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2025

hereges digitais

tá acontecendo uma coisa curiosa, quase comovente, se eu não tivesse perdido a capacidade de me comover com esse zoológico de tela sensível ao toque que virou o planeta. as pessoas, vejam só, começaram a desconfiar que talvez não precisem trocar tudo o tempo todo. sim, parece que a febre consumista crônica que transformou a humanidade numa manada de compradores compulsivos dopados de wi-fi tá… baixando. um milagre tecnológico sem padre e sem keynote da apple.

eu tô vendo com esses olhos míopes… gente que antes mal sabia a diferença entre um cabo e uma corda agora fuçando fóruns, vendo vídeo de russo abrindo smartphone com palito de dente, se enfiando em tutoriais como se tivessem descoberto o sagrado graal, o botão de reiniciar o próprio cérebro.

não é nem sobre economia. é sobre orgulho. é sobre enfiar a mão na carcaça de um aparelho, arrancar um parafuso maldito, trocar uma bateria estufada e dizer “não hoje, filho da puta. hoje eu te ressuscito.”

e, meu amigo e amiga, tem algo de deliciosamente obsceno nisso. consertar hoje é quase um ato terrorista. é cuspir no sistema que quer te ver trocando de aparelho mais vezes do que troca de cueca. é mandar um recado pros deuses da obsolescência programada… vocês vão ter que me engolir, porque eu aprendi a abrir e fazer funcionar de novo.

eu mesmo tô nessa. cansei de ser mais um zumbi de lançamento. agora, quando algo dá pau, eu encaro como missão de guerra. desmontar, limpar, remontar. às vezes piora, às vezes explode, às vezes dá certo. mas sempre vale mais que assinar contrato com mais uma operadora que quer te cobrar em prestações pelo privilégio de ser burro.

a verdade é que o mundo começou a mudar. devagar, como tudo que presta. no subsolo, no silêncio das bancadas improvisadas, entre uma chave torx e um tutorial mal legendado. um novo tipo de insanidade tá nascendo e ela não se alimenta de caixas novas, mas de carcaças velhas com chance de redenção.

bem-vindo à era dos hereges digitais. onde o novo é cafona, o brilhante é suspeito, e consertar virou a forma mais elegante de mandar o mercado pra aquele lugar.

e sinceramente? essa merda toda finalmente tá começando a fazer sentido.

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2025

design

design, pra mim, nunca foi ferramenta.
nunca foi “solução”.
nunca foi produto.

design, quando é de verdade, é desvio.
é rastro de pensamento bruto.
é ruído que escapa pela borda de uma ideia antes que ela fique bem comportada demais.

e eu aprendi isso não em curso nenhum, mas vendo o que me fazia parar.
cartaz de protesto com tipografia torta.
capas de disco que gritam sem pedir desculpa.
um lettering feito na pressa por alguém que não sabia as regras, e por isso acertou mais do que quem decorou todas.

design de verdade tem cheiro.
tem fricção.
tem ego.
tem dúvida.
e principalmente, tem coragem de existir sem tentar ser simpático.

essa coisa que chamam de bom design,
essa obsessão por equilíbrio, clareza, hierarquia visual, grade perfeita, alinhamento ótico,
tudo isso é bonito.
mas bonito é o que vem antes da emoção.
e eu não trabalho pra deixar bonito.
trabalho pra deixar incômodo.

eu me interesso por o que não encaixa.
pelo erro que virou estilo.
pela falha que virou assinatura.
por aquele projeto que o cliente odiou na primeira reunião, e não conseguiu parar de pensar depois.

sou formado por gente que nunca me deu aula.
por paula scher fazendo um logo que parece que grita com você.
por neville brody desenhando com raiva.
por david carson errando com método.
por massimo vignelli dizendo que só precisa de cinco fontes… e eu aqui, misturando 14 e achando lindo.

sou o que aprendi observando coisas que ninguém ensinava.
placas de rua. rótulos mal impressos. flyers de festa.
coisa feita com mais vontade do que permissão.

e por isso acredito, sem ironia nenhuma, que 1 + 1 = 1.000.000.

porque duas ideias não se somam.
se estranham.
se empurram.
se explodem.
e desse embate, se nasce alguma coisa que vale a pena, já não importa mais quem era 1 e quem era outro.

design não é matemática.
é alquimia.
é intuição vestida de vetor.
é acidente com direção.
é caos com elegância.

design não é o que aparece.
é o que permanece.
é o que fica depois do post.
depois do layout.
depois do pitch.

