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2024

o final de ano

dezembro. o mês em que a humanidade resolve provar, mais uma vez, que perdeu completamente a sanidade. não é o natal, não é o ano novo – são os dias que precedem essas datas. essa febre coletiva, essa histeria mal disfarçada de “preparativos”. todo mundo agindo como se estivesse numa competição olímpica de “quem consegue perder mais a cabeça no menor tempo possível”. é fascinante, na pior forma possível.

o que me espanta é como tudo, absolutamente tudo, vira um exercício de caos. o simples ato de sair de casa se torna uma missão suicida. as ruas, normalmente confusas, se transformam numa selva urbana onde ninguém sabe pra onde tá indo, mas todo mundo tem pressa pra chegar lá. filas pra tudo: caixa eletrônico, estacionamento, farmácia, até pra entrar no elevador do prédio. as pessoas parecem possuídas, cada uma com uma lista de tarefas impossíveis e um senso de urgência que só piora a situação.

e os mercados? meu deus, os mercados. você entra pra comprar algo simples, tipo pão, e é recebido por uma multidão que decidiu que hoje é o dia de estocar suprimentos pra uma guerra nuclear. perus congelados voam de um carrinho pro outro, pessoas brigam pelo último pacote de uvas-passas como se aquilo fosse a chave pra sobrevivência da humanidade, e sempre tem alguém parado no meio do corredor, encarando uma prateleira como se estivesse escolhendo o destino do próprio filho. o ambiente? uma mistura de gritos, sons de carrinhos colidindo e aquela música de natal insuportável tocando no fundo, como um lembrete sádico de que não há escapatória.

e os shoppings? ah, os shoppings são o apocalipse com escadas rolantes. você não entra num shopping em dezembro, você é sugado pra dentro dele, engolido por uma massa de pessoas em busca de “presentes perfeitos” que, no fundo, ninguém quer ou precisa. crianças gritam porque o papai noel é assustador, adultos gritam porque não conseguem achar vaga no estacionamento, e todo mundo parece preso num frenesi de consumo compulsivo, como se a data tivesse se transformado numa desculpa pra enlouquecer em público.

e, claro, tudo isso culmina nas tão esperadas festas de fim de ano corporativas. ah, sim, o glorioso circo corporativo, onde o chefe tenta parecer humano, o estagiário bebe demais, e aquele colega insuportável que você mal tolera no dia a dia acha que é uma ótima ideia puxar conversa sobre “metas para o próximo ano”. o ambiente? um pesadelo semi-iluminado por luzes pisca-pisca, com música ruim tocando tão alto que ninguém consegue ouvir o próprio desconforto. é um teatro obrigatório onde a máscara de “boa convivência” escorrega perigosamente, mas nunca o suficiente pra alguém realmente dizer o que pensa.

e tudo isso – tudo isso – pra quê? pra no dia 25 você perceber que comprou coisas demais, comeu coisas demais e ficou tempo demais perto de pessoas que só tolera porque é socialmente esperado. mas o verdadeiro espetáculo é o que acontece antes, quando todo mundo se perde numa loucura desnecessária, como se o fim do ano fosse um teste de resistência mental e não um simples calendário virando página. e o pior? todos nós fingimos que isso é normal.

sabe o que deveria acontecer? um lockdown natalino. um grande “fica em casa, por favor, e pare de ser insuportável”. fecha tudo: shoppings, mercados, até os aplicativos de delivery, só pra ver o mundo entrar em colapso porque não tem mais como comprar panetone gourmet ou aquela garrafa de vinho caríssima que ninguém sabe pronunciar o nome. imagina a paz: ruas vazias, silêncio absoluto, e ninguém tentando te empurrar no corredor do supermercado pra pegar o último pacote de castanhas. seria o verdadeiro espírito natalino.

mas, claro, isso nunca vai acontecer. porque as pessoas precisam do caos, elas se alimentam dele. então, se você quer fugir dessa insanidade, a saída é ser estratégico. primeiro, pare de fingir que precisa participar de tudo. tem um convite pra festa da firma? ignore. eles vão sobreviver sem você fingindo que gosta daquele colega que mastiga alto. compras de última hora? esqueça. ninguém vai morrer se não ganhar aquele presente genérico comprado no impulso.

