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2024

a queda

estamos assistindo à queda do império romano em tempo real, mas agora em 4k, em velocidade 2x, com memes, teorias da conspiração e discursos incoerentes transmitidos ao vivo. um império que se acreditava eterno, agora tropeçando nos próprios excessos, com líderes que mais parecem personagens de uma sátira política ruim. e o melhor de tudo? ninguém admite que estamos no meio do colapso. pelo contrário, continuamos fingindo que tudo está normal, como aquele cara no meio de um incêndio dizendo “this is fine”. só que não está. nunca esteve.

os romanos também achavam que sua grandeza era inabalável. por séculos, governaram o mundo conhecido, esmagaram inimigos, ergueram monumentos e se convenceram de que estavam no topo da cadeia alimentar da história. e estavam, até que deixaram de estar. foi um processo lento, feio, burocrático. imperadores que enlouqueciam no poder, que se trancavam em palácios enquanto as ruas se enchiam de violência e desordem. generais que travavam guerras mais por ego do que por estratégia, desperdiçando recursos que já não tinham. senadores que só se importavam com seus próprios bolsos, enquanto as províncias queimavam. qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência.

pense em calígula, o imperador que nomeou seu cavalo como senador e se achava um deus. ou em nero, que queimou roma e depois culpou os cristãos, enquanto encenava sua própria grandeza num teatro particular. não precisa ir muito longe para encontrar equivalentes modernos. líderes que, em vez de governar, fazem shows particulares, transformam a política em circo, falam sozinhos no espelho e, quando tudo dá errado, jogam a culpa nos outros. antes eram os bárbaros, os traidores, os cristãos. hoje são as fake news, os inimigos invisíveis, a mídia malvada. o roteiro é o mesmo, só trocaram as togas por ternos mal cortados e os pergaminhos por postagens ensandecidas na internet.

e, enquanto isso, o povo? ah, o povo continua entretido. os romanos tinham seus espetáculos de gladiadores; nós temos teorias conspiratórias, redes sociais e brigas inúteis para nos distrair do fato óbvio: o império está caindo, e ninguém quer admitir. enquanto uns assistem, outros se recusam a aceitar a realidade. há quem jure de pé junto que ainda somos grandiosos, que a civilização não pode ruir porque “isso nunca aconteceria aqui”. os romanos também pensaram assim. até que um dia acordaram e perceberam que não mandavam mais em nada.

o que sobrou do império romano? ruínas, poeira, histórias sobre como tudo era glorioso até que deixou de ser. mas, enquanto eles tinham desculpas… pragas, invasões, corrupção desenfreada, qual é a nossa? estamos caindo não porque fomos derrotados, mas porque escolhemos a insanidade coletiva como método de governo. estamos no fim do ato, e o protagonista está ensaiando seu último surto. a única questão agora é se vamos continuar assistindo de camarote ou se alguém vai finalmente levantar e apagar as luzes.

mas ninguém vai apagar as luzes. claro que não. as luzes são a melhor parte do show. é o brilho hipnótico da decadência transmitida ao vivo, 24 horas por dia, com comentaristas analisando cada detalhe, como se ainda houvesse algo a salvar. os romanos tinham seus filósofos, velhos barbudos sentados em praças, debatendo a virtude e o destino da humanidade. nós temos analistas de notícias, twitteiros raivosos e gente que confunde opinião com fato. discutimos cada absurdo, cada discurso sem sentido, como se fosse um código secreto para decifrar o futuro, ignorando o óbvio: o futuro já chegou, e ele é um lixão pegando fogo.

e os líderes? bem, os romanos tinham seus imperadores lunáticos. nós temos… bem, vocês sabem. a diferença é que, naquela época, um imperador precisava ao menos fingir que sabia o que estava fazendo. hoje, basta ter seguidores, repetir palavras vazias e agir como se a realidade fosse um detalhe inconveniente. antes, um imperador demonstrava força liderando exércitos. agora, basta um microfone e um delírio convincente. nero tocava lira enquanto roma queimava; hoje, a lira foi substituída por discursos incoerentes, vídeos editados de forma patética e promessas grandiosas que nunca se concretizam. e assim seguimos, fingindo que estamos bem, enquanto os pilares do império tremem e racham.

no fim de roma, o senado já não tinha poder real. eram figurantes, aplaudindo e balançando a cabeça enquanto o império desmoronava. decisões importantes eram tomadas por gente incompetente, escolhida não pela capacidade de governar, mas pela lealdade cega ao homem no topo. alguém discorda? alguém ainda acha que estamos longe disso?

e o povo? os romanos esperavam que o estado os alimentasse e os distraísse. queriam pão e circo. quando o pão ficou escasso e o circo virou um teatro ridículo, começaram os tumultos. e nós? o que queremos? queremos narrativas que nos confortem, vilões fáceis para culpar, distrações intermináveis para não encarar o fato de que estamos dentro de um castelo de cartas prestes a desabar. não queremos mudanças, queremos que nos digam que tudo vai ficar bem. queremos acreditar que a glória pode ser restaurada, que os dias de grandeza voltarão, que basta confiar nos líderes certos, na história certa, no milagre certo.