é o que vibra, o que provoca, o que desencaixa.

e se não vibrou, não provocou e encaixou fácil demais… então parabéns, você só fez mais um layout simpático.
mais um pdf que ninguém vai lembrar.

meu trabalho não é ser entendido.
é ser sentido.
nem sempre à primeira vista.
às vezes vem como incômodo.
às vezes como silêncio.
às vezes como aquele tipo de beleza que chega com delay, e quando chega, não sai mais.

design, pra mim, é isso.
um lugar onde o erro é parte do plano.
onde a lógica é uma sugestão.
onde estética é só a ponta de algo muito mais profundo…
uma ideia que, se não te moveu, era só enfeite.

e eu nunca fui do time do enfeite.

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2025

sócrates

olha, eu sei que é pedir muito, mas por que alguém ainda insiste em mergulhar de cabeça nesses livros de autoajuda com títulos do tipo “o universo está ouvindo você” ou “desperte seu poder em 5 passos” enquanto sócrates, aquele velho filho da puta de sandália gasta e sorriso cínico, tá ali no canto da livraria, ignorado, como se fosse só mais um maluco gritando sozinho na rua?

porque vamos falar a real, é fácil escutar um coach de boné e camiseta colada, com voz de radialista e o carisma de uma lasanha congelada, gritando “você é foda!” enquanto aponta pro espelho. ele te oferece conforto embalado em frases de geladeira magnética. ele não quer te desafiar. ele quer te iludir. quer que você compre o curso dele. o e-book dele. o lifestyle. é fast food emocional… rápido, barato e te deixa com ressaca moral depois.

sócrates? sócrates não vendia nada. nem ideia pronta, nem autoestima inflável. ele te desnudava com meia dúzia de perguntas. tirava sua alma pra dançar na praça pública e depois cuspia na sua arrogância. ele não queria que você se sentisse bem. ele queria que você encarasse o fato desconfortável de que talvez, só talvez, você seja um idiota que nunca parou pra pensar de verdade em porra nenhuma.

e é exatamente por isso que ele incomoda. porque ele não dá respostas. ele te faz duvidar até do seu nome. enquanto o coach te diz “acredite em você”, sócrates pergunta “quem é esse você em que você tá acreditando tanto, hein?”
e aí pronto… o chão desaparece.

ler sócrates hoje é quase terrorismo mental. é dar uma voadora no peito da cultura do “gratidão, universo!” e perguntar… gratidão pelo quê, exatamente? pelo vazio embrulhado em papel de presente? pelas metas trimestrais de felicidade? pelos stories motivacionais enquanto a realidade desmorona lá fora?

sócrates não tá nem aí pro seu mood board, pro seu planner personalizado ou pra sua “energia alinhada com o sucesso”. ele quer saber se você consegue, de verdade, sustentar o que diz acreditar. se você entende o que repete. se a sua vida faz sentido mesmo quando ninguém tá assistindo.

e assusta. porque não cabe num tiktok. não cabe num carrossel do instagram com frase do jung mal traduzida.
sócrates é ácido. é sujo. é honesto.
e honestidade hoje virou artigo de luxo.

então sim, leia sócrates.
não porque vai te deixar rico.
não porque vai melhorar seu networking.
mas porque vai te obrigar a ser alguém com vergonha na cara o suficiente pra admitir que não sabe porra nenhuma e ainda assim querer aprender.

e, convenhamos, nesse zoológico humano onde todo mundo acha que é guru de alguma coisa, ser alguém que pensa já te coloca perigosamente perto de ser humano de verdade. e isso, meu amigo e amiga… assusta muito mais do que qualquer “mindset de alta performance”.

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2025

segredo

eu criei uma parada. e foi foda. dessas que tu termina, olha e pensa… “eu sou bom pra caralho.” não aquele bom de linkedin, sabe? mas o bom suado, cheio de tesão e de vísceras. o tipo de bom que dá vontade de acender um cigarro e contemplar o caos da humanidade por meia hora. e aí, justo nessa hora, quando a alma tá vibrando numa frequência meio jazz sujo de nova orleans, vem a tentação maldita… contar pra alguém.

mas eu aprendi. aprendi da forma mais amarga possível… tipo pedir um steak tartare num boteco que só serve calabresa acebolada. tu mostra algo incrível e o outro responde com um “ah legal…” e pronto. a tua obra-prima vira figurante no episódio piloto da indiferença alheia. não importa que você tenha sangrado ideia, suado detalhe, moldado aquilo com as suas mãos de criador embriagado. pra quem não tem fome, até caviar parece ração.

então agora eu espero. 24 horas. é o meu ritual. meu jejum emocional. minha maratona de autoorgulho. crio algo e fico em silêncio. deixo ela crescer dentro de mim antes de soltar pro mundo. porque o mundo, meu amigo… o mundo é um restaurante self-service… muita opinião sem tempero e pouca fome de verdade.

e não é sobre esconder. é sobre proteger. sobre saborear a própria genialidade antes que alguém tente enfiar ketchup nela. é sobre saber que, às vezes, o melhor público que você pode ter é você mesmo… de ressaca, pelado e orgulhoso diante do espelho, encarando o que criou e dizendo… “caralho, eu fiz isso mesmo.”

e se depois de 24 horas ainda parecer brilhante… aí sim, talvez eu conte. talvez.

