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2025

tinta

escrever com caneta em papel, em pleno 2025, é o equivalente contemporâneo a caçar sua própria comida com uma faca de osso enquanto o resto da galera tá pedindo sushi por drone e discutindo produtividade com coach de lifestyle no tiktok. é um gesto arcaico, quase obsceno, tipo usar dinheiro vivo ou saber de cor o número de telefone da sua mãe. ninguém faz mais isso. ninguém quer fazer mais isso. e é por isso mesmo que eu faço. não porque sou especial, deus me livre dessa palhaçada, mas porque gosto de lembrar que ainda sou um ser humano de carne, osso, raiva, tinta e letra horrível.

escrever com caneta é como cozinhar com gordura de porco em plena era do air fryer. é ruidoso. é engordurado. tem gosto de verdade. todo mundo hoje quer a porra da eficiência, da estética minimalista, do teclado silencioso. querem resultados rápidos, limpos, pasteurizados, sem suor, sem cheiro. e aí entro eu, suando porco, puxando um caderno encardido e uma caneta bic mastigada com dentes de nervoso, rabiscando pensamentos tortos que não servem pra nada… nem pra like, nem pra engajamento, nem pra monetização.

porque escrever à mão é anti-instagram. é slow food mental. é escrever uma frase de merda, riscar com ódio, escrever outra pior, amassar a folha, jogar no lixo, catar de volta, ler, rir da própria decadência e escrever de novo. não tem botão de “salvar”. não tem “nuvem”. só tem você, seu ego inflado, e a verdade crua do que sai da sua cabeça quando não tem corretor ortográfico segurando sua mão.

e sabe o que mais? tem algo deliciosamente obsceno em escrever algo que ninguém vai ler. num mundo onde tudo precisa virar post, story, thread, podcast, curso, e-book, NFT e sei-lá-mais-o-quê, escrever só por escrever… com caneta, num papel que pode ser rasgado, queimado, cagado por um pombo… é subversão pura. é tipo mijar na fonte da juventude. é dizer: “eu ainda faço isso aqui por mim, não pra vocês, seus bastardos sedentos por conteúdo”.

e eu sei, vão dizer que isso é nostalgia. que é pose. que é fetiche retrô de intelectual decadente. que caneta é coisa de professor frustrado e diário de menina dos anos 90. e, olha, talvez seja mesmo. mas ao menos, quando escrevo com caneta, eu sei onde minhas palavras estão. sei o peso que elas têm. sei a sujeira que deixam.

e isso, meu chapa, é muito mais do que posso dizer de um monte de PDFs que ninguém lê, de textão de linkedin com emojis corporativos, ou de legendezinhas de foto de café com frases de bukowski.

então que se foda a praticidade. que se foda o teclado. que se foda a “experiência do usuário”. escrever com caneta é ter uma experiência com o eu, com a falha, com o grotesco, com a beleza imprecisa da letra que muda conforme o humor, a bebida ou o nível de desespero.

escrever à mão, hoje, é um grito surdo no meio do show de luzes da modernidade. e eu, com minha caneta estourando no bolso da camisa, continuo gritando. porque ainda acredito que certas ideias precisam sujar os dedos antes de virarem qualquer coisa que preste.

e, convenhamos, se você nunca escreveu algo com tanta raiva que rasgou o papel… talvez você nem esteja vivo de verdade.

e é exatamente por isso que 90% das coisas que escrevo vocês nunca lerão… pois estão em algum caderno de papel ou já foram destruídos pelo tempo ou por mim mesmo!

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2025

não é marca, é ofício

olha, eu não tô interessado em participar desse desfile de consumo coreografado onde cada objeto precisa ter um logo visível, um QR code e a aprovação silenciosa de meia dúzia de influenciadores que nunca sujaram a roupa fora de um set. pode ficar tranquilo. eu passo. o que eu uso, o que eu escolho carregar comigo, não foi feito pra agradar. foi feito pra durar. e mais do que isso… foi feito com a audácia quase herética de permitir conserto. sim. conserto. aquela coisa jurássica que exige paciência, habilidade e um certo nível de respeito pela existência material das coisas.

