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2024

uma mera criança

“uma mera criança.” ah, como eu amo esse termo. essa condescendência casual, essa superioridade mal disfarçada. como se a presença de uma criança fosse algo a ser tolerado, um inconveniente passageiro. deixe-me dizer uma coisa: se existe algo mais insuportável do que a ideia de “uma mera criança”, é um mero adulto. sabe do que estou falando. aquele ser humano cansado, previsível e lamentavelmente entediante. porque, ao contrário de uma criança, honesta, direta, e deliciosamente cruel, o adulto é um mestre da arte do fingimento. sorrisos falsos, opiniões recicladas, egos frágeis escondidos atrás de títulos e currículos. deus me livre.

crianças, por outro lado, são um espetáculo. caóticas? absolutamente. barulhentas? sem dúvida. mas pelo menos elas vivem sem medo de serem elas mesmas. uma criança vai olhar para você e dizer que seu cabelo está ridículo. vai perguntar por que você está sempre tão cansado ou por que sua comida “cheira estranho”. e sabe o que é isso? verdade. crua, direta, libertadora. enquanto isso, um adulto provavelmente diria algo do tipo: “uau, você parece… bem!”, o que, traduzindo, significa: “você está um desastre ambulante, mas eu não tenho coragem de admitir.”

a companhia de uma criança tem algo de purificante, como um banho gelado depois de horas no calor sufocante da mediocridade adulta. as perguntas delas, por mais absurdas que pareçam, têm mais profundidade e curiosidade genuína do que qualquer conversa que já tive em um coquetel corporativo. “por que o céu é azul?”, “os peixes dormem?”, “você acredita em dinossauros?”, são perguntas de quem ainda não desistiu de questionar o mundo. agora compare isso com um adulto, que provavelmente vai querer te contar sobre o novo regime de low carb que ele está seguindo ou como ele finalmente encontrou a cafeteira perfeita. me mate agora, por favor.

então, quando alguém tenta desdenhar, soltando um “é só uma mera criança”, tudo que consigo pensar é: e você, adulto? o que exatamente você está trazendo para a mesa? um arsenal de clichês, inseguranças e papos furados? por favor. se me derem a escolha entre a brutalidade sincera de uma criança e o peso morto emocional de um adulto, vou escolher a criança. todos os dias. sem hesitar.

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2024

microgerenciamento

eu aprendi a odiar microgerenciamento da pior maneira possível: sendo vítima dele. e, em um momento de pura hipocrisia, também sendo o carrasco. sim, eu já fui aquele babaca que achava que sabia melhor que todo mundo, que acreditava que, se eu não estivesse no controle, tudo iria desmoronar. spoiler: tudo desmoronou mesmo. e eu mereci cada pedaço desse colapso.

quando você é microgerenciado, é como se alguém estivesse o tempo todo cutucando sua costela com um garfo. você não consegue respirar, não consegue pensar, não consegue fazer nada sem que alguém esteja ali, em cima de você, dizendo como você deveria fazer. e o pior? você começa a acreditar que talvez eles estejam certos. talvez você seja realmente incompetente. talvez você precise de alguém para te dizer como respirar, como andar, como existir. é uma merda. e eu sei disso porque já estive dos dois lados dessa equação podre.

mas vamos falar sobre quando você é o microgerenciador. ah, sim, eu já fui esse cara. eu já fui aquele chefe insuportável que achava que sabia tudo, que acreditava que, se eu não estivesse no controle, o mundo iria acabar. e adivinha? o mundo não acabou. mas a minha sanidade quase foi pro saco. porque microgerenciar não é só desgastante, é também incrivelmente ineficiente. você gasta tanto tempo tentando controlar cada detalhe que acaba perdendo o foco no que realmente importa. e, no final, tudo desmorona, porque sempre desmorona, e você fica lá, olhando para o caos que criou, se perguntando: “onde foi que eu errei?”

a resposta é simples: você errou em achar que poderia controlar tudo. porque a verdade é que você não pode. ninguém pode. a vida é caótica, imprevisível e cheia de variáveis que estão completamente fora do seu controle. e tentar microgerenciar é como tentar domar um furacão com uma rede de pesca. não só é impossível, mas também te deixa com a sensação de que você é um completo idiota por ter tentado.