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2025

do lists

não lembro o primeiro item que escrevi numa do list.
não lembro o papel, nem a caneta, nem onde eu tava, só lembro da sensação.
como se, por um breve momento, eu tivesse poder sobre o caos.
como se, por um segundo, eu pudesse colocar coleira na besta.

tinha alguma coisa entre a fome e o desespero naquela escrita.
não era tipo “ir ao mercado” ou “comprar shampoo”.
era mais assim “provar que não sou um fracasso antes das 18h.”
era a frase de um animal encurralado.
era um grito disfarçado de plano.

e desde então, foi isso.
foi sempre isso.
eu escrevo pra existir.
pra lembrar o que tô fazendo aqui.
porque o mundo não manda bilhete de boas-vindas pra ninguém.
ninguém vai bater na tua porta com uma prancheta dizendo “aqui, ó… sentido pra sua existência”.
então você escreve.
você inventa.
você sangra no papel.

e a lista vai crescendo.
vai ganhando forma.
como um corpo estranho que agora mora com você.
cada folha é um retrato sujo da tua mente naquele dia.
tem coisa banal, tipo “desentupir pia”.
tem coisa insana tipo “destruir aquele medo antigo que ainda mora entre as costelas”.
e tem coisa que você nem lembra de escrever, mas tá lá.
te olhando.
te cobrando.
te julgando como um espelho bêbado.

e aí, um dia, por acaso, zapeando entre um vídeo aleatório e outro, me dei de cara com uma entrevista da cynthia rowley, aquela figura meio punk, meio deusa doméstica da desordem elegante, falando sobre listas.
e ela falou assim, com a naturalidade de quem já queimou calendários só por tédio
“eu não faço to do lists. eu faço do lists. o ‘to’ é perda de tempo. é pra quem gosta de fingir que vai fazer.”

e naquele segundo, como uma epifania, tudo fez sentido.
eu pausei o vídeo, levantei devagar, e pensei,
é isso.
é exatamente isso.
o “to” é um enfeite.
um rímel em cadáver.
um pretexto linguístico pra adiar a própria vida.

desde então, nunca mais escrevi “to do”.
matei esse “to” com requintes de crueldade.
não é uma lista de intenções.
é uma ordem de batalha.

do list.
curta, cruel e sem piedade.

porque foi vendo aquela entrevista que eu entendi…
organizar o caos é uma arte.
mas fazer isso com estilo, com aquela mistura insuportável de leveza e precisão, é um ato de guerra silencioso.
e eu tava pronto pra ele.
minhas listas viraram mais do que plano.
viraram identidade.

escrevo nelas como quem escreve num testamento.
com a pressa de quem não confia no amanhã e a ironia de quem já morreu algumas vezes e voltou.
cada item riscado é um pedaço meu que venceu o tédio, a dúvida, a morte lenta do dia-a-dia.

e quando a coisa aperta, quando tudo parece girar em espiral e nada faz mais sentido,
eu volto pra ela.
a lista.
minha bússola, minha cicatriz, meu altar.

e lá tá escrito, entre uma tarefa idiota e um mandamento vital…

“lembrar: se você se ouvir falando e parecer um post do linkedin, para tudo.”

e eu levanto.
e sigo.
porque o “to” é uma mentira bonita.
o que resta é só o do.
e a coragem de continuar riscando.

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2025

organização

quando eu era moleque, o quarto era meu vietnã.
nada funcionava.
nada fazia sentido.
era tudo barulho, bagunça e sobreposição de crises.

o abajur pendurado por um fio,
pilha de roupa misturada com livro de escola,
resto de lanche embrulhado num guardanapo dentro da gaveta de meias,
e um pôster do pulp fiction amarelado me olhando como se dissesse…
“boa sorte, otário.”

e eu achava que era parte da estética, do charme.
o mito do caos criativo.
como se viver na bagunça fosse sinal de genialidade latente, e não de falta de noção básica e um leve toque de delírio juvenil.

por anos fui esse personagem.
fingindo que me encontrava na confusão.
mas a verdade é que a confusão me engolia.
até que um dia eu cansei de tropeçar em coisas que nem sabia que estavam ali.

hoje o quarto virou memória.
e o estúdio virou minha fortaleza.

