda não foi oficialmente reconhecido como tal. porque, no fundo, quem aqui já não vive essa merda? quem aqui nunca bebeu além da conta numa sexta-feira tentando afogar o terror existencial de saber que, em poucos dias, estaria de volta à cela? quem aqui nunca sentiu aquele leve deslocamento da realidade quando se viu no espelho antes do expediente, arrumado, penteado, uniformizado como um condenado prestes a cumprir mais uma pena?
não foi a lumon que inventou essa separação. ela só deu um nome para o que já existe. innie e outie. trabalho e vida. servidão e ilusão de liberdade. a diferença é que no mundo real, essa transição é feita sem cirurgia, sem tecnologia de ponta, sem nada além do bom e velho conformismo e um salário que nunca chega até o fim do mês.
é fascinante ver como os idiotas online abraçaram esse conceito como se fosse um jogo divertido. “meu innie trabalha enquanto meu outie bebe” escrevem, rindo, como se isso não fosse a descrição exata do ciclo vicioso em que estão presos. o aeroporto de denver postou… “seu innie deveria reservar férias para seu outie. vocês dois merecem”. vocês dois. como se houvesse uma separação real. como se uma parte de você não estivesse sempre carregando o peso da outra. como se toda essa divisão não fosse apenas um truque mental patético para te convencer de que vale a pena vender 90% da sua vida para tentar viver 10%.
já trabalhei em lugares onde todo mundo parecia ter passado pelo procedimento da lumon. os olhos mortos, os sorrisos automáticos, as risadas vazias nas reuniões inúteis. o cara que dizia “adoro meu trabalho” enquanto mandava currículo para qualquer outra empresa. a mulher que postava sobre “ser grata pela oportunidade” enquanto engolia rivotril no banheiro. o estagiário que chegou cheio de energia e três meses depois já estava sentado na copa, encarando o nada, tomando um café morno e aceitando silenciosamente que seus sonhos estavam morrendo. e eu, fingindo que meu cinismo era uma forma de resistência, mas sabendo, lá no fundo, que eu estava tão fodido quanto todos eles.
quando assisti ao primeiro episódio de severance, fiz algo que nunca faço. pausei e fui beber. não porque a série é pesada ou porque precisava de tempo para processar. mas porque foi a primeira vez em muito tempo que uma história me fez encarar, sem filtros, o quão absurda é a nossa realidade. precisei de um gole para não gritar.
o que realmente me assusta não é a tecnologia fictícia da lumon. é o fato de que, se ela existisse, haveria fila de espera para o procedimento. porque quem não gostaria de desligar completamente das 8h às 18h? quem não trocaria a consciência constante desse inferno por uma existência simplificada, sem angústia, sem noção de tempo, sem domingos recheados de ansiedade e morte lenta?
a cada episódio que acaba fico olhando para a tela preta, ouvindo o silêncio do meu próprio pensamento. talvez estivesse esperando alguma resposta, alguma saída, alguma dica secreta que me dissesse como escapar disso tudo. mas não veio nada. só a certeza de que amanhã, assim como hoje, assim como todos os dias antes desse, eu levantaria da cama, colocaria minha máscara, beberia café suficiente para parecer funcional e me jogaria, mais uma vez, no ciclo. sem cirurgia, sem botão de desligar, só a boa e velha aceitação de que estamos todos presos.
e é aí que está a verdadeira tragédia. porque não é só sobre trabalho. nunca foi. é sobre essa aceitação passiva de um destino que nos foi imposto antes mesmo de termos idade para entender o que estava acontecendo. estudamos, crescemos, somos condicionados a acreditar que sucesso é sinônimo de um bom emprego, um salário decente, estabilidade. que a vida é essa sequência de concessões, de trocas, de pequenas mortes diárias justificadas por um ou outro benefício ocasional.
e quando finalmente nos damos conta da farsa, já estamos enterrados até o pescoço em boletos, expectativas alheias e obrigações que nunca pedimos para ter. não há para onde correr. não há botão de saída. só resta fazer o que todos fazem. apertar os botões, responder os e-mails, fingir que os prêmios ridículos da empresa importam, aceitar as migalhas de felicidade entre uma reunião e outra e esperar que algum dia, talvez, isso faça sentido.
e, mais do que tudo, vi a mim mesmo. vi o cara que jurava nunca se vender, que ria da ideia de um emprego tradicional, que dizia que preferia morrer a ter uma vida assim. vi esse cara acordar um dia e perceber que, sem nem notar, tinha cruzado a linha. que já estava dentro do sistema, que já havia feito as pazes com ele, que já estava justificando tudo aquilo com as mesmas desculpas que sempre desprezou.
talvez seja por isso que severance incomoda tanto. porque não estamos apenas assistindo a um programa de ficção bem escrito. estamos vendo, com uma clareza brutal, como chegamos até aqui. e pior. como não temos ideia de como sair.
e enquanto isso, mark scout vai continuar entrando naquele elevador, apagando e acendendo como um boneco de corda, exatamente como nós fazemos toda vez que fingimos que essa vida é normal. helly vai continuar tentando escapar de uma prisão que, no fundo, ela mesma escolheu, assim como a gente, que passou anos engolindo o discurso de que um bom emprego é a única saída para não acabar na sarjeta. irving vai continuar pintando paredes escuras, tentando dar sentido a memórias que nunca deveria ter, do mesmo jeito que a gente tenta afogar o tédio em hobbies que jamais vão preencher o buraco que o trabalho cavou dentro de nós. dylan vai continuar segurando botões, segurando portas, segurando qualquer migalha de poder que o sistema lhe dá, acreditando, nem que seja por um segundo, que isso significa alguma coisa.