e, no entanto, nós continuamos tentando. porque, no fundo, nós somos criaturas de hábitos, e microgerenciar é um hábito difícil de quebrar. é como fumar, só que pior, porque em vez de destruir só o seu pulmão, você destrói também a paciência de todo mundo ao seu redor. mas, ei, pelo menos você pode dizer que tentou, certo? ou melhor, que falhou gloriosamente. e no fim das contas, não é disso que a vida se trata? falhar, aprender na dor e, com sorte, não repetir o mesmo erro no dia seguinte.

então, aqui vai o meu conselho, vindo de alguém que já foi microgerenciado e já tentou microgerenciar: não faça isso. não seja aquele chefe chato, aquele colega insuportável, aquele controlador de merda. confie nas pessoas ao seu redor. delegue. deixe as coisas fluírem. porque, no final do dia, o mundo não vai acabar se algo der errado. e, se acabar, bem, pelo menos você não vai ser o único culpado.

e se você ainda está pensando em microgerenciar, aqui vai um exercício mental: imagine que você está em um bar, tomando uma cerveja gelada, e alguém chega do seu lado e começa a te dizer exatamente como você deve beber. “não beba tão rápido!” “cuidado com o golinho!” “não esquece de olhar a espuma!” como você se sentiria? provavelmente, você mandaria essa pessoa ir tomar no cu. e, no entanto, é exatamente isso que você faz quando microgerencia. você é aquele cara chato do bar, só que no ambiente de trabalho. e, acredite, ninguém gosta daquele cara chato do bar.

então, pare. respire. solte as rédeas. porque, no final das contas, a vida é muito curta para ser gasta tentando controlar cada mínimo detalhe. e, se você ainda não aprendeu isso, bem, talvez você precise de mais algumas doses de dor para entender. mas, ei, pelo menos você vai ter uma boa história para contar. ou, pelo menos, uma desculpa para tomar mais uma dose daquela bebida forte que você tanto gosta.

bon appétit, meu amigo. e boa sorte. você vai precisar.

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2024

segredo da vida

ah, o segredo da vida. sempre tem alguém tentando empacotar isso numa frase bonita de almanaque, como se a vida fosse uma aula de meditação guiada ou uma planilha do excel. mas quer saber? o segredo da vida é ridiculamente simples: desperdiçar o seu tempo da maneira que você gosta. é isso. não é um destino, não é uma missão, nem sequer um plano. é só isso. um desperdício. glorioso, delicioso, egoísta, totalmente seu.

veja bem, eu não estou falando de “carpe diem” ou de fazer cada segundo contar. não estou falando de produtividade disfarçada de filosofia de vida. estou falando de se entregar ao inútil. o profundamente inútil. aquele tipo de passatempo que faria qualquer coach de produtividade ranger os dentes de ódio. passar uma tarde inteira cozinhando algo que pode dar errado. ficar horas olhando o mar sem escrever uma única linha no seu diário porque, adivinhe só, você não tem um diário. perder horas num bar qualquer conversando com um desconhecido sobre absolutamente nada. isso é viver. o resto é power point.

e eu sei, vai aparecer aquele amigo que sempre tem uma opinião não solicitada, falando que “tempo é dinheiro” ou que você deveria estar “investindo em si mesmo”. por favor. como se a vida fosse uma startup e eu estivesse na busca infinita por capital emocional. meu tempo não é dinheiro. meu tempo é meu. e eu vou gastá-lo como quiser, mesmo que isso signifique ficar sentado, bebendo vinho barato e ouvindo a mesma música dez vezes seguidas.

porque, no fim das contas, viver não é sobre colecionar conquistas ou dar sentido a tudo. às vezes, é só sobre gastar tempo de um jeito que faz você sorrir. o resto é marketing.