é aqui que eu trabalho.
é aqui que eu penso.
é aqui que a bagunça tenta entrar.
mas não passa.

porque hoje, aos quarenta e poucos anos, eu sigo minhas próprias regras.
criei minhas regras.
baseado em frustração, tentativa, erro, erro de novo, e finalmente…
acerto.

meus cinco princípios.
minha doutrina do caos contido.


1. nada de pilhas. e se precisa de duas mãos pra acessar, tá sabotando sua própria dignidade.

a primeira coisa que aprendi quando montei o estúdio foi que pilhas são traiçoeiras.
bonitinhas por fora, desastrosas por dentro.
tipo colega de trampo falso.

no meu quarto, eu empilhava tudo, apostila em cima de sketchbook, livro de arte em cima de caixa de fita cassete, camiseta em cima de revista em quadrinho.
funcionava?
funcionava até você tentar puxar qualquer coisa de baixo e descobrir que tinha criado a versão doméstica do colapso estrutural.

hoje no estúdio, não empilho nada que não seja idêntico.
se não for exatamente igual, não merece estar junto.
organização é segregação funcional, com orgulho.

e mais…
tudo tem que sair com uma mão só.
porque a outra tá ocupada, seja segurando o mouse, o café, ou só a vontade de desistir de algum projeto.


2. kits. cada um com sua função. cada item com seu pelotão. e a gaveta do caos sob vigilância armada.

quando era jovem, tudo ia parar na gaveta da escrivaninha.
tudo.
desde moeda antiga até fone de ouvido estragado.
eu chamava de “meu sistema”.
hoje eu chamo de “desordem institucionalizada com verniz de negação.”

no estúdio, eu não tenho mais desculpas.
então criei kits.
kit de som.
kit de elétrica.
kit de gravação.
kit do “se tudo der errado e precisar improvisar com fita e um clips”.

cada um vive numa caixa identificada.
cada item volta pro seu lugar.
não há perdão para a migração.
tirou, usou, devolve.

e sim, ainda tenho minha gaveta do caos.
porque eu sou humano.
mas ela é pequena.
frequentemente vasculhada.
e nunca, NUNCA, recebe coisa importante.


3. talismãs organizacionais, os santos da trincheira. se um some, o dia para.

ninguém sobrevive sem amuleto.
os meus são ferramentas.
simples. discretas. letais contra o caos…

  • post-it – ultraaderente, inquestionável.
  • clipe de fichário – gruda o mundo. já salvou contratos e desespero.
  • caneta preta com ponta 0.5 – precisa, limpa, direta.
  • gancho de metal pendurado na parede – guarda o fone, o cabo, o passado.

esses não vão pra gaveta.
ficam ao meu alcance.
no altar.
linha de frente.
quando um desaparece, eu não continuo.
eu paro o mundo e procuro.
porque perder um desses é abrir uma brecha na muralha.


4. prateleira não é estética… é estratégia. e se não construiu a sua, tá ajoelhando pro caos.

lembro da primeira vez que fiz uma.
não comprei pronta.
fiz.
martei, errei, medi torto, furei mal, mas fiz.
e quando coloquei a primeira caixa em cima, senti algo parecido com a sensação de finalmente ter uma cama decente depois de anos no colchão torto.

hoje cada prateleira no estúdio é território conquistado.
cada uma carrega uma função.
e o que não tem prateleira, fica no chão do inferno.

você quer organizar sua vida?
construa uma prateleira.
vai errar?
sim.
mas errar é o preço da soberania. e se não quiser construir, compre. mas tenha prateleiras.


5. personalização não é charme. é sobrevivência disfarçada de gênio torto.

nada aqui é de loja chique.
nada foi feito pra mim.
então hackeio tudo.
adaptei uma caixa em porta-fita.
usei embalagem pra segurar cabos.
reaproveitei um varal pra pendurar ferramentas.

personalizar é cuspir na cara do “pronto pra usar”.
é dizer “não me serve, então eu ajusto.”
e cada objeto que adaptei me lembra…
o estúdio é meu.
o sistema é meu.
a técnica é minha.


hoje vivo em trincheira funcional.
meu estúdio funciona.

e quando a bagunça tenta voltar,
como um velho conhecido batendo à porta com cara de “só vim visitar”,
eu olho pro meu gancho, minha prateleira, meu post-it
e penso:

“a guerra não acabou.
mas aqui, pelo menos aqui,
sou eu que mando.”