quer saber? suma. desapareça. invente uma viagem pra um lugar fictício – “ah, vou pra uma ilha no pacífico, sabe como é, sem sinal de celular” – e passe o mês inteiro ignorando mensagens e convites passivo-agressivos. ou fique em casa e cultive a arte de não fazer nada, um luxo que deveria ser obrigatório em dezembro.

e, se ainda assim alguém insistir pra você “entrar no clima”, olhe nos olhos dessa pessoa e diga: “o clima já está insuportável, obrigado”. e vá embora. porque a única maneira de sobreviver ao fim do ano com a sanidade intacta é não se deixar arrastar pelo tsunami de loucura coletiva. fique parado. veja o mundo passar correndo. e, quando tudo acabar, dê aquele sorriso satisfeito de quem passou por dezembro sem entrar no ringue com uma sacola de compras na mão.

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2024

naked lunch

se você ainda não leu naked lunch, do william s. burroughs, preciso perguntar: o que exatamente você anda chamando de “literatura”? romances bem comportados que começam na infância de um personagem, passam por um trauma previsível e terminam com uma epifania qualquer? não me diga que ainda acha que kerouac é transgressor. ele é um passeio de bicicleta numa tarde de primavera comparado ao que burroughs faz aqui.

naked lunch não é um livro. é uma incisão. uma cirurgia feita sem anestesia, com instrumentos enferrujados, diretamente na parte da sua mente que você tenta evitar a todo custo. burroughs não escreveu — ele esculpiu. cada página é um corte, cada palavra é um bisturi. e o que ele expõe não é bonito, não é confortável, e certamente não é para os covardes. é sujo, grotesco, e, no entanto, brilhante de um jeito que poucos livros ousam ser.

não espere linearidade. não espere uma “história”. burroughs não está interessado em te contar algo. ele quer que você se perca, que tropece nas suas próprias convicções, que se encontre sozinho em um beco escuro da sua consciência, perguntando o que acabou de acontecer. naked lunch é como ser arremessado sem aviso dentro de um filme noir dirigido por alguém que acabou de tomar um coquetel de substâncias questionáveis.

e é isso que o torna essencial. porque, ao contrário da maioria dos livros que você leu — aqueles que se esforçam tanto para te agradar, para te entreter — naked lunch não quer nada com você. ele não se importa se você entende, gosta ou até mesmo sobrevive a ele. burroughs escreveu isso para se livrar de si mesmo, para exorcizar demônios que a sociedade prefere ignorar. e no processo, ele criou uma obra que não só desafia todas as convenções, mas destrói qualquer ideia de conforto que você tenha sobre o que a literatura “deveria” ser.

ler naked lunch é um ato de coragem, não uma escolha de lazer. você não lê para passar o tempo, lê para confrontar algo visceral e incômodo — e, no final, algo profundamente humano. porque, em meio às seringas sujas, aos personagens decadentes e às imagens desconexas, há uma verdade ali que poucos autores têm a ousadia de tocar. burroughs enxerga a podridão do mundo, mas mais do que isso, ele te força a enxergá-la também.

você pode fugir. pode colocar esse livro na estante e voltar para os romances que te deixam dormir à noite. mas, se fizer isso, vai perder algo raro. naked lunch não é só uma leitura; é uma experiência transformadora. e sejamos sinceros, você precisa disso mais do que imagina. então pare de adiar. abra o livro. perca-se nele. e quando sair do outro lado — se sair —, vai entender porque burroughs não é apenas um autor, mas um cirurgião da alma humana.

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2024

sim ou melhor não

deixa eu te contar uma coisa. no começo, eu era o rei do “sim”. o cara que não sabia a diferença entre oportunidade e roubada. eu dizia “sim” pra tudo como se minha vida dependesse disso – porque, de certa forma, achava que dependia. me jogava de cabeça em qualquer projeto, qualquer convite, qualquer aventura. mesmo que fosse para carregar caixotes no porão de um restaurante fuleiro por umas moedas, ou ir a uma festa de gente insuportável fingindo que eu dava a mínima. porque, né, “tudo é experiência”, me diziam. e eu acreditava. pobre coitado.