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2024

vivendo no limite

eu estava voltando de nova york quando assisti vivendo no limite, e honestamente, não poderia haver filme mais apropriado para encerrar aquela experiência. ali estava eu, exausto, meio irritado, ainda com o cheiro da cidade impregnado em mim, aquela mistura de comida de rua, lixo úmido e asfalto quente. meu corpo já estava no avião, mas minha cabeça ainda estava lá, naquela bagunça incessante de vozes e luzes. e aí, entra scorsese, como quem diz: “deixa eu te mostrar o que você realmente viu”.

porque vivendo no limite não é só um filme, é como a ressaca emocional de nova york colocada em celuloide. frank pierce, o paramédico desgraçado vivido pelo cage, era como uma extensão do que eu sentia. ele não dorme, não pensa direito, só reage, é empurrado por uma cidade que nunca desliga, que nunca deixa ninguém respirar. nova york tem esse talento especial de te sugar a energia e ainda assim te viciar nela. e vendo frank correndo por aquelas ruas, eu conseguia quase sentir o peso da mochila, o cheiro de sangue, o desespero de quem só quer um momento de silêncio, mas não consegue desligar o ruído interno.

o que realmente me pegou foi como aquele caos parecia, de algum jeito, fazer sentido depois de dias na cidade. sabe quando você caminha por horas, passa por milhares de rostos, histórias, tragédias que nem são suas, mas que, de alguma forma, você carrega mesmo assim? é isso que frank vive, e é isso que nova york faz com você. te joga no meio do turbilhão e te desafia a encontrar qualquer coisa remotamente parecida com paz. no fundo, talvez seja isso que faz a cidade ser tão fascinante.

e assistindo ao filme, com aquela trilha sonora melancólica e os flashes de neon passando pela janela da ambulância, foi impossível não conectar. as sirenes do filme me lembravam as sirenes que ouvi nas noites lá, cortando o ar pesado. o cansaço nos olhos de frank era o mesmo cansaço que via nas pessoas ao meu redor, nos garçons, nos motoristas de táxi, até mesmo nos turistas que estavam claramente fingindo que ainda estavam se divertindo.

assistir vivendo no limite no voo de volta não foi sobre encontrar respostas ou um senso de “significado” naquela bagunça toda. foi sobre reconhecer o caos e, de certa forma, fazer as pazes com ele. porque, na real, nova york não se importa com você. nem o filme. nem scorsese. nem frank pierce. e é aí que está a beleza disso tudo: nada disso precisa fazer sentido.

saí do avião com a sensação de que havia sobrevivido a alguma coisa. como frank saindo de mais um turno, sem dormir, sem pensar, só sobrevivendo. não foi um sentimento de alívio ou conquista, foi mais como uma aceitação de que o mundo é isso mesmo: barulhento, confuso, exaustivo. mas, por algum motivo, você continua. não porque espera alguma recompensa divina, mas porque, de alguma forma, é tudo o que dá para fazer.

talvez seja por isso que vivendo no limite bateu tão forte. porque, no final, frank não é um herói. ele não se redime. ele só continua. e naquela cabine apertada do avião, com as luzes fracas e o ronco de algum idiota na poltrona da frente, percebi que eu também só estava continuando. não porque a vida é linda, mas porque a bagunça, o cansaço, o barulho, tudo isso, de alguma forma, é a prova de que ainda estamos vivos. e, às vezes, isso é o suficiente.

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2024

guia definitivo contra babacas

ser crédulo é quase um rito de passagem. você começa a vida confiando que o mundo é feito de gente que sabe o que está fazendo. acredita nas certezas ditas com autoridade, nos conselhos mastigados e cuspidos como se fossem a bíblia. “beba dois litros de água por dia e sua vida será perfeita”, “ninguém falha se trabalhar duro”, “é só acreditar em si mesmo que o universo conspira”. parece fácil. parece lógico. e você engole. porque, no fundo, é mais confortável acreditar que existe um manual, que alguém já desvendou o quebra-cabeça e tá te entregando as respostas de graça.

o problema é que o tempo passa, a conta não fecha e as “verdades” começam a feder. você percebe que a maioria dessas máximas vem de gente que ou nunca testou o que prega ou, pior, testou, fracassou e agora tá só inventando desculpa pra não lidar com a própria mediocridade. esses babacas adoram ouvir o som da própria voz. aquele cara que tem opinião sobre tudo, que tá sempre pronto pra te explicar como a vida funciona, mas que nunca conseguiu resolver os próprios problemas. ele usa palavras como se fossem armas e joga verdades como se fossem granadas, sem nunca olhar no espelho pra ver o quanto tá perdido.