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2025

grupos no whatsapp

grupo de whatsapp virou o purgatório do mundo moderno.

me marcaram no grupo de whatsapp. de novo. às 7h43 da manhã. uma notificação dizendo “@vc viu isso?” entre 218 mensagens não lidas, 14 figurinhas de bom dia com café, flores e cachorrinhos psicodélicos, dois áudios de 6 minutos com chiado e um pdf que ninguém vai abrir. meu instinto natural foi o mesmo de sempre… ignorar, silenciar, considerar seriamente mudar de nome e fugir pro mato.

porque grupo de whatsapp, meu amigo e minha amiga, é a definição moderna de tortura leve porém constante. é aquele ruído branco da insanidade digital. é um lugar onde a produtividade vai pra morrer e a sanidade se contorce no chão implorando por um pouco de silêncio. ali, todo mundo fala, ninguém escuta, e no fim ainda esperam que você responda como se tivesse contratado o serviço de telepatia full time.

e não me entenda mal l, eu já tentei. já fui o cara que lia tudo. que respondia educadamente. que dava risada das figurinhas e dizia “vishhh que tenso kkkkk”. mas um dia, entre um gif do pica-pau e um aviso “gente, vamos marcar um encontro!!!”, algo em mim quebrou. foi como acordar num culto onde todo mundo perdeu o controle, mas ninguém percebeu. e agora seguem ali, falando sozinhos, marcando reunião, compartilhando fake news e vídeos de bebê com voz de adulto.

me marcar no grupo esperando resposta é tão eficaz quanto gritar no meio de um deserto. ou melhor, é gritar dentro de um show do skank em 2002. boa sorte tentando ser ouvido no meio da avalanche de áudio com ruído de ventilador e gente digitando “gnt vcs viram isso aq?” como se o resto do planeta parasse pra assistir esse show de horrores.

então, sim, se for importante, me chama no privado. me manda mensagem direta, liga, manda sinal de fumaça, batuca na porta, desenha na areia com sangue, qualquer coisa. só não me marque no meio de um pandemônio digital e espere que eu vá, por livre e espontânea insanidade, escavar as profundezas daquela cratera de mensagens pra descobrir que, no fim, tudo se resumia a um “pessoal, alguém viu onde tá a extensão da impressora?”.

grupo de whatsapp, hoje em dia, é a mais nova forma de prisão social. você não pode sair, porque “nossa, que deselegante, saiu do grupo!” mas também não consegue ficar sem lentamente perder a fé na humanidade. é o equivalente digital a ser convidado pra uma reunião que podia ser um e-mail, mas com trilha sonora de áudios aleatórios e a constante ameaça de receber um “vc sumiu hein” de alguém que você mal lembra o nome.

então não, eu não vou ver. eu não vou ouvir. e se depender de mim, eu nem tô mais lá. e se um dia você me vir online, ativo, lendo tudo e rindo das piadas do grupo… pode saber… fui substituído por uma IA, um robô, ou pior… virei coach.

e honestamente? nesse caso, pode me deletar mesmo.

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2025

os livros que mudaram minha vida

não leio pra me distrair. nunca li pra me entreter, nem pra escapar. nunca abri um livro querendo me sentir “melhor” ou “mais leve”. não sou desses. nunca fui. se quero alívio, eu durmo. se quero conforto, eu como. se quero dopamina fácil, tem coisa mais barata e mais rápida do que virar a página.

eu leio pra me desconstruir. pra me despir. pra rasgar a porra da embalagem da realidade e ver o que sobra quando tudo que é aceitável, educado e funcional se dissolve. os livros que me moldaram são aqueles que não ofereceram nada, e mesmo assim me deram tudo. não me trouxeram fórmulas, não prometeram evolução, não acenaram com promessas de sucesso, abundância, equilíbrio ou qualquer outro conceito de almofadinha com medo do fracasso.

os livros que realmente ficaram foram os que me jogaram na parede, sem aviso prévio. os que desorganizaram minha visão de mundo, sem me oferecer uma substituição confortável. livros que me disseram… “tá vendo essa sua verdade aí? então, ela é uma piada. e nem é boa.”
e foi exatamente aí que começaram a me moldar.

esses livros, eles não queriam que eu aprendesse nada. não queriam me ver vencendo, sorrindo, compartilhando frases de impacto com fundo de pôr do sol. eles queriam me mostrar a lama. queriam que eu sentisse o cheiro do mofo do mundo real, que eu parasse de buscar sentido e começasse a olhar o caos com olhos secos.

e por isso nunca li autoajuda. nunca precisei. nunca tive esse impulso masoquista de querer ser “melhor” com ajuda de frases de efeito e títulos que parecem comerciais de suplemento. nunca caí na armadilha do “desperte seu poder interior” ou “os 12 passos para uma vida plena enquanto tudo ao seu redor pega fogo”.
eu me preservei.
não li por desconfiança, por nojo e por saber que, se a resposta pra vida coubesse em um subtítulo, ela não valeria nada.

já os livros que li me deram aquilo que ninguém tem coragem de oferecer… consciência bruta.
sem garantias.
sem promessas.
só a lucidez como herança.

e agora eu te conto quais foram.
mas já te aviso… se você tá procurando por heróis, milagres ou finais felizes, para por aqui.
isso é sobre naufrágio.
sobre aceitar que a vida tem mais perguntas do que respostas.
e que, às vezes, a única saída digna é olhar o abismo, e rir.

então, vamos nessa. página por página, ferida por ferida.
os livros que me moldaram.
porque me quebraram.