mas os milagres nunca vêm. roma nunca se reergueu. transformou-se em ruínas para turistas, em lembranças de um tempo em que achava que governaria o mundo para sempre. e nós? achamos que somos diferentes. achamos que temos controle, que sabemos para onde tudo está indo. mas a verdade é que estamos só assistindo, hipnotizados, enquanto o império arde. e, quando tudo acabar, talvez reste apenas um punhado de intelectuais escrevendo sobre como não vimos os sinais, como ignoramos as lições da história. talvez sejamos apenas mais um capítulo na longa lista de civilizações que pensaram que eram invencíveis, até que não eram mais.

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2024

vibracionalmente seletivo

não sou antissocial. não sou um monge recluso vivendo no topo de uma montanha, recusando contato humano e comendo raízes. gosto de gente, pelo menos de alguns espécimes específicos. sou vibracionalmente seletivo, o que é uma forma educada de dizer que certas pessoas simplesmente fazem meu sistema nervoso querer puxar o plugue e reiniciar. e percebo isso da maneira mais brutal possível quando aceito ir a eventos e palestras, porque é lá que o grande zoológico da energia humana se revela em toda a sua glória caótica.

tudo começa bem. chego disposto, mente aberta, pronto para interagir. mas assim que atravesso a porta, meu corpo inteiro já começa a captar sinais invisíveis. microvibrações. frequências. tem gente que entra num ambiente e a energia muda… e não de um jeito positivo. o ar fica mais denso, a atmosfera carregada, como se umidade mental estivesse se acumulando nas paredes. são aqueles cuja presença suga vitalidade, os buracos negros energéticos. você pode não estar nem falando com eles, mas já sente um cansaço inexplicável, um peso invisível. e pensa: “por que diabos eu vim?”

aí tem os outros, os histéricos vibracionais. gente que opera numa frequência tão alta e frenética que parece um alarme de carro disparado sem motivo. chegam falando alto demais, rindo demais, movendo-se rápido demais, como se fossem foguetes desgovernados prestes a colidir. energia dispersa, sem foco, sem direção. interagir com eles é como tentar tomar um café tranquilo numa cafeteria enquanto um furacão de quinta categoria arrasta mesas e cadeiras ao seu redor. você não está conversando com eles. está sobrevivendo a eles.

e, claro, há os que não têm energia nenhuma. mortos vivos sociais. gente que está ali, mas cuja presença é tão fraca, tão ausente, que chega a ser perturbadora. trocam algumas palavras com você e, em minutos, sente como se estivesse conversando com um fantasma, não porque sejam misteriosos ou profundos, mas porque simplesmente não têm nenhuma vibração detectável. são o equivalente humano de um pão de forma amanhecido.

e então eu percebo. percebo que não sou eu. não sou deslocado, não sou antissocial. sou apenas alguém cujo radar vibracional está bem calibrado, e que aprendeu a respeitar quando algo não bate certo. porque energia não mente. palavras mentem, sorrisos mentem, intenções mentem, mas a vibração de uma pessoa é um atestado de autenticidade ou um aviso de perigo iminente. e se minha frequência não encaixa, eu não forço. não por arrogância, não por prepotência, mas por pura questão de sobrevivência mental.

mas então, no meio desse caos vibracional, no meio dos vampiros de energia, dos histéricos de plantão e dos mortos-vivos emocionais, às vezes, só às vezes, acontece um milagre. você sente. antes mesmo de ver, antes mesmo de ouvir, você sente. uma mudança sutil no ar. uma frequência que não agride, que não suga, que não pesa. uma energia que se move como uma brisa fresca depois de um dia abafado e pegajoso.

essas são as pessoas que me fazem lembrar por que, afinal, eu ainda me dou ao trabalho de sair de casa.

elas não chegam atropelando o ambiente com um frenesi de ansiedade mal resolvida, nem se fazem de coitadinhas, sugando sua paciência como se fosse um tanque de gasolina. elas têm presença. não aquela presença forçada, calculada, ensaiada no espelho para impressionar. mas uma presença que vem de dentro, da segurança de ser quem são, sem precisar gritar isso para o mundo a cada cinco minutos.

não há aquela pressa insuportável de falar a próxima coisa, de preencher cada espaço com barulho. o silêncio não é constrangedor, é confortável. não há disputa, não há jogo, não há aquela luta invisível para ver quem tem a última palavra. há espaço. espaço para ser. para existir. para trocar.

e não importa o assunto. pode ser sobre viagens, comida, cinema, filosofia, ou simplesmente sobre o café que estão bebendo. porque não é o que se fala, é o que se sente. a energia dessas pessoas é nutritiva. você sai da conversa melhor do que entrou.

e é por isso que sou vibracionalmente seletivo. porque já provei o gosto de interações reais, autênticas, carregadas de presença e verdade. e depois disso, fica impossível aceitar menos. não se trata de esnobismo, nem de arrogância, nem de se achar superior. trata-se de saber a diferença entre alimentar a alma e apenas matar o tempo.

e eu não tenho tempo a perder.