“sim” virou meu mantra, meu passe livre para o mundo. “sim, eu trabalho de graça.” “sim, eu aguento mais um chefe babaca.” “sim, eu vou naquele bar de merda com gente que odeio.” porque, claro, tinha aquela voz na minha cabeça dizendo: vai que isso é a porta de entrada pra algo incrível? mas deixa eu te contar: 99% dessas portas não levam a lugar nenhum. ou, pior, levam direto pro inferno. e, por um tempo, você vai tolerar isso. porque, veja bem, o início é sobre acumular histórias. aprender. tomar porrada.

mas então, como toda boa tragédia, a ficha cai. você acorda um dia e percebe que está vivendo a vida de todo mundo menos a sua. aceitou tanto lixo que virou lixeira. se deixou engolir por um tsunami de favores, projetos inúteis, e reuniões que podiam ter sido um e-mail – e ainda assim, nem um e-mail você queria receber. o “sim” te deixou exausto, drenado, vazio. e é aí que vem o momento de iluminação: aprender a dizer “não”.

parece simples, né? não é. dizer “não” é um exercício diário de resistência. é botar limite nas pessoas e no mundo. é olhar na cara do fulano que quer que você “faça isso rapidinho” e responder: “não, meu amigo, eu não vou ferrar meu dia pra consertar o seu.” e deixa eu te dizer, o primeiro “não” dói. parece que você está quebrando um pacto sagrado. mas, cara, é libertador. dizer “não” é como arrancar uma farpa gigante do pé que você nem sabia que estava lá.

mas tem um truque aqui. não é só sobre dizer “não” pra tudo e virar um ermitão ranzinza (embora, honestamente, às vezes pareça uma boa ideia). é sobre saber pra quem e pra quê você diz “sim”. porque quando você diz “não” pra besteiras, você cria espaço pro que realmente importa.

lembra daquela sensação de pular numa piscina sem saber o que tem dentro? bom, agora você já sabe que algumas estão cheias de porcaria. mas outras? outras são refrescantes, desafiadoras, transformadoras. e você só descobre isso aprendendo a discernir.

então, meu conselho? no começo, diga “sim”. diga “sim” até pro trabalho mais ridículo, pra ideia mais idiota, porque você precisa aprender onde estão os limites – e, spoiler: você só aprende passando por eles. mas quando você começar a entender o jogo, quando já tiver um arsenal de histórias pra contar e cicatrizes pra exibir, é hora de virar a chave. seja o mestre do “não”.

e quando te perguntarem por que você mudou, por que não está mais disponível pra todo mundo, responda com um sorriso de canto de boca: “porque finalmente entendi que meu tempo vale mais do que isso.”

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2024

felicidade

se você está esperando as condições perfeitas pra ser feliz, sinto informar: você já perdeu. sim, perdeu. perdeu o jogo, o prêmio, o sentido. porque essa ideia de que a felicidade vai chegar quando o mundo finalmente parar de ser uma bagunça é uma das maiores mentiras que já contaram. e o pior? você acreditou. comprou o pacote completo, com direito a manual de instruções, garantia de satisfação e retorno em 30 dias. mas deixa eu te contar uma coisa: não tem devolução. e a vida? a vida não tá nem aí.

pega o walter mitty. o homem dos sonhos impossíveis. ele vive numa bolha de fantasias, cada uma mais espetacular que a outra, mas nenhuma se concretiza. sabe por quê? porque ele tá esperando. esperando o momento certo, a coragem certa, o vento soprar do jeito certo. e, enquanto ele espera, a vida passa por ele, como um trem desgovernado. até que, um dia, ele cansa de esperar. ele para de fingir que precisa de condições perfeitas e se joga no desconhecido. e aí descobre o óbvio: a felicidade tá na bagunça, no risco, no fracasso, no improviso. não no destino, mas no caminho tortuoso que você nunca planejou.

agora corta pro breaking bad. walter white, o exemplo perfeito de quem passou a vida inteira fazendo tudo “certo” e se ferrando miseravelmente por isso. ele foi o marido modelo, o professor dedicado, o cidadão exemplar. e o que ele ganhou? um diagnóstico de câncer e uma pilha de arrependimentos. então, ele finalmente faz o que devia ter feito a vida toda: liga o foda-se. ele se entrega ao caos, à insanidade, à liberdade. e sabe o que acontece? ele descobre que viver não tem nada a ver com segurança, e tudo a ver com assumir o controle, mesmo que isso signifique destruir tudo ao seu redor. ele errou? sim. mas ele viveu.