é isso que separa o lixo com brilho do que realmente importa. porque qualquer coisa pode ser feita pra durar até o próximo lançamento. agora, ser feito pra durar e ainda por cima merecer ser consertado? isso é outra conversa. isso é uma declaração de princípios. é como dizer: “eu não tô aqui pra te impressionar, eu tô aqui pra te acompanhar enquanto o mundo desaba em volta.”

cada peça que eu tenho foi feita por alguém que entendeu o valor do tempo. alguém que não tava tentando ganhar curtidas ou entrar no radar de tendência. gente que trabalha com silêncio, com precisão. gente que não tem pressa porque sabe que apressado só faz plástico. e plástico, por mais que reluza, morre jovem e sem história.

é por isso que eu uso botas que parecem ter sobrevivido a três revoluções e um inverno em stalingrado. casacos que pesam como promessas sérias. ferramentas que não piscam, não falam com o celular, mas funcionam. sempre. porque foram feitas por mãos que conhecem erro, conhecem acerto e conhecem a diferença brutal entre design e ilusão.

e quando uma costura abre, um zíper emperra, uma peça quebra… ótimo. sinal de que viveu. sinal de que tem história. sinal de que é gente grande o suficiente pra não pedir desculpa. e aí vem a parte bonita… você manda consertar. não por nostalgia. mas porque vale. vale o esforço. vale o tempo. vale o sapateiro, o costureiro, o torneiro, o velho da oficina que sabe mais sobre matéria do que qualquer ceo sabe sobre propósito.

as minhas coisas não têm pressa. não têm pose. não pedem desculpa por não serem bonitas no padrão da revista. mas elas aguentam. resistem. voltam. e quando eu olho pra elas, vejo tudo o que não cabe na lógica atual… o imperfeito que melhora, o velho que ganha valor, o gasto que ensina. coisas que, em vez de se desfazerem com o tempo, ganham tempo.

então sim, pode ficar com seus tênis de lançamento, seus gadgets de plástico reciclado, suas roupas feitas pra durar três lavagens e uma crise de estilo. eu fico com o que me acompanha em silêncio, cheio de marcas, cheirando a couro, óleo e teimosia. porque elegância de verdade não grita. ela permanece. mesmo remendada. e ainda assim, mais inteira do que muita coisa que saiu da loja ontem.

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2025

vampiros

por aí, espalhados feito barata em rodoviária, existe um exército invisível de sugadores de energia. não brilham no escuro, não flutuam, não têm capa. vestem roupas normais. falam baixo. têm emprego, usam emoticons e dizem “gratidão” no fim das mensagens. são inofensivos à primeira vista, mas deixa eles chegarem perto. é quando eles encostam, mesmo que só com um “como você tá?” que começa o roubo. não é sangue que eles querem. é a tua clareza. tua presença. tua porra de paz.

vampiro moderno não morde. ele comenta. ele se aproxima sorrindo e solta um “posso te contar uma coisa?”, como se fosse dividir uma receita de pão, mas na verdade é um container inteiro de angústia, ansiedade, inveja, drama e chorume emocional. e você, o babaca compreensivo, escuta. com a cabeça. com o fígado. com a alma. cada palavra entrando na tua mente como um balde de óleo velho.

tem os que sugam no silêncio. esses são refinados. não pedem nada, mas estão sempre ali, sugando só de existir. são âncoras com cara de afeto. você fica cinco minutos perto e já quer dormir pra sempre ou se matricular num retiro em algum buraco no tibet.
e tem os mais sofisticados, os que se fingem de sábios. parecem que vão te ensinar alguma coisa, mas na real só querem te desmontar com meia dúzia de frases vazias, disfarçadas de conselho. são os coachs emocionais do fracasso. se alimentam de dúvida alheia. vampiros com canudo de inox.

o mais perverso? eles são comuns. são amigos de infância. colegas de trabalho. vizinhos que mandam bom dia com figurinha. gente que parece ter vindo com manual de etiqueta, mas por dentro são pura sucção.

e a gente aprende a viver desviando. olhando no olho e fingindo que não viu o convite pro abismo. dizendo “não posso agora” como se estivesse ocupado com algo importante… tipo aprender a sobreviver sem ser drenado todos os dias por criaturas com cara de gente e alma de buraco negro.