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2024

mudaram a máquina do café

mudaram a máquina de café da minha academia. um dia, eu entro lá, meio zumbi, pronto para aquele gole preto e amargo que me acordava como um tapa na cara, e dou de cara com um monstro prateado, cheio de botões sensíveis ao toque e uma tela digital que parece uma nave espacial pilotada por um barista sem alma. progresso, disseram. inovação, garantiram. só que agora o café tem gosto de decepção. morno, insosso, aguado. um líquido covarde, sem aquele sabor robusto, meio queimado, meio errado, que fazia parecer que eu estava prestes a lutar pela minha vida em vez de apenas fazer agachamento.

mas o café é só um sintoma da praga maior: essa obsessão moderna de mudar tudo o que funciona só para parecer mais esperto. não basta servir um bom café, tem que ser “uma experiência sensorial digitalmente otimizada”. não basta um cardápio de papel, tem que ser um qr code que te obriga a acessar um site bugado onde cada toque na tela te faz querer esfaquear alguém com um garfo de plástico. e não basta um restaurante que simplesmente serve comida boa, ele precisa ter um “conceito” que geralmente significa menos comida, mais adjetivos pretensiosos e um preço que te faz reconsiderar suas escolhas de vida.

e tudo sempre em nome da “facilidade”. claro. como quando os supermercados decidiram que o autoatendimento seria “mais rápido”. mais rápido para quem? porque da última vez que tentei usar aquela porcaria, a máquina me acusou de roubo porque eu coloquei a banana na sacola antes dela dar permissão. aí vem um funcionário com cara de tédio, insere um código secreto digno da cia, e eu sou lembrado mais uma vez de que eu deveria apenas aceitar a fila do caixa e desistir dessa ilusão de independência.

mas a pior parte? ninguém questiona. todo mundo apenas aceita. é como se estivéssemos presos num culto tecnológico onde cada nova atualização nos afasta um pouco mais da sanidade. tudo tem que ser conectado, integrado, otimizado, o que significa, na prática, que nada mais pode simplesmente funcionar. e se você ousa dizer que gostava mais de como as coisas eram antes? parabéns, agora você é um velho rabugento que “não entende o futuro”.

mas eu não sou contra o futuro. eu sou contra a estupidez. sou contra essa necessidade neurótica de destruir o que é bom só para parecer inovador. porque no fim do dia, tudo isso não passa de um grande teatro para justificar que você gaste mais tempo, mais paciência e mais dinheiro para obter algo pior.

ou talvez eu só esteja ficando velho.

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2024

seja um tolo

o mundo enlouqueceu. e não foi aos poucos, não. não teve aviso, não teve gradualismo. um dia acordamos e tudo ao nosso redor era um imenso hospício sem supervisão médica. as pessoas gritam, berram, digitam em letras garrafais, passam o dia indignadas com algo que viram em um vídeo de 15 segundos, conspiram, ameaçam, perdem amizades por conta de políticos que nem sabem que elas existem. cada esquina, cada feed de rede social, cada mesa de bar se tornou uma trincheira. todos têm uma opinião. e, pior, todos têm certeza absoluta de que estão certos.

sabe o que acontece quando todo mundo tem certeza? ninguém ouve ninguém. e aí estamos nós, num grande jogo de “quem berra mais alto”, onde o prêmio é absolutamente nada além de uma úlcera e um ódio irracional por pessoas que, na prática, são tão perdidas quanto você.

então me diz: qual é a alternativa? entrar nessa guerra insana? se transformar num desses bonecos histéricos que acordam já prontos para brigar? virar um papagaio de meia dúzia de frases prontas que você nem sabe se acredita de verdade? ou, e aqui está a única escolha que faz sentido, dizer “foda-se” e ser um tolo?

ser um tolo, hoje, não é mais só um ato de rebeldia. é um mecanismo de defesa. porque se você não for um tolo, se não rir da loucura, se não se jogar no caos com um mínimo de desprendimento, você vai ser engolido por essa máquina de insanidade coletiva. vai virar mais um zumbi amargurado, vagando por aí de cara fechada, pronto para tretar com qualquer um que ouse discordar de você.

e eu? prefiro estar do lado de fora. prefiro errar, tropeçar, provar comidas estranhas, rir de piadas inapropriadas, beber com desconhecidos, me perder em cidades onde ninguém sabe meu nome. prefiro ser alguém que, no meio desse apocalipse de gente raivosa e polarizada, ainda consegue se divertir.

porque olha ao seu redor: todo mundo está cansado. todo mundo parece exausto de existir. tem gente que passa horas brigando na internet por coisas que não mudam nada, enquanto a vida real acontece lá fora, desperdiçada. tem gente que acorda, abre o celular e já começa a responder ofensas, como se estivesse num campo de batalha imaginário onde “ganhar a discussão” fosse um troféu digno de orgulho. e no fim? no fim, ninguém convence ninguém de porra nenhuma. só sobra um rastro de frustração e ressentimento.