e nós? nós vamos continuar acordando com o despertador, tomando café forte o suficiente para parecer funcional, fingindo que a última noite de insônia não foi causada pela ansiedade do trabalho. vamos continuar mandando mensagens no whatsapp dizendo “só mais essa semana e depois melhora”, como se isso já não fosse a mentira que contamos para nós mesmos há anos. vamos continuar aplaudindo colegas que se matam de trabalhar enquanto, por dentro, rezamos para que pelo menos um deles tenha coragem de largar tudo e nos provar que outra vida é possível.
e no final do dia, quando estivermos sentados no sofá, exaustos demais para aproveitar o tempo que nos resta, vamos assistir a severance, apontar para a tela e dizer “puta que pariu, que série foda”. vamos rir, vamos twittar sobre como é genial, vamos compartilhar memes de innie e outie como se fosse só entretenimento. mas então o domingo vai chegar, aquela dor no peito vai bater, o relógio vai avisar que é hora de dormir e, na manhã seguinte, vamos entrar no elevador. e vamos apagar. e vamos acender. e vamos continuar.
e é por isso que meu innie teria me matado sem pensar duas vezes. sem remorso, sem hesitação, sem nem um aviso prévio. teria me olhado com aquele desprezo gelado, aquele olhar vazio de quem entendeu rápido demais a merda em que foi jogado, e me despachado como um chefe corta um funcionário na surdina de uma sexta-feira à tarde. e eu mereceria. porque fui eu que vendi essa vida para ele. fui eu que aceitei apertar os botões, sorrir nas reuniões, me enterrar nesse ciclo sem sentido e ainda me convencer de que era o certo a fazer. ele teria acabado comigo de forma limpa e eficiente, e depois voltado para sua mesa, pronto para mais um dia de trabalho. e a única diferença entre ele e muitos de nós é que ele pelo menos teria feito alguma coisa a respeito.
vou abrir um canal no youtube. não sei quando. pode ser amanhã, pode ser daqui a uma semana, pode ser que eu nunca abra e essa ideia morra sufocada pelo próprio peso da dúvida. mas, no momento, está viva. pulsando. se debatendo na minha cabeça como um animal trancado num quarto pequeno demais.
porque, de repente, me vi pensando nisso mais do que deveria. e isso é um problema. qualquer ideia que começa como um sussurro e cresce até se tornar uma obsessão geralmente termina em desastre. e ainda assim, aqui estou. considerando seriamente essa insanidade.
não porque eu ache que o mundo precisa do meu canal. longe disso. o mundo não precisa de absolutamente nada que mais alguém tenha a dizer. mas, por outro lado, o mundo está tão entupido de barulho inútil que talvez mais um pouco de ruído não faça diferença. talvez a única maneira de não ser engolido por essa lama seja mergulhar de cabeça nela.
o processo de decidir foi… caótico. porque tudo em mim grita para não fazer isso. eu desprezo a cultura de atenção infinita, a lógica do engajamento, a necessidade patética de validação que transforma qualquer pessoa minimamente interessante em um produto diluído para consumo rápido. mas, ao mesmo tempo, tenho uma necessidade quase doentia de falar. e não só de falar, mas de incomodar. de provocar. de cutucar feridas que as pessoas fingem não existir.
e então veio a segunda questão… sobre o que seria? e imediatamente odiei essa pergunta. porque, hoje em dia, todo mundo parece obcecado em se encaixar em uma categoria específica. “qual é o nicho do seu canal?” como se a única maneira de existir fosse escolher um rótulo e se afogar nele. comida. viagens. cultura. comportamento. sociedade. como se fosse proibido simplesmente falar.
então, se eu abrir esse canal, vai ser sobre isso, tudo e nada. o que me der na telha. o que me irritar no dia. o que eu observar de grotesco, de brilhante, de inexplicável. sem roteiro. sem estrutura. sem compromisso com o que veio antes.
mas e se eu mudar de ideia? e se um dia eu decidir que essa coisa toda foi um erro? que prefiro a paz do anonimato ao invés da exposição inevitável? ótimo. sumo. deleto tudo. sem despedida. sem aviso.
então, sim. vou abrir. não sei quando. mas uma hora acontece. e quando acontecer, bem… azar o de quem apertar o play.
imagina que você tem um amigo. um amigo grandão, fanfarrão, cheio de dinheiro, sempre pagando a conta e dando as cartas na mesa do bar. ele era meio arrogante, mas no fundo, você confiava nele. ele tinha princípios, uma moral questionável, mas ao menos previsível. agora, imagina que esse amigo surtou. resolveu que ninguém presta, que todo mundo tá contra ele, que ele é o verdadeiro injustiçado. começa a mentir, a dar golpes, a se vender por qualquer coisa que brilhe e, o pior de tudo, fica instável. um dia te chama de irmão, no outro te trata como um inimigo que precisa ser esmagado. pois bem, esse amigo é a américa.