é aí que o filtro começa a nascer. não é algo que você decide conscientemente, mas uma defesa natural. você aprende a detectar o tom, aquele tom de quem fala como se tivesse descoberto o sentido da vida numa xícara de café frio. começa a notar os padrões: a confiança desproporcional, as frases feitas, as generalizações. o filtro é o resultado de anos ouvindo discursos vazios de pessoas que se levam a sério demais.

mas não é só sobre perceber o quão babacas os outros podem ser. é também sobre perceber o quão babaca você já foi por acreditar neles. porque, sejamos honestos, tem algo de confortável em seguir regras alheias. é fácil deixar alguém te dizer o que fazer. difícil é admitir que você tá sozinho nesse caos, sem guia, sem manual, sem resposta pronta. o filtro, então, não é só uma barreira contra a estupidez dos outros. é também um lembrete de que você tem que pensar por si mesmo. e pensar por si mesmo é, no mínimo, assustador.

o ser babaca que insiste em gritar certezas existe porque a insegurança de admitir a própria ignorância é insuportável pra maioria das pessoas. ninguém quer ser o cara que diz “eu não sei”. ninguém quer se olhar no espelho e ver um idiota confuso encarando de volta. é muito mais fácil vestir o figurino de especialista, dar conselhos não solicitados e se sentir superior por cinco minutos. porque, no fundo, eles também estão perdidos, mas ao invés de lidar com isso, preferem fingir que têm as respostas. o filtro é o que te permite enxergar isso: que a maioria das pessoas tá só fingindo. e que, às vezes, você também tá.

então, quando alguém aparece com mais uma dessas pérolas universais, eu escuto. mas escuto como quem vê um mágico de rua tirando moedas da orelha. sei que tem truque. sei que tem ilusão. e sei que, no final, não tem nada ali além de fumaça e reflexos. o filtro me protege, mas também me lembra que a única coisa que faz sentido nessa bagunça é aprender a conviver com o fato de que ninguém sabe absolutamente nada.

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2024

new york

nova york. eu não vivo aqui, mas sempre que passo por essas ruas, sinto que ela me desafia, me provoca, me observa com aquele olhar insolente de quem sabe que é irresistível. porque, no fundo, é isso que ela é. a sedutora definitiva. você pode odiá-la, amá-la, fugir dela, mas nunca vai ignorá-la. nova york não deixa.

essa cidade é um organismo vivo, faminto, pulsando de vida, de histórias, de sonhos empilhados uns sobre os outros como os arranha-céus que dominam o horizonte. é impossível não se sentir pequeno aqui, mas, de alguma forma estranha, isso é libertador. ninguém está te olhando. ninguém liga para quem você é, o que você faz ou de onde você veio. e talvez seja exatamente isso que faz dela tão honesta. você é livre para se perder, para se reinventar, para desaparecer no meio da multidão ou gritar para o mundo quem você quer ser.

nova york não é gentil, mas também não é cruel. ela simplesmente é. e você se adapta ou não. ela não vai parar por você. nunca parou por ninguém. mas se você se entregar, se deixar levar, pode encontrar um pedaço de você mesmo aqui. porque cada rua, cada esquina, carrega algo. uma lembrança, uma possibilidade, uma promessa.

há algo incrivelmente honesto na maneira como a cidade opera. não há espaço para ilusões. você vê tudo. o luxo ostentador da quinta avenida e o lado mais cru do bronx, o chef estrelado e o cara que vende hot dogs em um carrinho enferrujado, tudo convivendo no mesmo espaço, dividindo a mesma respiração. e é exatamente isso que faz nova york ser única. não há maquiagem, não há filtro. só uma mistura caótica de tudo que é humano.

e as pessoas. claro, elas são duras, às vezes quase cínicas, mas não sem coração. elas têm essa energia, essa urgência que pode ser confusa para quem está de fora. mas, no fundo, todo mundo aqui está tentando fazer o mesmo. encontrar seu lugar no caos. e, de algum jeito inexplicável, funciona.

nova york não é perfeita. ela não é feita para ser. mas é viva. é um soco no estômago, um abraço apertado, um grito no meio da noite. não é fácil, não é para todos. mas para quem entende, para quem aceita a cidade como ela é, nova york pode ser tudo.