então, vou te dizer: seja um tolo. o mundo está queimando, e a melhor coisa que você pode fazer é dançar em volta da fogueira, rir alto demais, gastar seu tempo com prazeres genuínos em vez de preocupações fabricadas. coma o que te der vontade sem consultar tabela nutricional, fale besteira sem medo de cancelamento, experimente viver sem pedir permissão.

e enquanto esses guerreiros do teclado passam os dias e as noites cuspindo ódio, convencidos de que estão travando uma guerra nobre, o que realmente acontece? a vida segue. indiferente. enquanto eles discutem a validade de opiniões irrelevantes, o tempo escorre pelos dedos como areia numa ampulheta furada. e, quando finalmente perceberem, será tarde demais. terão passado uma vida inteira construindo trincheiras imaginárias, colecionando desafetos que nunca conhecerão pessoalmente, vencendo batalhas que ninguém nunca reconheceu.

e aí vem a grande pergunta: e você? vai se juntar ao coro dos desesperados ou vai rir na cara desse caos todo? vai passar seus dias planejando respostas afiadas para discussões inúteis ou vai encher o copo, brindar ao absurdo e seguir em frente? porque, sejamos honestos, nada disso faz sentido. sempre estivemos à beira do colapso, só que agora temos wi-fi para transmitir tudo ao vivo. então, a única escolha racional é ser irracional. é ser um tolo.

ser um tolo significa recusar essa falsa seriedade, essa pretensão de que tudo precisa ser profundo, relevante, impactante. não precisa. às vezes, tudo que você precisa é de um sanduíche absurdamente gorduroso às três da manhã.

ninguém lembra do dia em que fez tudo certo. ninguém conta com entusiasmo sobre aquela noite em que foi dormir cedo e acordou revigorado para um dia produtivo. ninguém dá risada relembrando a vez em que evitou riscos e tomou todas as decisões certas. as histórias que valem a pena são as que envolvem caos, erro, surpresa. aquela vez que tudo deu errado e, de alguma forma, deu certo. aquele situação inesperada que mudou sua rota. aquela aposta idiota que rendeu uma lembrança inesquecível.

então, sim, o mundo enlouqueceu. mas ele sempre foi louco. a diferença é que agora a insanidade é transmitida em alta definição para qualquer um assistir. e, já que não há escapatória, só resta a decisão: você vai se perder nesse teatro de horrores ou vai abrir outra cerveja e aproveitar o show? você vai entrar de cabeça na histeria ou vai ser um tolo glorioso, abraçando o erro, o improviso, o prazer momentâneo?

eu já fiz minha escolha. e garanto: ser um tolo é o único caminho que ainda faz sentido.

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2024

apocalypse now

não é um filme. é um colapso nervoso registrado em celuloide. uma experiência sensorial que deveria vir com um aviso: “isso pode te transformar numa pessoa pior, ou melhor, ou simplesmente te fazer perceber que não há diferença entre as duas coisas.” não tem fórmula, não tem estrutura clássica, não tem um fio de esperança no final do túnel. só tem fumaça, sangue, suor, insanidade e a lenta, inexorável aceitação de que o mundo é um lugar sem sentido e que o caos não é um erro, é a regra.

e então coppola, o lunático genial, decide filmar não um épico de guerra, mas a própria guerra. esse não foi um filme feito por um diretor, mas por um profeta insano em meio a uma visão apocalíptica, queimando milhões de dólares, destruindo a própria sanidade e a de todos à sua volta para criar algo que não poderia existir de outra forma. um inferno filmado em tempo real, onde as linhas entre atuação e realidade se dissolvem como corpos na lama. um projeto que deveria ter durado seis meses, mas se arrastou por três anos, consumindo carreiras, destruindo vidas e gerando um monstro cinematográfico que jamais será domesticado.

e os atores? você pode chamar de elenco, mas eu prefiro chamar de vítimas. marlon brando, inchado como um imperador romano decadente, aparecendo no set sem saber as falas, sem dar a mínima para o roteiro, improvisando falas que se tornariam história. brando, uma força da natureza, uma entidade colossal, murmurando suas reflexões sobre o horror com a convicção de um homem que já viu tudo e sabe que nada mais importa. coppola o filmou em sombras, porque seu corpo já não combinava com a lenda, mas sua presença ainda esmagava tudo ao redor.

martin sheen, o protagonista mais relutante da história, afundado até o pescoço num papel que começou a devorar sua própria alma. ele não estava atuando, ele estava desmoronando diante das câmeras. sofreu um ataque cardíaco no meio das filmagens, e ninguém percebeu, porque sua dor já parecia parte do roteiro. um homem que começa o filme afundado na bebida e termina afundado em sangue, cumprindo um destino que ele nunca pediu.

e então tem dennis hopper, o poeta lunático, um amontoado de drogas ambulante que provavelmente não sabia onde terminava a atuação e começava a vida real. seus olhos arregalados não eram atuação. seu discurso fragmentado, sua energia elétrica, tudo isso era ele de verdade. coppola não dirigiu hopper, apenas ligou a câmera e deixou ele se perder.