há uns anos, ela ainda tinha um papel decente no grande teatro geopolítico. agora? é o cara caindo de bêbado na calçada, berrando conspirações enquanto os passantes desviam o olhar, fingindo que não conhecem. claro, tudo isso tem um protagonista óbvio um ex-empresário de cassinos que governa como se estivesse administrando um esquema de pirâmide. mas o problema vai além dele. os eua viraram aquela empresa tóxica, com um rodízio de chefes incompetentes, onde os funcionários (o resto do mundo) vivem com medo de quem pode ser o próximo CEO lunático a assumir a cadeira.
e como qualquer empresa falida, os parceiros de negócios começam a pular fora. os europeus, que sempre foram os aliados fiéis, já entenderam que não dá mais pra contar com o tio sam. antes, a américa era o cara legal, um pouco arrogante, mas confiável. agora? um sócio traiçoeiro que pode te vender para o inimigo em troca de uma foto apertando a mão de algum ditador. os canadenses e mexicanos também já sacaram o esquema, a moda agora é ganhar popularidade falando mal dos eua, porque, convenhamos, quem não gosta de um pouco de schadenfreude?
mas não para por aí. a nova regra da política externa americana virou uma versão grotesca do clube do bolinha, tudo que for másculo, durão e implacável é bem-vindo. putin? durão, amigo. frança? europa? direitos humanos? fracos. e por favor, não ousem mencionar algo como diplomacia ou cooperação internacional. isso é coisa de losers. a moda agora é extorsão, ameaça e queima de pontes, tudo isso acompanhado de uma dose generosa de paranoia e um amor inexplicável por ditadores.
e o que acontece quando um ex-gigante confiável se torna um gângster inconstante? o mundo começa a se virar sozinho. os europeus percebem que talvez seja hora de parar de mendigar proteção americana e comecem a investir em suas próprias defesas. a alemanha, que há anos finge que não precisa de um exército sério, agora está abrindo a carteira para comprar armas. frança, inglaterra, japão, todo mundo começando a entender que se não tiver sua própria bomba nuclear, pode acabar sendo a próxima ucrânia.
e enquanto os aliados correm para garantir sua própria segurança, a china observa tudo isso com um sorrisinho no canto da boca. porque enquanto a américa age como um valentão de quinta categoria, a china finge ser o novo mocinho da história. “olha só como somos razoáveis, olha como queremos cooperação e crescimento mútuo”, dizem eles, enquanto passam a mão na cabeça dos europeus, oferecendo acordos comerciais e infraestrutura em troca de, bem, submissão silenciosa.
então aí estamos nós. um ocidente rachado, uma américa transformada em um cassino mal administrado, e um mundo pronto para mergulhar de cabeça em uma nova era de insegurança nuclear e alianças improváveis. e tudo isso porque alguém decidiu que o melhor jeito de ser grande de novo era destruir o único verdadeiro trunfo da américa, sua rede de aliados. no fim, trump pode até sair de cena, mas o estrago já foi feito. e se os americanos continuarem escolhendo líderes como quem escolhe o sabor do milkshake do dia, ninguém vai mais confiar neles. porque, sejamos honestos, você faria negócios com um cara que troca de personalidade a cada quatro anos e acha que isso é estratégia?
the brian jonestown massacre é a minha banda favorita de todos os tempos porque, ao contrário de praticamente todas as outras, nunca tentou ser minha banda favorita. nunca tentou me conquistar, nunca fez campanha para ser amada, nunca pediu minha atenção. na verdade, tenho certeza de que anton newcombe ficaria levemente irritado em saber que eu gosto tanto assim da banda dele.
e talvez seja exatamente por isso que eu goste tanto. porque, enquanto outras bandas fazem de tudo para serem acessíveis, amigáveis, facilmente digeríveis… projetadas para caber perfeitamente no fundo de uma playlist chamada indie vibes para estudar, o bjm continua sendo um organismo próprio, um culto musical que nunca tentou recrutar ninguém. se você encontrou, ótimo. se não encontrou, azar o seu. eles não estão esperando por você.
e, claro, a música. porque se fosse só pose, só atitude “rebelde” vazia, não passaria de uma nota de rodapé na história do rock alternativo. mas não. methodrone é um portal para outro universo, um disco que soa como se alguém tivesse sequestrado o my bloody valentine e os forçado a tocar num porão esfumaçado por 72 horas sem descanso. take it from the man! é um tapa na cara da ideia de que o rock precisa evoluir para sobreviver… ele não precisa, ele só precisa de gente que ainda o toque como se fosse a única coisa que importa. e their satanic majesties’ second request é pura devoção ao caos sonoro, uma tapeçaria psicodélica que não pede sua atenção, mas exige sua entrega total.
o brian jonestown massacre me faz sentir que estou ouvindo algo real. algo que não foi projetado por um comitê de marketing, algo que não foi polido até perder sua alma. num mundo onde a música virou trilha sonora descartável para vídeos de receita no instagram, o bjm ainda soa como uma experiência. um lugar perigoso, caótico, imprevisível.
brian jonestown massacre não pede permissão para existir, não faz concessões, não tenta te seduzir com refrões fáceis ou letras que soam como legendas prontas para posts melancólicos. anton newcombe não quer ser seu amigo. ele não quer sua gratidão, seu carinho ou seu reconhecimento. ele só quer que você saia do caminho enquanto ele faz o que tem que fazer. e eu respeito isso profundamente.