1. moby-dick — herman melville

quando comecei moby-dick, confesso, quis largar. frase longa, palavra difícil, digressão em cima de digressão. mas algo ali latejava, uma raiva ancestral, uma febre. e aí eu entendi… melville não queria te contar uma história, queria te infectar.

não é sobre uma baleia. nunca foi. é sobre um homem que perde tudo e, mesmo assim, decide destruir mais um pouco. é sobre a arrogância de achar que você consegue dominar o que não entende. ahab é você quando insiste que precisa vencer alguma coisa, mesmo sem saber o quê.

esse livro me quebrou. me fez respeitar a beleza do colapso. e, mais do que isso, me fez entender que talvez, no fim, o erro seja a única coisa verdadeiramente humana.

2. the catcher in the rye — j.d. salinger

li catcher depois de um daqueles dias em que tudo dá errado. você conhece… celular quebra, chefe é um idiota, projeto dá errado, conta negativa no banco.

e então holden caulfield apareceu. aquele bastardo com seu boné vermelho e seu olhar de quem odeia tudo, mas no fundo só queria um abraço decente.

não é um livro adolescente. é um livro sobre quando o mundo inteiro parece uma convenção de gente falsa e você é o único que percebeu. holden não quer ser legal, não quer ser sábio. ele só quer sair andando. e às vezes, isso é o que mais te salva.

salinger não escreveu um herói. escreveu um espelho. e eu me vi ali. feio, cansado, mas ainda de pé.

3. walden — henry david thoreau

esse livro é o equivalente literário de mandar tudo à merda e ir morar num lugar onde o wi-fi não pega.
e thoreau não é um guru natureba paz-e-amor. ele é um misantropo elegante que te diz, sem sorrir, que você está desperdiçando sua vida com merdas irrelevantes.

li walden num momento em que tudo parecia correr depressa demais… carreira, rede social, obrigações. e thoreau me disse… para.
e eu parei.

ele te mostra que uma xícara de café feita em silêncio vale mais do que qualquer promoção.
ele te lembra que o tempo é a moeda mais cara  e você tá gastando tudo em porcaria.

esse livro não pede que você largue tudo.
só te pergunta, você tá mesmo vivo ou só apertando botão?

4. fear and loathing in las vegas — hunter s. thompson

esse livro entra na sua cabeça como um coquetel molotov aceso e começa a quebrar os móveis.
li de uma vez, numa madrugada e rindo. muito. porque hunter escreve como se fosse explodir a qualquer momento.

não é sobre drogas. é sobre delírio. sobre olhar pra um país que se vende como terra dos sonhos e ver uma feira de horrores neon, cheia de idiotas com sorriso falso.
é sobre cair no meio do deserto e perceber que você nunca teve mapa.

não tem moral, não tem final feliz.
tem só a beleza suja do colapso com estilo.
e, às vezes, é só isso que importa.

5. the electric kool-aid acid test — tom wolfe

esse livro é uma carona num ônibus pintado por malucos visionários que achavam que dava pra escapar da realidade com arte e ácido.

e olha… por algumas páginas, você acredita que sim.
tom wolfe te arrasta pela década de 60 com uma escrita afiada e corajosa. ele não narra, ele injeta. você sente o cheiro do couro quente, a poeira da estrada, o som de guitarras mal afinadas vindo do fundo da alma.

não é um livro que você “lê”.
é um livro que você sobrevive.
e quando termina, você lamenta, porque o mundo de hoje é chato demais pra uma viagem dessas.

6. twilight / dark ages / why america failed — morris berman

li os três com a mesma sensação de assistir um prédio desabar em câmera lenta.
berman escreve como quem não tem mais tempo pra delicadeza. ele não tá tentando salvar o mundo, ele tá te explicando, com calma, por que ele já era.

não é pessimismo. é lucidez.
ele te mostra, com dados e sarcasmo, que educação virou piada, cultura é fast food, política é circo. e que ninguém quer saber disso, só quer o próximo entretenimento.

esses livros me libertaram da esperança inútil. e no lugar dela colocaram algo muito mais útil… consciência.