mas nada, nada te prepara para robert duvall. ele não é só um coronel lunático, ele é a guerra em carne e osso. “adoro o cheiro de napalm pela manhã”, ele diz, com um sorriso no rosto, enquanto corpos queimam ao fundo. porque é isso que a guerra faz com você: transforma matança em poesia, caos em entretenimento, destruição em rotina. duvall, peito estufado, sem medo, caminhando no meio das explosões como se estivesse numa praia paradisíaca. ele não é um vilão, porque este filme não tem heróis ou vilões, só pessoas que aceitaram que a loucura é o único caminho possível.

e se tudo isso ainda não te convenceu de que “apocalypse now” é uma obra-prima forjada no fogo do inferno, então vamos falar da trilha sonora. porque coppola não faz nada pela metade. ele abre o filme com “the end”, dos doors, te arrastando direto para a escuridão. guitarras distorcidas, jim morrison murmurando como um xamã profano, enquanto palmeiras explodem em chamas. e pronto: você já está lá. não tem volta.

e a cena final? willard encontrando kurtz. um confronto sem tiros, sem explosões, sem batalhas heroicas. só duas almas quebradas num templo decadente, cercadas por sombras e loucura. e a morte de kurtz? lenta, ritualística, cortada com imagens de um boi sendo sacrificado. porque coppola quer deixar claro que isso não é só um filme. é um massacre. um rito de passagem. uma descida ao inferno que ninguém sai ileso.

coppola quase enlouqueceu, quase morreu, quase destruiu tudo para fazer esse filme. e valeu cada segundo. porque nunca mais veremos algo assim. hoje, hollywood tem medo. medo de filmes que desafiam, que incomodam, que não te seguram pela mão e te dizem o que sentir. querem te dar finais felizes, respostas fáceis, heróis simpáticos e vilões unidimensionais. querem que você esqueça o horror.

mas o horror nunca esquece de você.

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2024

pensar?

pensar. esse hábito antiquado, quase um desvio de conduta nos dias de hoje. lembro de um tempo em que refletir antes de abrir a boca era considerado uma virtude, uma qualidade mínima para evitar parecer um completo idiota. mas claro, esse tempo passou. agora, a regra é falar primeiro, pensar nunca, e se alguém te chamar de burro, gritar mais alto.

e eu? eu olho ao redor e só vejo um exército de idiotas com megafones, cada um mais convicto da própria estupidez do que o outro. antes, as pessoas pelo menos tinham um leve senso de vergonha quando falavam merda. um olhar desviado, uma risadinha nervosa, um “ah, foi mal, viajei aqui”. hoje? hoje não. hoje a ignorância vem sem freios, sem filtros, sem um mísero pingo de constrangimento. é um festival de absurdos proclamados com a confiança de um professor de harvard, só que sem o detalhe incômodo do conhecimento.

o mais fascinante é que ninguém quer saber a verdade. a verdade dói. a verdade incomoda. a verdade exige pensar. e pensar é cansativo. então pra quê? por que fazer esse esforço desnecessário quando se pode simplesmente repetir frases prontas, cuspir qualquer besteira e ainda sair como vencedor? porque é isso que se faz hoje: quem grita mais, ganha. quem questiona, perde.

eu entro num café e vejo alguém defendendo uma teoria absurda com a certeza absoluta de um messias. um imbecil qualquer, sem qualquer experiência, explicando para um médico como medicina funciona. um idiota com dois neurônios e um wi-fi discutindo ciência com um pesquisador que dedicou 30 anos da vida ao assunto. e o pior? ele sai da conversa convencido de que venceu. porque no mundo de hoje, ter opinião virou sinônimo de estar certo.

a ignorância virou uma escolha consciente, um clube exclusivo para quem rejeita o desconforto do conhecimento. antes, a gente chamava isso de burrice. agora, chamamos de “autenticidade”. um bando de adultos infantilizados, orgulhosos de saber menos do que deveriam, prontos para atacar qualquer um que ameace o frágil castelo de cartas de suas certezas vazias.

eu me sinto cada vez mais um dinossauro, um fóssil ambulante num mundo onde o cérebro é peça decorativa. não que eu me importe. eu ainda penso, ainda questiono, ainda me dou ao trabalho de enxergar nuances onde os outros só veem preto e branco. mas sei que isso me torna uma espécie em extinção. o mundo não quer pensadores. quer repetidores. quer gente dócil, previsível, manipulável. quer um cardume de peixes nadando na mesma direção, felizes e inconscientes, rumo ao anzol.

pensar morreu e ninguém nem apareceu no enterro. ninguém mandou flores, ninguém fez discurso emocionado, ninguém derramou uma lágrima sequer. porque pensar dá trabalho. exige esforço. exige encarar o fato incômodo de que talvez, só talvez, você esteja errado. e quem, em sã consciência, quer lidar com isso?