porque sejamos honestos, a música morreu um pouco quando as bandas começaram a perguntar o que o público queria ouvir. quando começaram a planejar lançamentos baseados em métricas e tendências. quando pararam de fazer discos que soam como experiências e passaram a fabricar trilhas sonoras para supermercados descolados e cafeterias minimalistas. mas o bjm? o bjm nunca se preocupou com isso. eles fazem discos porque precisam fazer discos. fazem turnês porque precisam tocar. e, se ninguém aparecer, tudo bem, eles já tocaram para plateias vazias antes. e vão tocar de novo.
e é esse descaso absoluto com qualquer noção de sucesso tradicional que torna a música deles tão magnética. ouça give it back! e me diga se aquilo soa como uma banda que está tentando te agradar. não, soa como uma gangue de desajustados que encontrou uma maneira de canalizar sua energia para algo que não envolvesse brigas de bar e pequenas infrações criminais. e talvez seja isso que me prenda tanto. porque não é um som seguro. não é um som feito para “acompanhamento”. é um som que te exige, que te arrasta para dentro dele, que te força a prestar atenção.
o brian jonestown massacre é um lembrete incômodo de que a música, quando feita por pessoas que realmente acreditam nela, pode ser feia, pode ser difícil, pode ser desconfortável. e, acima de tudo, pode ser absolutamente viciante. e eu preciso disso. preciso de uma banda que não me trate como consumidor, mas como cúmplice. uma banda que me faça sentir como se estivesse descobrindo um segredo sujo, algo que não era para ser encontrado.
e no dia em que anton newcombe decidir que acabou, que não vai mais gravar nada, que vai sumir do mapa e viver de vinho barato e ressentimento em algum canto obscuro da europa, eu vou respeitar isso também. porque nunca foi sobre mim. nunca foi sobre os fãs. nunca foi sobre nada além da música. e é por isso que o brian jonestown massacre é, e sempre será, minha banda favorita de todos os tempos.
sabe aquele experimento com ratos, onde eles colocam os pobres bichos numa rodinha e os fazem correr sem parar, convencidos de que estão indo para algum lugar? pois é. essa semana eu fui o rato. um rato metido a besta, é verdade, porque peguei uber em vez de me espremer no metrô como uma sardinha vencida. mas um rato, ainda assim.
uma hora de trânsito para ir. uma hora de trânsito para voltar. duas horas diárias de existência desperdiçada olhando pela janela enquanto a vida passa lá fora. e, entre essas duas horas de autoflagelação, um dia inteiro enfiado em um escritório, aquele ambiente estéril e artificial onde sonhos vão para morrer e PowerPoints nascem para nos assombrar.
lembro quando achava que isso era normal. quando achava que fazia parte do pacote “ser um adulto funcional”. acordar cedo, se enfiar em um caixão metálico sobre rodas, seguir o fluxo de corpos sonâmbulos rumo a um prédio de vidro onde todos fingem estar ocupados. reuniões sobre reuniões. planilhas que nunca morrem. café requentado e sem alma.
mas eu escapei disso há anos. e agora, por alguma piada cósmica, passei uma semana revivendo esse pesadelo. e sabe o que aprendi? que é ainda pior do que eu lembrava. que há uma espécie de resignação coletiva nesse teatro corporativo, uma aceitação silenciosa de que vender a alma em prestações diárias é só “o jeito que as coisas são”.
só que, veja bem, eu já quebrei esse feitiço. minha vida real é outra. minha vida real é atravessar a avenida paulista em quatro minutos para chegar ao trabalho. é levar meu filho para a escola a pé, sem precisar encarar um apocalipse motorizado. é não ter que calcular qual linha de metrô estará menos insuportável ou quantos minutos a mais vou passar no trânsito porque algum gênio decidiu bater o carro na marginal.
essa semana me fez lembrar que viver assim, atolado no deslocamento diário, não é viver. é uma experiência de quase-morte contínua. um looping de frustração e estagnação embalado por buzinas e notificações do whatsapp.
depois dessa semana, entendi perfeitamente por que as novas gerações enlouquecem os chefes, os RHs, os dinossauros do corporativismo. não é preguiça, falta de ambição ou “frescura de jovem mimado”. é só bom senso. porque você precisa estar muito condicionado… ou muito anestesiado, pra olhar pra essa rotina de trânsito, escritório, trânsito, repetição infinita, e achar que isso faz sentido. o problema não são eles. o problema é quem aceitou esse teatro por tanto tempo sem nunca perguntar… por que diabos estamos fazendo isso mesmo?
o último livro que li me deixou aquela sensação incômoda de que eu estava perdendo alguma coisa. você já passou por isso? termina a última página, fecha o livro, olha para a parede e pensa… “espera aí… foi só isso?” mas aí os dias passam, e aquele maldito livro começa a voltar na sua cabeça. cenas soltas. frases estranhas. uma ideia incômoda que você não consegue arrancar, como um chiclete grudado no seu sapato. o jogo das contas de vidro, de hermann hesse é um livro que, se você não tomar cuidado, pode te fazer perceber que passou a vida inteira perseguindo vento.
