
tradições. eu as odeio e as amo com a mesma intensidade com que as pessoas comem peru seco no natal fingindo gostar. elas são ao mesmo tempo âncora e combustível, um lembrete insuportável do que já fomos e um grilhão que nos impede de seguir em frente. são como aquela cicatriz antiga: uma prova de sobrevivência, mas também uma lembrança de dor que você gostaria de esquecer. eu tento fugir delas, mas, de alguma forma, sempre volto rastejando. porque, no fundo, tradições são o que nos torna humanos. e também o que nos mantém miseravelmente presos à nossa própria estupidez.
vamos ser claros: tradições são, em sua essência, uma teimosia institucionalizada. o mundo muda, as pessoas mudam, tudo ao nosso redor está em constante transformação. mas lá estão elas, as tradições, com seus dedos ossudos agarrados ao “sempre fizemos assim”. é o grito de guerra dos medrosos, dos conformados, de quem prefere repetir o passado em vez de arriscar o desconhecido. “mas é tradição!” eles dizem, como se isso fosse uma justificativa. não é. é só a desculpa preguiçosa de quem tem medo de pensar, de evoluir, de admitir que talvez o que funciona para uns não funcione mais para outros.
e, mesmo assim, não consigo abandoná-las. porque, no fundo, tradições também têm um quê de poesia. aquele jantar de família que acontece todo ano, mesmo que seja sempre o mesmo desastre. as brigas, as risadas forçadas, o vinho barato, a comida que não sai como planejado. tudo isso é uma bagunça, mas é a nossa bagunça. é aquele momento em que, por mais torto que seja, você sente que pertence a algo maior, mesmo que esse “algo maior” seja só um grupo de pessoas malucas tentando não se matar antes da sobremesa.
mas o problema é que nem todas as tradições têm essa graça. algumas são só pesos mortos. relíquias mofadas de um passado que já devia ter sido esquecido. tradições que perpetuam preconceitos, que oprimem, que dizem às pessoas como viver, como amar, como existir. essas, eu quero ver queimadas. tradições que dizem às mulheres que lugar de respeito é longe do poder. que dizem aos homens que sentir é fraqueza. que transformam diversidade em ameaça. essas eu quero enterrar, e nem me dou ao trabalho de fazer um funeral bonito.
a verdade é que tradições são uma faca de dois gumes. elas podem nos conectar, nos dar propósito, nos lembrar de onde viemos. mas também podem nos acorrentar, nos impedir de evoluir, nos obrigar a carregar o peso de ideias que já deviam estar mortas e enterradas. a questão é simples: o que vale a pena manter e o que precisa ser destruído?
e aqui está a parte que realmente importa: tradições boas não são estáticas. elas evoluem, se adaptam, se tornam algo maior do que eram. a receita da sua avó pode ganhar novos ingredientes, novos significados. o ritual pode mudar, mas o espírito continua. é isso que faz uma tradição ser viva, relevante. o resto é só entulho emocional.
então, sim, eu odeio tradições. e as defendo. porque elas são um espelho distorcido da humanidade. mostram o melhor e o pior de nós. e talvez seja por isso que, apesar de tudo, eu não consigo largá-las. porque, no final das contas, elas são a cola que mantém tudo junto. mesmo que, às vezes, seja uma cola ruim, cheia de rachaduras.
então aqui vai meu brinde ao ano novo: que a gente saiba o que vale a pena guardar. e que tenha coragem de jogar fora todo o resto. porque o mundo muda. e nós também deveríamos.