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2024

que tipo de lugar eu gosto?

eu tenho uma atração patológica por lugares que fazem você questionar a existência de qualquer tipo de ordem no universo. sabe, aqueles cantos onde nada funciona direito, onde o conceito de “pontualidade” é tratado como uma piada interna e o som ambiente é uma sinfonia de buzinas, xingamentos e o ocasional som de vidro quebrando. onde a sua mala chegar inteira, ou sequer chegar, é considerado um presente dos deuses do transporte. lugares onde, se tudo der errado (e vai), você ainda consegue rir, porque, afinal, você já sabia onde estava se metendo.

eu amo o caos. não o caos cinematográfico e polido, mas o caos real, cru e sujo. ruas que parecem um quebra-cabeça de 5 mil peças jogado no chão por uma criança revoltada, sistemas que só funcionam para quem sabe as manhas, e você, claro, não sabe. e as pessoas? elas não estão nem aí. discutem, gesticulam como se estivessem dirigindo o trânsito celestial e seguem suas vidas, enquanto você, o forasteiro, tenta não ser atropelado por uma scooter carregando uma família inteira e talvez uma galinha.

e é claro que eu sempre chego nesses lugares com aquela combinação idiota de expectativa e nostalgia romântica. “vai ser incrível,” penso eu, antes de ser recebido com um atendente do aeroporto que parece ter feito um voto pessoal de nunca ajudar ninguém. mas sabe o que é mais ridículo? eu adoro isso. adoro a sensação de estar na merda até o pescoço. adoro o desafio de tentar entender por que diabos o taxista decidiu pegar um caminho que inclui uma rua alagada e uma feira de rua. porque nesses lugares, qualquer pequena vitória, como conseguir pedir uma coca-cola sem ser roubado, parece uma conquista épica.

são lugares sem verniz, sem filtro, sem preocupação com a sua experiência de turista. e talvez seja exatamente isso que me fascina. porque no meio da bagunça, das gambiarras, dos olhares que dizem “boa sorte, trouxa,” eu vejo algo real. algo que não dá a mínima para a sua ideia de como as coisas deveriam ser. e, de alguma forma, é isso que me faz voltar. ou sou só um idiota.

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2024

minha bagagem

fazer uma mala pra duas semanas de trabalho no inverno de nova york é um ato de rebeldia contra o excesso e, ao mesmo tempo, uma declaração de estilo. é separar quem entende o jogo de quem acha que viajar é carregar a casa nas costas. mala grande? erro de principiante. mala despachada? suicídio logístico. se você não consegue sobreviver com uma mala de mão, você não está pronto pra nova york – ou pra vida.

nova york não espera por ninguém, e o frio também não. ele não quer saber se você trouxe três cachecóis ou a sua coleção de suéteres pastel. ele vai atacar e te pegar despreparado, especialmente se você estiver carregando tanto peso que parece estar filmando um episódio de sobrevivência no ártico. pra mim, é simples: eu desço do avião leve, rápido e preparado. enquanto a multidão ainda tá no corredor lutando com o compartimento de bagagem ou lamentando a mala perdida, eu já estou no táxi.

1. a bota – a fiel escudeira

tênis no inverno de nova york é igual guarda-chuva barato: uma traição esperando pra acontecer. a minha bota de couro? surrada, impermeável, feita pra encarar neve, poças de água que você preferia nunca ter pisado, e até aquele bar duvidoso onde o chão gruda. ela vai no meu pé no avião, porque usar um espaço precioso na mala pra algo tão vital é o tipo de erro que só quem despacha bagagem cometeria.

2. segunda pele – a diferença entre você e um cadáver congelado

duas boas camadas térmicas, porque o frio de nova york não é só frio. ele entra por baixo da sua roupa, passa pela sua dignidade e se instala na sua alma. a segunda pele é o seu escudo. uma pra usar, outra pra quando a primeira estiver gritando por socorro. e, não, aquela camiseta velha de algodão não serve.

3. o casaco que aguenta tudo

esse é o seu tanque de guerra. preto, cinza ou qualquer cor que não grite “eu sou um turista perdido, me enganem”. ele enfrenta ventos glaciais, mantém sua aparência respeitável, e vai da rua pra sala de reuniões sem pedir desculpas. algo que você usaria tanto pra atravessar o brooklyn bridge quanto pra pedir um bourbon num bar do west village.