7. the fourth turning — strauss & howe

lembra aquele sentimento de que a história tá se repetindo?
esse livro te mostra que sim, mas com data, lógica e estrutura.

os caras explicam que tudo acontece em ciclos… tempos bons criam homens fracos. homens fracos criam tempos ruins. tempos ruins criam homens fortes. e assim vai.

li com raiva e gratidão.
porque depois dele, parei de esperar coerência do mundo.
e comecei a prestar atenção nas marés.
no tempo certo, tudo desmorona.
e tudo recomeça.
mas nunca como antes.

8. dark money — jane mayer

esse livro é a aula que você não teve.
o reality check definitivo de que democracia é só uma ideia bonita colada com durex em cima de interesses sujos.

mayer escancara os bastidores de um jogo manipulado por gente rica, velha, branca, e entediada.
ela mostra como a política virou brinquedo na mão de dinastias podres de grana.
e você, no meio disso tudo, é só o figurante que acha que tá decidindo alguma coisa.

é leitura obrigatória pra todo mundo que já pensou em dizer “meu voto muda o mundo”.
spoiler… não muda.
mas saber disso já é um bom começo.

9. the culture of fear — barry glassner

esse livro me acertou como um tapa de luva suja.
glassner não tá aqui pra te alarmar, ele tá aqui pra te tirar do transe.
ele não grita “o mundo é perigoso!”
ele sussurra “o mundo é vendido como perigoso. e você compra essa merda com gosto.”

sente só, você tem mais medo de ser sequestrado por um serial killer do que de passar 40 anos engolindo ansiedade num escritório open space onde ninguém lembra seu nome.
tem medo de terrorismo, mas não da sua conta bancária.

glassner esfrega isso na sua cara com frieza cirúrgica.
ele mostra que o medo é um produto. e que a mídia é o dealer.
ler esse livro foi como limpar os olhos com álcool.
doeu. mas agora eu vejo melhor.

10. the outlaw bible of american essays / poetry / literature — ed. alan kaufman

se esses livros tivessem cheiro, seria de cigarro barato, uísque derramado e madrugada mal dormida.
é aqui que a literatura americana guardou os bastardos. os malditos. os não-convidados.
é aqui que você encontra a escrita que fede a verdade.

li a primeira página e entendi…
aqui não tem pose. não tem revisão gramatical.
tem gente escrevendo com os nervos expostos.
gente que já perdeu tudo, e por isso, escreve como quem não deve nada a ninguém.

a cada texto, eu sentia como se tivesse entrando num bar onde todo mundo já viveu mais do que eu.
e todo mundo escreve melhor também.
foi o primeiro livro em muito tempo que me deu vontade de escrever de novo.
sem frescura. sem workshop. sem permissão. e foi esse livro que fez esse blog nascer!!!

11. edgewise: a picture of cookie mueller — chloé griffin

cookie mueller era um furacão.
atriz, escritora, figura de cena punk, bicho raro, mulher livre.
esse livro reconstrói a vida dela através de quem conviveu com ela, e o resultado é um retrato que nunca se encaixa.

ler edgewise é como tentar capturar fumaça.
cookie não cabe em caixinha, nem em legenda.
ela era suja, viva, intensa, engraçada, imprudente.
e profundamente real.

quando terminei, me senti menor.
porque percebi que eu ainda vivo pedindo licença.
e ela viveu como se o mundo fosse dela por direito e porra, era mesmo.

12. shop class as soulcraft — matthew b. crawford

esse livro é o murro necessário na cara de todo mundo que acha que sucesso se mede em reuniões e slides de powerpoint.
crawford largou o terno, virou mecânico, e escreveu um tratado brilhante sobre como o trabalho manual pode salvar sua alma.

e ele não tá romantizando o esforço físico, ele tá esfregando na nossa cara que pensar com a mão, com o corpo, com a graxa, talvez seja mais digno que toda a cultura de produtividade e abstração corporativa.

eu li e senti raiva de todas as vezes que achei que trabalhar sentado numa cadeira com ar-condicionado era um sinal de vitória.
crawford te lembra que criar, consertar, fazer, é um ato de presença.
e que talvez você esteja ansioso porque nunca mais encostou em algo real.

e esses são os livros.
os que ficaram.
os que moldaram essa casca de cinismo funcional que, por algum milagre, ainda tem sangue correndo por dentro.

eu não leio pra escapar.
leio pra lembrar que tô acordado.
e esses livros me deram isso.

eles não me salvaram.
mas me deram um espelho sujo, pesado, honesto e disseram… “olha bem. é com isso que você vai ter que lidar. boa sorte.”

e às vezes… é tudo que a gente precisa.