é muito mais fácil seguir o fluxo, repetir qualquer merda que aparece na tela do celular, absorver manchetes como se fossem evangelhos. virou um grande concurso de quem fala a maior estupidez com a maior convicção. e o pior? os competidores estão cada vez melhores. gente que nunca abriu um livro, nunca estudou um tema a fundo, nunca passou uma madrugada mergulhado em dúvida, mas fala como se fosse dono da verdade absoluta.

opinião virou moeda de troca. e não qualquer opinião… mas a mais barulhenta, a mais inflamável, a que rende mais cliques, mais compartilhamentos, mais treta. dane-se se é verdade. dane-se se tem base. dane-se se é uma completa aberração lógica. o importante é parecer que se tem razão. e nesse jogo, quanto mais ignorante, mais confiante. quanto menos se sabe, mais se grita.

desafiar a estupidez virou crime. apontar que alguém está falando besteira virou ataque pessoal. quem tenta argumentar é “arrogante”, “elitista”, “sabe-tudo”. o novo herói moderno é o burro teimoso, o ignorante que se recusa a aprender, aquele que bate no peito e grita: “essa é a minha opinião e ninguém muda isso!”. porque admitir que pode estar errado dói. e as pessoas hoje em dia têm alergia a qualquer coisa que cause o menor desconforto intelectual.

o mundo não pertence mais aos inteligentes, aos curiosos, aos que se dão ao trabalho de entender. pertence aos que berram mais alto, aos que repetem frases feitas sem questionar, aos que preferem a ignorância confortável à verdade incômoda. e assim seguimos, nessa procissão triunfal da burrice, cada um carregando sua tocha acesa de desinformação, felizes em sua certeza inabalável, rumo ao abismo.

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2024

aspirina

o mundo corporativo é uma grande máquina de lavar cérebros, um espetáculo cuidadosamente coreografado de acenos de cabeça e concordâncias forçadas, onde a autenticidade vai para morrer e a mediocridade veste terno e gravata. ninguém aqui quer a verdade. ninguém quer questionamentos. ninguém quer a pedra no sapato, o grão de areia na engrenagem, o sujeito que enxerga que por trás das palavras bonitas,sinergia, inovação, propósito, existe apenas um grande vazio embalado em powerpoints coloridos. e para garantir que você não veja isso, eles te dão a aspirina.

não a pílula literal, claro. mas algo muito pior: a anestesia comportamental, o condicionamento, a dose diária de conformidade disfarçada de “cultura organizacional”. eles te vendem a ilusão de pertencimento, te enfiam em dinâmicas de equipe forçadas, te convencem de que a meta absurda que te deram é, na verdade, uma “oportunidade de crescimento”. porque, veja bem, não basta apenas explorar seu tempo, sua paciência e sua sanidade, é preciso que você sorria enquanto isso acontece. é preciso que você engula tudo sem mastigar, sem questionar, sem perceber o quão doentio é se convencer de que um aumento de 3% ao ano é gratidão suficiente por ter sacrificado sua vida em reuniões intermináveis.

a aspirina está na forma como eles te ensinam a não questionar. a se calar quando o chefe diz algo estúpido. a engolir seco quando um incompetente é promovido enquanto você continua ali, apagando incêndios e recebendo palmadinhas nas costas. está no e-mail corporativo que chega às 22h, mas é acompanhado de um “só amanhã, sem pressa” que todo mundo sabe que é mentira. está nos feedbacks vagos, na gestão que se diz “horizontal” mas ainda obedece cegamente meia dúzia de engravatados que não fazem ideia do que você faz. a aspirina não serve para aliviar a dor. serve para te impedir de percebê-la.

e quem se recusa a tomá-la? ah, esse não dura. esse se torna o estranho. o “difícil de lidar”. o que “não tem espírito de equipe”. o que olha em volta e percebe que ninguém está realmente vivo ali dentro, apenas existindo, cumprindo tabela, marcando o ponto, aceitando tudo porque pensar na alternativa, que talvez tudo isso seja uma perda de tempo monumental, dá vertigem. e então, meu amigo, vem o momento decisivo: ou você engole a aspirina, silencia a voz na sua cabeça e aceita seu lugar no teatro, ou cospe fora, levanta e descobre o preço real de ver as coisas como elas são.

e esse preço não é barato. porque cuspir a aspirina, rejeitar a anestesia, significa ser expulso do clube. significa ver os olhares trocados quando você fala. significa receber aquele sorrisinho condescendente quando você questiona uma decisão absurda na reunião de equipe. significa que, cedo ou tarde, alguém vai te chamar para uma conversa “informal”… aquele papo amistoso, aquela “troca de ideias”, onde um chefe bem treinado vai, com a voz mais calma do mundo, te perguntar se está tudo bem, se você “está feliz aqui”. a tradução real disso? você está incomodando. você está estragando o jogo. você está se tornando um problema.