e que tal apocalypse now? o capitão willard, mandado pro meio do inferno, enfrenta a selva, a loucura, e o horror absoluto. ele não espera que as condições melhorem. ele não tá esperando um manual de sobrevivência ou um mapa detalhado do caminho. ele simplesmente segue, porque é isso ou desistir. e no meio desse caos existencial, ele descobre algo brutalmente verdadeiro: felicidade não é o que você encontra no final da estrada. é o que você descobre quando aceita que a estrada é um campo minado e mesmo assim segue em frente.

ou olha pro clube da luta. o narrador é o clichê ambulante do conformismo moderno: um escravo de consumo, cercado por móveis bonitinhos e uma vida perfeitamente inútil. até que ele conhece tyler durden, o profeta do caos, que o faz entender a verdade mais simples e dolorosa: felicidade não vem de preencher o vazio com coisas. ela vem de destruir as ilusões que você construiu pra fingir que tava tudo bem. felicidade é olhar pro caos e dizer: “ok, é isso. vamos ver até onde isso vai.”

e claro, um estranho no ninho. randle mcmurphy, preso numa instituição que representa tudo que é morto, previsível, controlado. ele não espera. ele provoca. ele ri na cara da ordem, desafia as regras, vive mesmo sabendo que o sistema vai esmagá-lo no final. porque ele entende que a felicidade não tá no resultado, mas na luta. no ato de desafiar a própria existência, mesmo que você perca.

e, por último, o velho e o mar. santiago, o pescador, sabe que tá indo contra probabilidades absurdas. ele sabe que o mar é impiedoso, que o peixe pode ser grande demais, que a vitória é improvável. mas ele vai assim mesmo. não porque ele acredita num final feliz, mas porque ele entende que a felicidade tá no ato de tentar, de lutar, de resistir. ele não tá esperando por um milagre. ele tá se movendo, porque é isso que a vida exige.

então, como é? você vai continuar esperando o trem que nunca chega? esperando que o mundo te dê um passe livre pra ser feliz, como se a vida fosse um clube VIP e você só precisasse da senha certa pra entrar? ou vai finalmente perceber que felicidade é uma conspiração improvisada, um assalto mal planejado à mediocridade cotidiana? porque, veja bem, a vida não é uma obra-prima em progresso. ela é um rascunho sujo, cheio de borrões e rabiscos. e se você está esperando a versão final, sinto muito: não tem edição especial.

pensa no walter mitty outra vez. ele não foi parar no topo do himalaia porque tava tudo perfeito. ele foi porque não aguentava mais viver dentro da própria cabeça. felicidade não chegou pra ele no momento em que tudo se encaixou. chegou no momento em que ele aceitou que nunca ia se encaixar. o risco, o medo, o improvável — foi isso que fez valer a pena. e você? tá esperando o quê? o convite especial pra viver? ou vai continuar sentado, curtindo o conforto raso da inércia?

e o walter white? o que te impede de ligar o foda-se (de um jeito menos criminoso, espero) e fazer algo que te faça sentir vivo? por que você acha que ainda não tá pronto? a grande piada da vida é que ninguém nunca tá. não tem botão mágico que ativa a coragem ou o timing perfeito. tem o agora. e tem você. qualquer coisa além disso é só desculpa pra não se mexer.

ou pega o capitão willard, de apocalypse now. ele não pediu pra estar no meio daquela loucura, mas ele foi. e ele encontrou alguma coisa — mesmo que fosse uma verdade desconfortável e suja — porque ele parou de fugir e simplesmente encarou. e isso é tudo que a felicidade exige de você: que você pare de esperar as condições ideais e encare a vida como ela é. selvagem, confusa, imprevisível. porque é no meio desse caos que as melhores coisas acontecem.

e não se engane. não é sobre “vencer”. não é sobre “chegar lá”. o velho e o mar já te explicou isso. santiago não venceu o mar, não trouxe o peixe de volta inteiro, mas ele viveu. ele lutou. e é aí que tá o ponto. felicidade é o que acontece enquanto você tá na luta. enquanto você tá remando contra a maré, mesmo sabendo que o barco pode virar.

então, vou te perguntar: o que você tá esperando? um dia ensolarado? uma mensagem divina? porque tudo o que você tem é isso: o agora. imperfeito, bagunçado, maravilhoso. felicidade não é um prêmio. é um ato de coragem. e ou você se joga agora ou passa a vida inteira esperando por algo que nunca vai vir. porque o tempo não para, meu amigo. e nem a vida.