hesse não escreve para entreter. não tem explosões. não tem reviravoltas mirabolantes. ninguém dá um tiro em ninguém. não há romance proibido, nem final catártico onde tudo faz sentido. se você procura isso, boa sorte com outra coisa. o que ele faz é mais cruel. ele te leva até o topo de uma montanha, te mostra uma paisagem absurda e diz: “tá vendo isso? lindo, né? agora, e se eu te disser que nada disso importa?” e então ele te deixa lá, sem mapa, sem bússola, sem nem mesmo um desgraçado de um lanche para a viagem de volta.
a história segue josef knecht, um sujeito criado dentro de um sistema onde conhecimento e cultura são tratados como religião. pense em uma mistura de academia de filosofia, ordem monástica e clube exclusivo para intelectuais que acham que são iluminados demais para se misturar com a ralé. esses caras jogam um jogo tão sofisticado que ninguém consegue explicar direito o que ele significa, um amontoado de referências filosóficas, artísticas e matemáticas que, teoricamente, representam o ápice do intelecto humano. e knecht, brilhante e disciplinado, sobe até o topo desse mundo. ele chega lá. ele vence o jogo. e então percebe que tudo aquilo é uma piada.
essa é a jogada mais baixa de hesse. ele faz você percorrer toda a escalada intelectual com knecht, absorver cada camada desse mundo de ideias, sentir aquela pontinha de inveja por não fazer parte de algo tão puro e elevado. e então ele te dá um soco no estômago. porque nada daquilo significa coisa nenhuma. porque toda aquela busca por “conhecimento superior” é só masturbação mental para gente que tem medo do mundo real. porque não importa quantos tratados filosóficos você leia, quantos idiomas você domine, quantos conceitos você compreenda, se no final das contas você não sabe o que fazer com isso além de recitar para outros acadêmicos igualmente perdidos.
e é aí que knecht, esse nerd genial, esse prodígio da intelectualidade, faz algo que ninguém espera. ele olha para tudo isso e diz… “quer saber? tô fora.” ele percebe que a única maneira de realmente entender alguma coisa é sair do sistema. largar tudo. começar de novo. e esse é o verdadeiro soco no estômago, a ideia de que talvez tudo o que chamamos de “progresso”, “cultura” e “sabedoria” seja só um grande teatro. uma maneira de preencher o tempo enquanto fingimos que estamos chegando a algum lugar.
o jogo das contas de vidro não te dá respostas. ele te dá dúvidas que você talvez não quisesse ter. ele esfrega na sua cara a possibilidade de que, talvez, você tenha passado a vida inteira levando a sério um jogo que não tem vencedor. e então ele te deixa lá, sozinho, com essa ideia na cabeça. sem aplausos, sem fanfarra, sem uma frase de efeito para encerrar a história. só você e essa pergunta maldita… e se ele estiver certo?
a arquitetura contemporânea, meus caros, é um delírio de mediocridade empacotado em vidro, concreto e renderizações que parecem saídas de um pesadelo corporativo. vivemos uma era em que as cidades se tornam cada vez mais genéricas, onde prédios nascem sem alma, sem propósito, sem qualquer consideração pelo contexto urbano ou pela experiência humana. o que chamam de “minimalismo elegante” muitas vezes não passa de preguiça com um orçamento generoso. e quem paga a conta? nós, que temos que viver nessas caixas de sapato glorificadas, cercados de vidro fumê e uma promessa vazia de modernidade.
como chegamos aqui? bom, como tudo o que dá errado na humanidade, foi um processo longo, cheio de boas intenções e decisões catastróficas. um dia fomos capazes de erguer coisas como o parthenon, que ainda está lá, desafiando o tempo e as bombas. construímos catedrais que sugavam a alma dos fiéis para o alto, edifícios que comunicavam algo além de seu uso primário. tínhamos arquitetos que entendiam a cidade como um organismo vivo, como um lugar de encontros, de cultura, de humanidade. mas depois, como sempre, vieram os iluminados que resolveram que “beleza” era coisa do passado e que o importante mesmo era a “função”. nasceu o modernismo, e com ele, a desculpa perfeita para construir o feio em nome do progresso.
le corbusier, um dos grandes culpados dessa tragédia, sonhava com cidades feitas de torres isoladas, ruas elevadas e uma organização racional. parecia uma boa ideia no papel, mas na prática, deu origem a aberrações como os conjuntos habitacionais soviéticos e os pesadelos urbanos que infestam as periferias do mundo. claro, ele também fez coisas brilhantes, a unidade de habitação em marselha, por exemplo, ainda se sustenta. mas sua influência também trouxe os piores frutos, arquitetos que acreditaram que cidades não precisavam de vida, só de ordem. o resultado? aqueles bairros onde tudo parece um estacionamento gigante, onde prédios são apenas blocos anônimos e onde você precisa pegar um carro para comprar um pão.
então vieram os pós-modernistas tentando consertar o estrago. venturi, jencks e companhia decidiram que já que o modernismo era chato, então tudo precisava ser irônico, cheio de colunas falsas, ornamentos cafonas e uma pitada de las vegas. o que era para ser uma crítica virou um carnaval sem critério. se o modernismo era monótono, o pós-modernismo virou um meme arquitetônico.