porque ninguém gosta do sujeito que enxerga a farsa. ninguém quer sentar ao lado dele no almoço. ninguém quer ser lembrado, o tempo todo, de que aquele entusiasmo forçado nas reuniões semanais é apenas um mecanismo de defesa para não enlouquecer. e é por isso que os que não tomam a aspirina acabam saindo… por conta própria ou empurrados para fora, disfarçadamente, como quem acena um adeus amigável a um colega que “optou por novos desafios” (porque ninguém nunca é demitido, ninguém nunca é sufocado até pedir para sair, eles só “seguem novos caminhos”, certo?).

e o que acontece com quem fica? eles dobram a dose. aceitam mais metas ridículas, participam de mais workshops vazios, decoram mais frases de efeito sobre “pensar fora da caixa” enquanto continuam perfeitamente encaixados na caixa que lhes deram. assistem, sem reação, à chegada de mais um chefe novo, mais um salvador corporativo que vai prometer revolução e entregar apenas mais reuniões. e seguem assim, cada vez mais imersos, cada vez mais incapazes de imaginar um mundo fora desse, até que um dia percebem que passaram 10, 15, 20 anos aqui dentro e que já não sabem mais quem eram antes disso tudo começar.

e no final? bom, no final a empresa manda um e-mail bonito quando você sai. um agradecimento protocolar. um convite para um café que nunca vai acontecer. um reconhecimento falso pelo tempo que você dedicou. e então, num piscar de olhos, o seu nome some do sistema, sua foto desaparece do organograma, e a cadeira onde você sentava já tem outro ocupante, mastigando a mesma aspirina, pronto para repetir o ciclo.

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2024

a divina comédia

ler a divina comédia hoje em dia é quase um ato de resistência. um gesto de pura teimosia intelectual em um mundo que se entrega à superficialidade com o entusiasmo de um turista embriagado em cancún. enquanto tudo ao redor se dissolve em tiktok de dez segundos e análises políticas do tamanho de um tweet, dante nos convida a uma jornada que exige paciência, estômago e um leve desprezo pela gratificação instantânea.

vamos ser honestos: poucos têm coragem. a maioria se contenta com resumos vagabundos ou alguma thread pretensiosa no twitter explicando como o inferno é só uma grande metáfora para a opressão do sistema. dante, coitado, se revira no túmulo toda vez que alguém reduz sua obra-prima a um post de instagram com uma citação mal traduzida.

mas eis o motivo pelo qual essa leitura é mais do que essencial hoje: vivemos tempos infernais. só que, ao contrário do inferno de dante, nosso submundo contemporâneo não tem estrutura, lógica ou uma hierarquia bem definida de punições. o que temos é um pandemônio caótico onde influencers vendem criptomoedas duvidosas enquanto políticos falam em nome de deus para justificar atrocidades. se dante vivesse hoje, o décimo círculo do inferno seria reservado para negacionistas, coachs motivacionais e vendedores de cursos online que prometem riqueza em três meses.

e o purgatório? bom, essa talvez seja a parte mais atual da obra. um lugar onde as almas penam para se livrar de seus pecados e evoluir espiritualmente. soa familiar? o purgatório é basicamente o que chamamos de “desconstrução” nos tempos modernos. uma jornada dolorosa, cheia de culpa e autoflagelação, onde todos tentam provar que são pessoas melhores do que foram ontem. só que, ao contrário do que dante imaginou, nossa sociedade não permite redenção de verdade… só linchamento público e cancelamento seletivo.

e por fim, o paraíso. será que ele ainda existe? ou será que o sonho de um mundo justo, belo e equilibrado foi sequestrado por gurus de autoajuda e palestrantes que dizem que a felicidade é só uma questão de mindset? se o inferno é caótico e o purgatório um tribunal moral perpétuo, talvez o paraíso moderno seja um condomínio fechado para os privilegiados, onde ninguém se preocupa com a fome, a desigualdade ou as catástrofes climáticas, desde que haja um bom sinal de wi-fi.

no fim, ler a divina comédia hoje é um exercício de sanidade. é um lembrete de que o mundo sempre foi cruel, absurdo e recheado de hipocrisia. dante nos deu um mapa do inferno, mas pelo menos nos deixou claro que o sofrimento pode ter poesia, que a jornada pode valer a pena e que, no final, talvez, só talvez, haja alguma luz esperando por nós. nem que seja só a luz de um abajur velho, enquanto terminamos o último canto e percebemos que, de todas as coisas infernais do nosso tempo, a pior delas é viver sem tentar entender um pouco mais.