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2024

as vozes na minha cabeça

não, eu não sou louco. longe disso. na verdade, seria loucura não ter vozes na cabeça. loucura seria viver em silêncio absoluto, um deserto mental onde nem mesmo o vento sopra, sem ninguém para discutir comigo ou me trazer um pouco de drama barato. eu tenho uma rádio interna funcionando 24 horas por dia, uma espécie de netflix particular onde cada voz tem sua hora e seu show.

quando algo extraordinário acontece, algo que parece um sopro de sabedoria divina, a voz é sempre dele: morgan freeman. profunda, calma, paternal. como se deus tivesse se dado ao trabalho de sussurrar diretamente no meu ouvido, só para que eu entendesse de uma vez por todas a resposta óbvia que estava bem na minha cara. “é assim, meu filho, aceite. não complique.” e eu, claro, acato. porque discutir com morgan freeman seria o auge do desrespeito.

a voz sarcástica, aquela que adora pegar o meu erro pela gola e esfregar na minha cara como um filhote mal treinado? essa soa como a jodie foster em ‘o silêncio dos inocentes’ — fria, precisa, impiedosa. ela não grita. só olha para mim, levanta uma sobrancelha e diz com uma calma assassina: “parabéns, gênio. mais uma vez você se superou.” e não há argumento que resista.

quando estou irritado, descontente ou pronto para um discurso inflamado, quem toma a palavra é o al pacino em ‘scarface’. aliás, que se dane a sutileza. ele vem rugindo, cuspindo as palavras, uma metralhadora de indignação pura: “você quer jogar comigo? você sabe com quem está lidando?” e lá estou eu, marchando pela sala, falando sozinho enquanto ameaço, no melhor estilo tony montana, o caos imaginário.

mas há também uma voz mais nostálgica, mais melancólica. um contador de histórias cansado que parece ter visto de tudo. um misto de tom waits e nick cave, uma voz rouca de quem fumou demais, bebeu mais ainda e ainda assim sobreviveu para contar. ela surge à noite, quando a casa está silenciosa, e sussurra contos sobre o que foi, o que poderia ter sido e o que nunca será. sempre com aquele peso poético de uma canção que você ouve no fundo do bar às três da manhã.

e claro, há a voz da dúvida. essa é a pior. não tem um rosto específico, porque é um ventríloquo habilidoso que se disfarça em qualquer um. um crítico sem identidade. às vezes soa como um amigo, às vezes como um professor, às vezes como eu mesmo. ela pergunta baixinho: “tem certeza? e se estiver errado? e se ninguém se importar?” é uma voz irritante, insistente, que sabe exatamente onde tocar para me deixar instável.

mas louco? não. eu não sou louco. minhas vozes têm personalidade, têm estilo, têm elenco premiado. um verdadeiro teatro mental com direito a drama, comédia, tragédia e um pouco de suspense. talvez eu até cobre ingresso um dia. porque, afinal, por que desperdiçar uma produção tão elaborada apenas comigo?

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2024

eu odeio listas de metas para o próximo ano

listas de metas para o próximo ano. me diga, com toda a honestidade do mundo: você realmente acredita nessa palhaçada? ou isso é só mais uma desculpa socialmente aceitável para fingir que a bagunça caótica que chamamos de vida pode ser resolvida com meia dúzia de tópicos escritos em um caderninho que você vai esquecer na gaveta antes mesmo do carnaval? vamos encarar os fatos: listas de metas não são planejamento, são teatro. e você não é protagonista de nada. é só mais um figurante tentando dar sentido a um roteiro que ninguém escreveu.

o engraçado – ou trágico, dependendo do humor – é que essas listas geralmente começam com o que chamo de “mentiras clássicas”. “vou cuidar mais da minha saúde.” ah, por favor. você sabe tão bem quanto eu que o mais perto que você vai chegar disso é assinar uma academia que nunca vai frequentar ou comprar um pacote de chá que promete “desintoxicar” a alma. cuidar da saúde? nem sei se você lembra como é uma salada, e tenho certeza de que aquele tênis de corrida que você comprou no ano passado ainda está com a etiqueta.