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2025

meus próximos anos

tem dia que eu olho em volta e penso… quem projetou esse mundo?
quem achou uma boa ideia fazer um banco que não abra a porra da gaveta, uma mochila que massacra a coluna, um teclado que foi claramente desenhado por alguém que odeia dedos humanos?
o copo escorrega. a estante não encaixa. o sofá é bonito até você sentar.
e o botão do elevador, aquele maldito botão, precisa ser pressionado com a força de um deus grego pra funcionar.

isso é design.
não só o que é bonito.
mas o que funciona.
ou melhor, o que deixa de funcionar e vira parte da sua frustração diária até você nem perceber mais o quanto odeia as coisas ao seu redor.

e é justamente por viver nesse teatro de decisões medíocres, disfarçadas de “soluções”, que eu escolhi o caminho mais óbvio, e mais insano…
usar design pra transformar essa bagunça.
móvel, mochila, estante, relógio, boneco de plástico, tela de app, luz do banheiro, cadeira de reunião, tudo.
se existe, se alguém encosta, segura, olha ou tenta usar, então tem design ali.
e se tem design, tem potencial pra dar errado, e quase sempre já deu.

o que eu quero fazer nos próximos anos é isso.
pegar esse mundo cansado, saturado de soluções meia-boca,
e tentar, com inteligência, ironia e um time de pessoas incríveis, redesenhar o que ninguém mais tá com paciência de consertar.

sem prometer revolução.
mas com uma urgência quase pessoal de parar de aceitar que “a vida é assim”.
porque não, não é.
a vida só é assim porque alguém fez escolhas ruins. e ninguém voltou pra corrigir.

e é aí que entra o design.
não como enfeite.
mas como ferramenta bruta de transformação cotidiana.

e é exatamente isso que vamos fazer na rg design.
um lugar onde não se projeta só “coisas”.
se projeta vivência.
se questiona cadeira, mesa, embalagem, interface, cronômetro, estrutura.
se pergunta… por que isso existe desse jeito?
e mais importante… por que ainda não melhoramos?

e não tô falando de fazer o novo pelo novo.
tô falando de fazer o certo.
o que funciona.
o que respeita quem usa.
o que não precisa de manual, nem desculpa.

e com origem…

porque o que tem origem não grita, não performa, não pede validação. ele simplesmente existe, porque precisa existir. nasce da necessidade crua, da função nua, do material que impõe limite e dá forma. o que tem origem não quer impressionar, quer resolver. não nasceu pra palco, nasceu pra uso. e é justamente por isso que dura, que impacta, que muda. o resto? o resto é só barulho com prazo de validade e ego demais pra admitir que nunca teve motivo pra estar ali.

e no fundo, o que me move é isso e é tão simples que pode parecer banal…
eu tô cansado de viver num mundo cheio de “tá bom assim”.
tá nada.

então sim, vou dedicar os próximos anos da minha vida a isso.
a desentortar o cotidiano com design.
a deixar um pouco menos torto o caminho entre você e o que você quer fazer.
a devolver pras pessoas o prazer silencioso de usar algo e simplesmente pensar…
“até que enfim.”

sem glitter.
sem glória.
só design.
da mochila ao botão.
da mesa ao momento.
da RG pro mundo.

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a coisa que mais odeio na vida

poucas coisas me fazem questionar o valor da civilização moderna tanto quanto aquele momento sagrado, aquele ritual de merda, quando o iluminado da frente resolve reclinar a porra da poltrona. e não tô falando daquele leve encostinho simpático, aquele gesto civilizado de “ei, vou só ajustar aqui pra tentar fingir que esse avião não é uma lata de sardinha voadora”. não. eu tô falando do sujeito que puxa a alavanca como quem tá abrindo um portal pro nirvana. ele joga o corpo pra trás com a leveza de um elefante morto, me jogando metade da tela do meu filme no peito e a outra metade no vácuo existencial.

e é sempre assim, eu tô ali, miseravelmente tentando comer aquele risoto genérico com gosto de papelão e de repente, páá. o encosto invade meu espaço vital como se tivesse recebido um convite pessoal. minha bandeja? virou um campo de guerra. meu joelho? objeto de tortura medieval. e o cretino lá, mergulhado no paraíso dele, como se estivesse num spa flutuante, bufando de prazer como se tivesse descoberto a cura pra depressão nas costas de um assento da gol.

é quase poético, se poesia fosse escrita com ranço, irritação e um toque de claustrofobia.

mas o que me mata de verdade é a confiança, o descaramento sereno. ele sabe o que tá fazendo. eles todos sabem. e fazem mesmo assim. por quê? porque o avião é um microcosmo perfeito da humanidade, todo mundo fodido, mas sempre tem um filho da puta que quer ficar um pouquinho mais confortável que o resto.

então, se você é desses, o reclinador convicto, o messias do conforto próprio, o conquistador de espaços alheios, saiba que você é o motivo pelo qual eu acredito que, às vezes, a humanidade não merece voar.