e agora? agora estamos atolados numa arquitetura que se vende como “sustentável” enquanto usa toneladas de concreto, que prega “inovação” mas só repete as mesmas formas estéreis, que promete “inclusão” mas só entrega espaços impessoais e inóspitos. olhe ao seu redor: prédios que poderiam estar em qualquer cidade do mundo, torres de vidro que refletem uma paisagem morta, interiores que parecem uma página de pinterest. apartamentos são cada vez menores, sem varandas, sem luz natural, sem qualquer consideração pela vida real. e chamam isso de progresso.
enquanto isso, os mestres do passado riem da nossa cara. frank lloyd wright, que fazia casas que pareciam crescer da própria terra, ficaria enjoado com as aberrações modulares de hoje. louis kahn, que entendia o peso da luz e do silêncio, veria nossas “torres de coworking” como templos do vazio. alvar aalto, com sua obsessão pelo humano, morreria de desgosto com os hospitais assépticos de agora, que mais parecem depósitos de corpos do que espaços de cura.
o que aconteceu com a escala humana? o que aconteceu com a ideia de que arquitetura é mais do que apenas levantar paredes? os grandes arquitetos do passado, de brunelleschi a mies van der rohe, entendiam que um prédio é um diálogo com a cidade, com o tempo, com as pessoas. hoje, tudo é um monólogo narcisista: “olhem para minha fachada icônica”, “vejam minha forma inovadora”. mas e daí? quem vive nisso? quem se sente bem nesses lugares?
e o urbanismo? ah, essa é outra tragédia. os planejadores urbanos decidiram que cidades precisam ser “eficientes”, e agora vivemos em um mundo onde ninguém caminha, ninguém encontra ninguém, ninguém sente a cidade. ruas viraram avenidas, praças viraram estacionamento, bairros viraram condomínios fechados. a cidade se tornou um produto, segmentado por faixa de renda, gerenciado como um shopping center. tudo limpo, tudo controlado, tudo sem vida.
mas calma, dizem eles, temos soluções! e aí aparecem os arquitetos-star designers, que vendem suas maravilhas futuristas, prometem cidades inteligentes, criam espaços “instagramáveis”. fazem um render lindo, plantam umas árvores no meio do concreto, colocam um rooftop com piscina e pronto: mais um espaço inabitável disfarçado de inovação.
o problema não é só a arquitetura. é o pensamento. é a ideia de que a cidade é um negócio, que um prédio precisa ser um ícone e não um lugar de vida. é a cultura de que design serve mais para impressionar do que para servir.
talvez a saída esteja em voltar a pensar pequeno. menos monumentos, mais ruas agradáveis. menos torres reluzentes, mais lugares para sentar e ver o mundo passar. talvez precisemos resgatar a noção de que a arquitetura não é só forma, mas experiência. que a cidade não é um showroom, mas um lar. que prédios não são só investimentos, mas espaços de memória, de encontro, de vida.
e apesar da avalanche de arquitetura vazia, ainda há arquitetos que entendem que um prédio não é só uma forma bonita para um post de instagram. francis kéré, por exemplo, que nasceu em burkina faso e entendeu desde cedo que arquitetura tem que responder às pessoas e ao clima. ele projeta escolas com ventilação natural em países onde a temperatura passa dos 40 graus, enquanto nossos gênios contemporâneos acham que a solução para o calor é mais vidro e mais ar-condicionado. o sujeito está lá, usando barro, madeira, criando espaços vivos, enquanto aqui insistimos em transformar cada novo bairro em uma versão piorada de dubai.
tatiana bilbao, no méxico, projeta casas que realmente se moldam à vida das pessoas, não o contrário. enquanto o mercado imobiliário continua empurrando kits de morar pasteurizados, ela desenha espaços flexíveis, que podem crescer e se adaptar à realidade de quem os habita. imagine só! uma casa que evolui com o morador, em vez de obrigar o morador a se espremer dentro dela. isso deveria ser o mínimo, mas hoje soa quase como um ato revolucionário.
e aí temos alejandro aravena, do chile, que decidiu que habitação social não precisa parecer um depósito de gente. seu projeto de meio-casas, onde o governo constrói metade e o morador constrói o resto com o tempo, foi uma solução brilhante para moradia popular sem cair na armadilha de fazer prédios-favela que apodrecem em poucos anos. enquanto isso, no resto do mundo, continuamos a construir conjuntos habitacionais que parecem saídos de um filme distópico de baixo orçamento.
e há cidades que estão tentando voltar a tratar as ruas como espaços de convivência, e não apenas corredores entre um shopping e outro. barcelona está criando as “superilhas”, blocos urbanos onde o carro não manda, onde as pessoas podem, veja só, andar, conversar, existir. parece óbvio, mas em um mundo onde a prioridade sempre foi construir mais avenidas, mais viadutos, mais espaços para carros, é quase um milagre.
já copenhague? essa sim, uma cidade que entendeu que o urbanismo não precisa ser um suplício. ruas projetadas para pessoas, praças que realmente convidam à vida, e uma arquitetura que respeita a escala humana. claro, para que isso acontecesse, tiveram que mandar os carros para o inferno, ou pelo menos para longe dos centros urbanos. enquanto isso, nas grandes metrópoles do mundo, seguimos achando normal que um pedestre tenha que implorar por um pedaço de calçada enquanto as avenidas engolem tudo ao redor.