e a grande campeã das resoluções inúteis: “vou economizar dinheiro.” porque, claro, o plano é gastar menos e “pensar no futuro”. mas aí aparece aquele celular novo, ou uma viagem irresistível, e lá vai você, culpando as “circunstâncias” enquanto seu saldo bancário grita por socorro. a verdade é que você quer economizar, mas só depois de ter comprado absolutamente tudo o que te fizer sentir momentaneamente menos miserável.

e o desenvolvimento pessoal? “vou ler mais, aprender um idioma, fazer um curso.” é sempre a mesma conversa fiada. você compra dois livros que nunca termina, baixa um aplicativo de idiomas que te manda notificações irritantes por uma semana, e paga por um curso online que só serve para encher sua caixa de entrada com e-mails que você nem lê. no final, a única coisa que você realmente aprendeu é que nunca vai cumprir nada disso – mas ei, ao menos você tentou, certo?

a realidade é que essas listas existem por uma razão muito específica: elas te dão a ilusão de controle. como se escrever “ser uma pessoa melhor” em um pedaço de papel fosse te transformar magicamente em alguém digno de admiração. mas sabe qual é a verdade? você não quer ser uma pessoa melhor. quer apenas parecer uma. quer postar nas redes sociais que está “em uma jornada de autoconhecimento”, enquanto vive exatamente como sempre viveu – no piloto automático, tomando decisões que nem você entende.

não me entenda mal. eu não sou contra mudanças. sou contra mentiras. contra essa farsa anual que nos faz acreditar que é possível resolver a complexidade de nossas vidas com meia dúzia de frases vagas e irrealizáveis. o que você realmente quer – e sabe disso – não está em uma lista. não pode ser resumido em “perder peso” ou “ser mais produtivo”. o que você quer é algo real, tangível, que te tire da rotina e te faça sentir vivo. e isso, meu amigo, não se planeja. isso acontece.

então aqui vai minha sugestão para o próximo ano: esqueça a lista. coma algo memorável. vá a um lugar onde nunca esteve. diga “sim” a algo que te assusta. passe mais tempo com pessoas que te fazem rir até a barriga doer e menos com gente que você suporta por obrigação. não porque isso vai te transformar, mas porque, no final das contas, é isso que realmente importa. o resto? o resto é só tinta no papel.

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2024

huntsman

ah, o canivete suíço huntsman. esse pequeno pedaço de perfeição alpina que não só cabe no seu bolso, mas parece sussurrar: “você não precisa de mais nada. eu sou suficiente.” uma ode portátil à funcionalidade, e talvez o único objeto que faz você se sentir preparado para tudo — desde abrir uma garrafa de vinho até improvisar uma cirurgia no meio do mato (ou pelo menos tirar aquela farpa irritante do dedo). ele não é apenas um canivete, é uma lição de vida em aço inoxidável: seja útil, seja direto, e nunca, jamais, seja entediante.

e claro, o gancho. o glorioso, estranho e absolutamente improvável gancho. a ferramenta que parece feita para resolver problemas que ninguém nunca teve. “criado para carregar caixas de doces amarradas com cordas”, dizem. porque, aparentemente, na Suíça, isso era uma prioridade. um problema urgente. alguém no QG dos canivetes suíços levantou a mão e disse: “e se alguém precisar carregar caixas de chocolates com cordas elegantes?” e ao invés de rirem dessa ideia absurda, eles fizeram acontecer. é ridículo, é maravilhoso, é puro suíço.

mas o gancho é mais do que isso, claro. ele é o amigo que aparece do nada com uma solução mágica. corrente de bicicleta quebrada? usa o gancho. precisa puxar algo que ninguém em sã consciência puxaria? lá está ele, piscando pra você. ele é o símbolo perfeito de um objeto que insiste em ser mais útil do que você jamais será. e o melhor: ele está ali, quieto, esperando. você provavelmente nunca vai usá-lo, mas o simples fato de saber que ele está lá te faz dormir mais tranquilo à noite.