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2024

cortesia

a cortesia. essa coisa empoeirada, ultrapassada, jogada num canto escuro junto com o respeito, a paciência e a capacidade de ouvir sem ficar esperando a sua vez de falar. nos dias de hoje, ser educado… educado de verdade, não essa gentileza performática de instagram, é quase um desvio de caráter. é estranho, suspeito. porque estamos cercados de gente que acredita que grosseria é autenticidade, que arrogância é sofisticação e que tratar os outros como figurantes é uma prerrogativa dos “vencedores”.

e aí entra essa fauna fascinante: os que usam o luxo como camuflagem. os que se enfeitam com grifes, jóias e relógios que custam o PIB de países pequenos, achando que isso os transforma automaticamente em seres superiores. os que viajam de primeira classe, mas tratam a comissária de bordo como se ela fosse uma máquina de servir champanhe. os que frequentam restaurantes estrelados não pelo prazer da comida, mas pelo prazer de olhar ao redor e saber que estão cercados apenas de “gente do mesmo nível”. essas pessoas não são sofisticadas. são fantasias ambulantes, personagens inseguros se agarrando a símbolos de status para esconder o fato de que, no fundo, não têm nada a oferecer além de um saldo bancário inflado.

e do outro lado, os verdadeiramente grandes. os que já viram de tudo, provaram de tudo, tiveram acesso a tudo e, justamente por isso, não precisam provar nada. os que seguram a porta para os outros, os que agradecem ao garçom pelo serviço, os que não tratam cortesia como um favor, mas como um reflexo do próprio caráter. porque eles entenderam uma coisa que os medíocres nunca vão entender: classe de verdade não é sobre o que você veste, onde você janta ou em que hotel você se hospeda, é sobre a maneira como você existe no mundo.

o que me leva ao ponto principal: se você precisa humilhar alguém para se sentir importante, você já perdeu. se seu valor depende do carro que você dirige, do champanhe que você ostenta ou da quantidade de zeros na sua conta, então parabéns, você é apenas mais um personagem previsível nesse teatro de egos frágeis. e se, além de tudo isso, você ainda acha que cortesia é sinal de fraqueza, então sinto muito, meu amigo, mas você falhou espetacularmente no teste mais básico da humanidade. e o pior? provavelmente vai morrer sem perceber.

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2024

o que aconteceu com o jornalismo?

o que aconteceu com as notícias? sério, me expliquem. porque o que as notícias costumavam ser, e aqui estou me referindo à era pré-internet, quando jornalistas ainda cheiravam a tinta de impressão e tinham orgulho de chamar o que faziam de “informação”, era direto, sem baboseira, sem floreios literários. algo aconteceu, algo explodiu, algo desabou, e lá estavam os fatos, entregues como um chute nos dentes. você não tinha que mastigar três parágrafos de poesia barata sobre o vento soprando no deserto antes de finalmente chegar ao que realmente importava: uma bomba explodiu. pessoas morreram. ponto final. mas agora? agora somos tratados como idiotas sentimentais que precisam de uma introdução melosa para digerir o óbvio.

quer um exemplo? pegue qualquer artigo do new york times. eu desafio você. cada história começa com uma cena cinematográfica. “em uma estrada rochosa no afeganistão, enquanto o sol cruel perfurava o horizonte…” ah, por favor. eu não ligo para o sol. me diga logo: o que aconteceu? uma bomba, certo? porque é disso que estamos falando. a bomba é a notícia. o resto? o resto é um teatro literário para um público que aparentemente não tem capacidade de lidar com fatos crus. e antes que você diga: “ah, mas as pessoas querem contexto”, vamos ser honestos. as pessoas não querem contexto. elas querem drama. querem um parágrafo que as faça sentir como se estivessem lá, com a poeira nos olhos e o cheiro de pólvora nas narinas. porque só o fato? só o fato não vende.

e aqui vem o soco no estômago: ninguém mais está interessado em fatos. fatos são entediantes. sabe o que vende? opiniões. não importa de quem. qualquer imbecil com um microfone ou uma conta no twitter pode dar sua opinião, e as pessoas vão comer aquilo como se fosse caviar. ligue a tv. vá em frente. o que você vai ver? uma fila interminável de “especialistas” debatendo, gritando, te dizendo o que você deve pensar. porque é isso que a maioria quer: um script para repetir como papagaio no próximo jantar em família. e aí você percebe que notícias, aquelas de verdade, imparciais, morreram. e nem tiveram direito a um obituário.

e quer saber o que mais me deixa com raiva? o falso engajamento. porque agora, além de vomitar opiniões em vez de fatos, os jornalistas querem saber o que você pensa. “nos diga sua opinião!” eles dizem. “aqui está nosso twitter! nos diga o que você acha!” sério? eu? o que diabos isso importa? não é pra isso que vocês estão aqui? vocês, os jornalistas, são pagos para investigar, para reportar, para trazer algo com substância. mas não, agora vocês querem minha opinião, como se isso fosse um reality show onde o público tem que votar. e sabe o que mais? a maior parte das pessoas não tem uma opinião. elas têm reflexos condicionados, regurgitando o que ouviram cinco minutos atrás naquele mesmo programa.

é patético. o que costumava ser um serviço público virou uma vitrine de egos, uma disputa de quem grita mais alto, um concurso de beleza intelectual. quer se informar? boa sorte. você vai ter que peneirar toneladas de lixo opinativo até encontrar um único fato, enterrado lá no meio, como uma relíquia arqueológica. na dúvida, vá direto para os obituários. pelo menos lá você ainda encontra a verdade: alguém morreu. não há como torcer isso em um debate. ainda.