4. uma camisa que diz “eu sei o que estou fazendo”

preta ou azul escura, porque cores berrantes são pros otimistas – e ninguém com otimismo sobrevive ao inverno nova-iorquino. essa camisa é sua arma secreta: perfeita pra reuniões, jantares ou fingir que você tem sua vida sob controle, mesmo que esteja há 48 horas sem dormir.

5. quatro camisetas pretas – o uniforme do sobrevivente

preto é a cor oficial de quem não tem tempo pra besteiras. não amassa, não denuncia manchas, e faz você parecer mais interessante do que realmente é. essas camisetas me levam de uma reunião entediante a um bar clandestino no brooklyn, sempre com a mesma eficiência.

6. duas calças – porque é o suficiente pra qualquer pessoa normal

uma jeans escura, porque vai do trabalho ao happy hour sem levantar suspeitas. e uma calça térmica ou cargo, porque enfrentar o frio sem funcionalidade é coisa de quem quer sofrer. mais do que duas calças? desculpa, mas você não tá viajando, tá se mudando.

7. gorro e luvas – ou aceite o sofrimento

o gorro salva seu cérebro de virar um bloco de gelo, e as luvas são a única coisa entre seus dedos e o desespero absoluto. e não, você não é “forte” por tentar encarar o frio sem eles; você só parece mal preparado.

8. roupas íntimas: o cálculo matemático da decência

uma por dia menos dois. confie em mim, lavar roupa no meio da viagem não é um ato de desespero, é eficiência pura. meias? térmicas. ruins? só se você quer transformar seus pés numa história triste.

9. eletrônicos: o kit básico da sobrevivência moderna

celular, carregador, e bons fones de ouvido. nada de fones que vieram de brinde com seu último celular, pelo amor de tudo que é sagrado. laptop, porque você está trabalhando. mas, sério, se você está pensando em levar um console de videogame, eu só tenho uma pergunta: por quê?

10. necessaire compacta, mas imbatível

escova de dente, pasta, desodorante e creme pras mãos, porque o frio destrói tudo – até sua dignidade. perfume pequeno, porque ninguém quer ser o colega que cheira a café velho e cansaço acumulado. shampoo e sabonete? hotel tem, e se não tiver, vá ao mercado mais próximo.

11. sair do avião como se fosse uma operação militar

essa é a parte onde você ganha. enquanto o resto do voo ainda tá lutando com bagagem de mão entupida e caras de frustração, eu já estou no corredor, indo em direção à saída. e enquanto os perdedores estão na esteira de bagagens, olhando com tristeza pro vazio, eu já tô no táxi, tomando um café quente e pronto pra encarar a cidade.

tudo cabe numa mala pequena. porque viajar é sobre eficiência, não excesso. e quem carrega mais do que o necessário está carregando seus medos, suas inseguranças, e, provavelmente, um suéter horrível que nunca vai usar. nova york não tem tempo pra isso, e eu também não.

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2024

como foi meu aniversário

ficar mais velho é aquele lembrete anual de que o mundo continua girando – só que agora, sem o mesmo entusiasmo quando chega o seu aniversário. você organiza tudo, prepara o melhor que pode, coloca sua alma ali. quer celebrar, quer reunir as pessoas que gosta, e quer, claro, sentir que isso importa pra elas também. mas aí, no grande dia, você percebe que as coisas mudaram. ou talvez elas só ficaram mais evidentes.

quando criança, um aniversário era quase um festival em sua homenagem. as pessoas vinham carregadas de presentes, sorrisos, e aquela ideia palpável de que você era importante. o presente não era só um objeto; era um gesto, um reconhecimento, uma forma de dizer: “eu pensei em você.” e isso valia mais que o carrinho ou a boneca que você encontrava ao abrir o pacote. era sobre a consideração.

hoje, essa consideração parece ter ficado na infância. ninguém traz nada. não que seja sobre os objetos – eu juro que não é. é sobre o que eles simbolizam. sobre alguém ter parado, mesmo que por cinco minutos, pra pensar: o que posso levar que mostre que me importo? mas, ao que parece, até esse pequeno esforço se perdeu no meio do caminho. em vez disso, o que vem é a desculpa educada: “eu nem sabia o que comprar, você já tem tudo!”. e aí você percebe que a pessoa nem tentou.