agora, o resto das ferramentas do huntsman. ah, essas pequenas maravilhas. as lâminas? afiadas o suficiente para cortar o ego de um chef pretensioso ou abrir qualquer embalagem ridiculamente selada por alguma conspiração corporativa contra a humanidade. o abridor de vinho? um lembrete de que, não importa o caos que te rodeia, sempre há tempo para uma garrafa de cabernet sauvignon. a tesoura? uma aberração de precisão que corta como se tivesse algo a provar. e não vamos esquecer a pinça. pequenininha, quase invisível, mas ali para salvar sua dignidade quando uma farpa resolve te transformar em um bebê chorão no meio de uma trilha.

o que faz o huntsman tão especial, no entanto, não é só o que ele faz. é o que ele simboliza. ele é o oposto de tudo que está errado com o mundo moderno. enquanto seus gadgets morrem porque você esqueceu de carregar a bateria (de novo), o huntsman está lá, eterno, funcional, indiferente às suas desculpas patéticas. enquanto seus aplicativos te deixam na mão, ele é a solução física, palpável, real. ele é a anti-bugiganga, a resposta definitiva para o consumismo vazio.

em um mundo que venera o descartável, o huntsman é uma relíquia de algo melhor, algo mais sólido. ele não é um grito, não é uma declaração espalhafatosa. ele é um sussurro de confiança: “não importa o que aconteça, eu dou conta.” ele não quer atenção, ele só faz o trabalho. e faz bem.

no fundo, ele não é só um canivete. ele é uma aula de humildade em forma de metal. uma lembrança de que, com as ferramentas certas, você pode conquistar o mundo. ou pelo menos parecer que consegue. porque no final das contas, a verdadeira arte do canivete suíço não é o que ele faz, mas o que ele te faz acreditar. e no caos do dia a dia, essa ilusão é tudo o que você precisa.

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2024

simplicidade

simplicidade. o conceito mais perigoso do planeta, porque ele faz a pergunta que ninguém quer ouvir: “e se não precisasse de tudo isso?” imagina só, o colapso da civilização moderna se essa ideia pegasse. um mundo onde as pessoas aceitassem que às vezes as coisas funcionam melhor sem camadas inúteis. um mundo onde o café fosse só café, e não uma experiência sensorial feita com grãos digeridos por gatos selvagens no himalaia. mas, claro, isso nunca vai acontecer. as pessoas têm pavor de admitir que vivem complicando tudo porque não sabem o que fazer com o vazio.

olha pro design de um lápis. a coisa mais básica e funcional já inventada. e sabe o que é mais doido? ele continua perfeito. você consegue escrever um romance com um lápis. mas tenta enfiar isso numa reunião de brainstorming hoje em dia. alguém vai sugerir que o lápis “precisa se modernizar”. provavelmente vão adicionar uma conexão bluetooth, talvez uma luz led que mude de cor, e antes que você perceba, o maldito lápis custa 300 dólares e nem escreve direito. porque simplicidade não vende. ela não impressiona. e, principalmente, ela não alimenta essa máquina insaciável de status.

mas sabe o que é a maior piada? o simples é a única coisa que funciona de verdade. todas as coisas que a gente não vive sem – fogo, água, pão, vinho – são tão antigas e simples quanto o próprio tempo. você pode criar a versão mais elaborada e extravagante do que quiser, mas no final das contas o que faz seu coração parar é a coisa mais básica. um prato de arroz e feijão. um gole de cerveja gelada. o silêncio de um lugar onde ninguém está tentando te impressionar.

mas as pessoas não conseguem lidar com isso. o simples exige algo que falta em quase todo mundo hoje em dia: confiança. porque você só pode ser simples quando sabe que é suficiente. quando não precisa de uma apresentação cheia de gráficos pra justificar sua existência. e isso, meu amigo, aterroriza a maioria. então, em vez disso, todo mundo corre na direção oposta. criam uma vida inteira feita de ornamentos inúteis, só pra evitar admitir que talvez a coisa mais verdadeira que você pode fazer é sentar e não fazer absolutamente nada.

mas, ei, quem sou eu pra julgar? continue aí, tentando reinventar a roda enquanto os japoneses estão te servindo sushi com três ingredientes desde sempre. continue comprando móveis complicados enquanto uma cadeira de madeira feita há um século ainda faz o trabalho. continue explicando pra todo mundo como seu cappuccino é diferente porque foi servido numa taça de cristal. eu? vou ali comer uma fatia de pão com manteiga e lembrar que a vida é só isso. simples. perfeita. e suficiente.