e é isso que separa os lugares que funcionam dos que não funcionam… a compreensão de que arquitetura e urbanismo não são exercícios de ego, mas sim de empatia. construir um prédio não é sobre criar uma escultura gigante que impressiona a elite do design, é sobre criar um espaço que as pessoas que vivem ali vão amar, usar, sentir que pertencem. o problema é que, na era do star system da arquitetura, a maioria dos projetos quer ser capa de revista, não cenário de vidas reais.
porque é isso que está matando a arquitetura, a transformação de cidades em produtos, de prédios em marcas, de bairros em parques temáticos. você já viu esses “novos empreendimentos” que prometem ser uma “experiência completa”? tudo cercado, tudo controlado, tudo higienizado. um simulacro de cidade, onde até o verde é colocado em lugares estratégicos para parecer mais “instagramável”.
e é isso. seguimos presos nessa arquitetura de powerpoint, nesses delírios de concreto assinados por arquitetos que mais parecem designers de embalagem, vendendo prédios como quem vende um smartphone… bonitos, brilhantes, cheios de promessas e completamente descartáveis quando o próximo modelo sair.
as cidades viraram esse grande showroom de mediocridade, onde tudo é um projeto “visionário” e “sustentável” até a construtora encher os bolsos e partir para a próxima vítima. enquanto isso, seguimos enjaulados em cubículos de vidro, cercados de paredes finas como papel, sem varanda, sem vida, sem qualquer direito ao silêncio ou à sombra de uma árvore de verdade. mas tudo bem, porque tem espaço gourmet no térreo e um rooftop.
e o pior de tudo? acostumamos. aceitamos. nos convenceram de que isso é normal, que é assim que uma cidade moderna deve ser. e seguimos nesse teatro absurdo, fingindo que morar em um prédio sem janelas que abrem é o auge da sofisticação, que caminhar por ruas sem bancos ou árvores é só um detalhe, que viver sem qualquer senso de comunidade é o preço do progresso.
mas a verdade, a verdade mesmo, é que tudo isso é uma escolha. poderíamos ter cidades feitas para pessoas, não para carros. poderíamos ter prédios que duram, que acolhem, que não parecem obsoletos antes mesmo de serem inaugurados. poderíamos ter arquitetura que entende que a beleza não está em modismos vazios, mas na relação entre um espaço e quem o habita.
só que isso daria trabalho. exigiria que parássemos de idolatrar renderizações futuristas e começássemos a pensar em como realmente queremos viver. exigiria arquitetos que saíssem dos escritórios e andassem pelas ruas que projetam. exigiria que os urbanistas deixassem de pensar cidades como planilhas e começassem a vê-las como organismos vivos.
mas, enquanto isso não acontece, seguimos aqui, pagando caro para morar em caixas de sapato luxuosas, engolindo essa ideia absurda de que concreto e vidro sem alma são o futuro, aceitando que nossas cidades se tornem cada vez mais hostis, cada vez mais genéricas, cada vez mais vazias.
acordei como sempre, precisando de café antes de qualquer interação humana. nada de conversa, nada de sorrisos forçados, nada de energia matinal falsa… só uma xícara fumegante de cafeína pura, me lembrando que talvez eu consiga suportar mais um dia. porque sejamos sinceros… sem café, tudo desmorona.
café não é uma simples bebida, é um contrato com a civilização. é o que impede que a humanidade entre em colapso todas as manhãs. sem ele, as pessoas vagariam sem propósito, cometendo erros ainda maiores do que já cometem. reuniões seriam ainda mais inúteis. decisões seriam ainda mais idiotas. o mundo já está no limite da estupidez, e café é uma das poucas forças que ainda seguram as pontas.
e então aparecem os que pedem descafeinado. descafeinado. uma prova irrefutável de que algumas pessoas simplesmente não entenderam nada sobre a vida. café sem cafeína é como uma piada sem punchline, um carro sem motor, um filme de ação sem explosões. quer beber algo quente sem propósito? tome um chá e abrace sua insignificância em silêncio.
o café de verdade é simples e direto… preto, forte, quente. nada de chantilly, nada de espuma artística, nada de xaropes de baunilha com nomes ridículos. quer um milkshake? vá para a sorveteria. quer café? então beba como um adulto e pare de tentar transformar tudo em sobremesa.
e não me fale de café ruim. café ruim é um crime contra a dignidade humana. aquele líquido ralo, pálido, sem alma, que mais parece água suja do que qualquer coisa remotamente respeitável. servir um café desses para alguém é como desejar um mau dia em formato líquido. uma afronta pessoal.
tomar café não é só um hábito, é um compromisso com a sanidade. um lembrete de que, por pior que as coisas estejam, ainda existe algo confiável, algo que sempre funciona. o mundo pode estar em ruínas, mas enquanto houver café, ainda há uma chance de não ser arrastado para o abismo da mediocridade.