claro, todos vieram. e isso, em si, é bonito. mas não dá pra evitar aquele pensamento incômodo: será que, no fundo, o aniversário se tornou mais um evento obrigatório pra elas, uma pausa rápida na rotina, sem o significado que ele tem pra mim? porque, sim, pra mim significa muito. significa reunir quem eu amo, sentir que sou valorizado, que minha presença é algo que marca.

não é sobre o presente físico. é sobre o gesto, o tempo, a intenção. é sobre alguém ter olhado pra uma prateleira qualquer e pensado: “essa pequena coisa vai fazer o dia dele mais especial.” e, sim, poderia ser um pacote de café, uma flor, ou até um cartão escrito à mão. algo que dissesse: “eu lembrei de você, e quis mostrar isso.” porque, no final das contas, o presente sempre foi só isso: uma tradução simples de carinho.

então, talvez a culpa seja minha. talvez eu tenha esperado demais. mas, honestamente? esperar ser considerado, querido e lembrado em um dia que é, simbolicamente, o meu dia, não deveria ser demais. e, no entanto, aqui estamos. no próximo ano, quem sabe eu troque as expectativas por algo mais garantido – uma viagem, talvez…

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2024

viajar pra valer

eu tenho uma regra simples para qualquer cidade nova: fuja do hotel. sim, aquele lobby lustroso com aroma de baunilha artificial, as toalhas dobradas como cisnes e o menu do serviço de quarto prometendo “clássicos internacionais”. é uma armadilha, uma prisão de quatro estrelas que te coloca o mais longe possível da alma do lugar onde você está. não caia nessa. corra. fuja. jogue fora o mapa, esqueça o concierge. você quer aventura ou só mais uma foto de um prato insosso pra postar com a legenda “vibes”? escolha.

regra dois: evite turistas como se eles fossem um vírus altamente contagioso. se o lugar tem fila de gente com mochilas de trekking e chapéus de palha, você já perdeu. se a placa do restaurante é bilíngue, ou pior, trilíngue, nem passe pela calçada. qualquer lugar que use as palavras “autêntico” ou “tradicional” no cardápio já está mentindo na sua cara. se o garçom te cumprimenta em inglês antes mesmo de você abrir a boca, saia. rápido. esses lugares existem para confortar turistas, não para alimentá-los.

o verdadeiro jogo começa com a regra três: encontre o restaurante que ninguém te recomendaria. o lugar que parece meio decadente, com cadeiras tortas, mesas de fórmica arranhadas e um cardápio que talvez nem exista. você quer aquele tipo de restaurante onde os clientes são vizinhos, amigos do dono, talvez até parentes. aquele que parece existir para eles, e não para você. é aí que mora a verdade.

não sabe onde achar? fácil. vá até um lugar qualquer – um mercado, um café, até mesmo um taxista – e pergunte: “onde você come?” mas faça isso do jeito certo. nada de “onde está o melhor restaurante da cidade?” – porque ninguém vai te levar a sério. pergunte como quem quer um segredo, algo que eles só dividem com os amigos. a resposta quase sempre vai te levar a um canto esquecido da cidade. perfeito. se ouvir o mesmo nome mais de uma vez, bingo.

quando chegar lá, não espere nada “instagramável”. você não está atrás de flores comestíveis ou apresentações dignas de reality show gastronômico. você está atrás de uma cozinha que ainda não se rendeu. a comida vai ser simples, direto ao ponto e, se você tiver sorte, feita com amor de verdade. aquele tipo de amor que vem de alguém que aprendeu a cozinhar com a avó e não com um chef de estrela michelin.

sente-se. peça o que eles recomendarem. e quando o prato chegar, esqueça a estética. mergulhe de cabeça. porque ali, naquele garfo de algo que você não consegue pronunciar direito, está a alma de uma cidade. não a versão polida para turistas, mas a real. a que te alimenta, não te impressiona.

no fim das contas, as melhores experiências não têm endereço no google maps. elas não vêm com fotos bonitas ou hashtags. elas vêm de errar o caminho, de perguntar para as pessoas certas e de estar disposto a entrar em lugares que parecem nada – e descobrir que são tudo.