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2024

ler

ler, de verdade, não é para qualquer um. vamos deixar isso claro. é um esporte de resistência, uma prática cruel e solitária para aqueles que ainda têm a audácia de achar que podem entender algo mais complexo do que uma legenda de instagram ou uma dancinha no tiktok. porque um bom livro, um livro de verdade, não te dá nada de bandeja. ele não está aqui para te agradar, te confirmar ou te massagear o ego. ele está aqui para te testar. te confundir. te ferrar.

os melhores livros? esses são os piores. os que te fazem sentir burro. os que você fecha, olha para a capa e pensa: “eu perdi alguma coisa aqui, não é possível.” e perdeu mesmo. porque um bom livro é como aquele cara mal-encarado no bar que sabe que é mais esperto que você e ainda faz questão de esfregar isso na sua cara. ele joga referências que você não entende, constrói frases que te fazem tropeçar, te dá silêncios que parecem cheios de significados que, honestamente, você provavelmente nunca vai captar. e é exatamente por isso que você volta. porque você quer, desesperadamente, provar que é capaz.

mas aqui está o segredo: você nunca é. os livros que realmente importam são aqueles que você entende em camadas. lê aos 20, acha uma coisa. lê aos 40, acha outra. aos 60, percebe que estava errado o tempo todo. e aí morre. e o livro continua lá, inalterado, enquanto você apodrece na ignorância. porque é assim que funciona. livros não precisam de você. eles estavam aqui antes de você e continuarão depois que você virar poeira. mas você precisa deles. precisa da porrada intelectual, da humilhação, do soco no estômago que só um bom texto pode te dar.

então, sim, a leitura exige que você desenvolva uma tolerância quase zen para a incompreensão. e, sejamos honestos, isso não é para todo mundo. vivemos em uma época em que as pessoas não conseguem lidar com cinco segundos de silêncio sem pegar o celular para “ver algo rápido.” imagina encarar 400 páginas de algo que você nem sabe se vai entender. mas, se você ainda acredita nisso — na beleza de ser desafiado, na glória de não entender nada hoje e talvez entender um pouco amanhã —, parabéns. você é um dos últimos. um dinossauro perdido em um mundo de idiotas. boa sorte aí.

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2024

ser líder é ter coragem

ser líder é ter coragem, sim. mas não essa coragem cinematográfica de herói que desafia vilões enquanto a música épica sobe ao fundo. não é coragem de discurso inflamado ou de capa voando ao vento. é a coragem crua e silenciosa de quem escolhe ficar quando seria mais fácil sair. a coragem de ser o idiota que diz: “eu assumo”.

ter coragem como líder não é gritar mais alto que todo mundo; é manter a voz firme quando tudo em volta está desmoronando. é admitir que você não tem todas as respostas, mas ainda assim se levantar para tentar encontrá-las. coragem é encarar reuniões onde ninguém concorda com ninguém e sair de lá com um plano – ou pelo menos com a disposição de tentar de novo amanhã.

é ter a audácia de ser odiado. porque, acredite, ser líder significa que, em algum momento, você será o vilão da história de alguém. você vai tomar decisões impopulares. vai decepcionar pessoas. vai ser chamado de insensível, autoritário, ou simplesmente burro. e sabe qual é a parte corajosa? seguir em frente mesmo assim. saber que agradar todo mundo não é só impossível – é covarde.

coragem como líder também é sobre assumir os riscos. é fácil ser valente quando a responsabilidade não é sua, quando as consequências não vão cair no seu colo. mas liderar é entrar na linha de fogo sabendo que, se der errado, a culpa será sua – mesmo que não seja. é ter peito para dizer “sim, vamos nessa”, quando o caminho está enevoado e cheio de armadilhas.

e não é só sobre o grande espetáculo, as decisões que mudam tudo. às vezes, a coragem está nas pequenas coisas. em admitir que errou. em pedir ajuda. em olhar nos olhos de alguém e dizer o que ele não quer ouvir, mas precisa. em segurar as pontas de alguém que está caindo aos pedaços, mesmo quando você também está.

ser líder é ter coragem de ser humano. de ser vulnerável, mas continuar avançando. de mostrar força, mas sem se esconder atrás dela. de enfrentar os próprios medos para que os outros sintam que podem enfrentar os deles. não é bonito, não é épico, mas é necessário. e é isso que separa os líderes de quem só gosta do título.