é claro que sempre tem alguém para dizer “mas café faz mal”. sim, claro. viver também faz. respirar o ar poluído das cidades, comer qualquer coisa que não tenha saído direto de uma plantação biodinâmica supervisionada por monges tibetanos, tudo supostamente faz mal. mas ninguém nunca morreu de uma boa xícara de café forte. pelo menos, não alguém que valesse a pena conhecer.
e um dia meu coração pode reclamar, pode dizer que já basta, pode tentar me convencer de que é hora de reduzir. mas sinceramente? prefiro um fim digno, com uma xícara na mão, do que uma existência sem café, arrastada em um mar de mornidão sem graça.
porque enfrentar esse mundo sem café? isso, meu amigo, seria um destino pior do que qualquer outro.
quando eu era moleque, o cinema era mais que um passatempo, era um convite para um mundo maior, mais perigoso, mais estiloso. era um refúgio, um professor, um traficante de ideias que os adultos ao meu redor não queriam que eu tivesse. entre fitas surradas de locadora e sessões em cinemas que cheiravam a mofo e cigarro, fui aprendendo que filmes não eram apenas histórias, eram mapas para entender a vida, com seus heróis canalhas, suas trilhas sonoras cortantes e seus finais onde, na maioria das vezes, todo mundo se fodia.
não vou te empurrar uma lista de filmes que “todo mundo precisa ver antes de morrer”. esses aqui moldaram meu cérebro, ferraram com minha noção de certo e errado, e me fizeram entender que a vida não tem trilha sonora épica, só silêncios constrangedores, diálogos cortantes e alguns momentos de pura explosão estilística antes do fade-out.
“the french connection” (1971) – gene hackman me ensinou que heróis não são bonzinhos, só são mais teimosos do que o vilão do dia. este filme tem a perseguição de carro mais brutal já filmada, mas o que ficou pra mim foi o cheiro de cigarro barato, o cansaço estampado no rosto de popeye doyle e o lembrete de que, às vezes, a obsessão não te leva a lugar nenhum, só a um beco onde a resposta certa nunca chega.
“rolling thunder” (1977) – tarantino fala desse filme como se fosse um evangelho, e ele tá certo. um ex-prisioneiro de guerra volta pra casa e percebe que o inferno não ficou no vietnã, tá esperando por ele na sala de estar. vingança sem frescura, suja, violenta, sem glamour. me ensinou que algumas feridas nunca fecham e que, se for pra encarar o mundo com uma mão mecânica e uma escopeta, melhor que seja pelo motivo certo.
“le cercle rouge” (1970) – jean-pierre melville me fez entender que o crime, quando bem feito, é uma ópera de paciência e precisão. este filme não tem pressa, não tem explosões desnecessárias, só criminosos que fumam como se estivessem resolvendo equações matemáticas enquanto preparam um golpe perfeito. e, como sempre, a lição final… a lealdade é um luxo que poucos podem pagar.
“bring me the head of alfredo garcia” (1974) – se um filme pudesse feder a tequila barata, suor e sangue seco, seria esse. sam peckinpah me ensinou que o mundo é um lugar onde ninguém ganha de verdade, só existem perdedores em diferentes estágios de decomposição. um cara ferrado atravessa o méxico com uma cabeça decepada e um sonho destruído. se isso não é cinema de verdade, eu não sei o que é.
“possession” (1981) – isabelle adjani tem um colapso mental em um túnel de metrô e, honestamente, isso é só o começo. este filme me mostrou que a insanidade não tem lógica e que algumas histórias não são feitas pra fazer sentido, só pra te jogar num abismo e te deixar lá, sem um manual de instruções.
“the long goodbye” (1973) – elliott gould como philip marlowe, um detetive que parece estar sempre uma tragada atrasado, vagando por uma los angeles onde ninguém é confiável. robert altman me ensinou que os anos 70 mataram qualquer ideia de heroísmo clássico, e que a única forma de sobreviver é não levar nada muito a sério, até o momento em que você precisa levar.
“santa sangre” (1989) – jodorowsky me fez entender que algumas histórias precisam ser contadas com sangue, fetiches estranhos e simbolismo católico perturbador. um circo, uma seita religiosa, um assassino que pode ou não estar sendo controlado pelo fantasma da mãe, tudo junto e misturado como uma alucinação que você não consegue esquecer.
“hard to be a god” (2013) – três horas de lama, suor, violência e civilização implodindo sobre si mesma. aleksei german me mostrou que o progresso é uma piada e que, se existisse um inferno medieval filmado em preto e branco, seria este filme. me fez entender que o horror não precisa de monstros, só de um mundo onde todo mundo fede e ninguém inventou a água corrente.
“the friends of eddie coyle” (1973) – esqueça glamour, esqueça tiros coreografados, este é um filme de crime sobre gente que só quer pagar as contas antes de levar um tiro nas costas. robert mitchum me ensinou que alguns homens nascem azarados, e que, no fim, a lealdade só vale alguma coisa até o momento em que alguém precisa salvar a própria pele.
“paris, texas” (1984) – harry dean stanton caminhando pelo deserto, carregando arrependimentos como uma cruz invisível. wim wenders me ensinou que algumas pessoas passam a vida tentando voltar pra algo que já virou poeira. silêncio, olhares que dizem mais do que palavras, e uma das cenas mais devastadoras já filmadas dentro de uma cabine de peep show.
filmes não são só entretenimento, são janelas, lâminas, bússolas quebradas apontando para direções que ninguém quer seguir. e se um filme não te faz sentir algo real, nem que seja desconforto, então por que diabos você está perdendo tempo com ele?