se o mundo fosse justo, essas pessoas andariam com etiqueta de advertência…
contém alta voltagem de desgosto existencial, contato prolongado pode causar apatia crônica, cansaço inexplicável e vontade súbita de mudar de planeta.

mas não, elas vêm sem bula. sem filtro.
e a gente só percebe depois que já tá seco. seco e sorrindo, porque socialmente é feio dizer “vai embora, você me destrói”.

então eu digo por você… vai embora, você me destrói. e se voltar, traz algo de útil. tipo silêncio. ou um mapa pra um lugar onde ninguém fala da própria vida como se fosse tragédia grega de quarta categoria.

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2025

fui forçado a parar

parei por saúde.
e não digo isso com orgulho. digo com um misto de frustração, cansaço e aquele gosto amargo na boca de quem só desacelerou porque o corpo gritou mais alto que o ego.
não foi escolha.
foi sobrevivência.

e foi aí, só aí, que eu percebi o que ferris bueller tentou me dizer a vida inteira.
o moleque tinha 17 anos e entendeu mais da vida que a maioria dos médicos, CEOs e especialistas em burnout no linkedin.
ele fingiu uma febre.
simulou uma doença.
fez o termômetro subir com uma lâmpada.
forjou sintomas.
e tudo isso pra poder fazer o que deveria ser normal… viver.
curtir um dia de sol.
roubar uma ferrari.
ir no museu.
comer fora.
respirar.

e eu?
eu esperei adoecer de verdade pra me permitir o que ele se deu aos 17, um respiro.
não um feriado. um respiro. uma sobrevida. uma pausa não autorizada.

e quando o corpo travou, quando as juntas começaram a ranger como dobradiça de portão velho e a cabeça virou um campo minado, eu lembrei do ferris deitado naquela cama, falsamente doente, dizendo que se não pararmos e olharmos em volta de vez em quando, podemos perder a vida.
aquele moleque fingiu uma febre pra curtir a vida.
eu precisei de uma febre real pra lembrar que ela existe.

saca a diferença brutal?
ele mentiu pra viver.
eu morri um pouco pra conseguir parar.

e a ironia me acertou como um piano caindo de um prédio…
ferris nunca esteve doente.
eu é que estive o tempo todo.
e não percebi.
porque viver como a gente vive, ignorando os sinais, engolindo ansiedade com suco detox, fingindo que tá tudo bem enquanto o corpo e a alma imploram por trégua, isso sim é doença.
isso é febre baixa constante.
é inflamação da existência.

e o que ferris fez?
simples… desligou.
desconectou.
pegou o dia de volta.
e ainda fez a porra de um desfile inteiro cantar junto com ele.
enquanto eu?
eu fiquei esperando permissão.
esperando que alguém batesse no meu ombro e dissesse: “agora você pode parar.”
e quando ninguém disse, meu corpo disse.
da pior forma.

e aí, deitado, cansado, doente de verdade, eu entendi.
ele tava certo.
ele sempre esteve certo.

simular uma doença naquele mundo era a única forma de não adoecer de verdade.
e talvez essa seja a coisa mais brilhante e desesperadora do filme.
ferris não era um vagabundo.
era um sobrevivente.
ele trapaceou porque o jogo era podre.
ele mentiu porque a verdade era insuportável.
ele fugiu porque ficar era consentir com a morte em prestações.

e eu?
eu fui o cameron.
obediente.
trancado.
ansioso.
esperando o colapso.
e o colapso veio.
e agora eu entendo.
não parar é que é irresponsável.
não faltar é que é covardia.
não agir como ferris é suicídio lento com planilha aberta.

então sim, eu parei por saúde.
mas agora eu entendi que saúde de verdade é se permitir fugir antes que a febre seja real.
é criar sua própria doença fictícia pra evitar a crônica.
é roubar seu próprio tempo.
é sumir.
é não responder.
é cantar beatles no meio do caos.

ferris não fingiu estar doente.
ele se curou antes de adoecer.
e você?

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2025

a gente virou biohackers

honestamente, parece que a gente não apenas terceirizou a saúde… a gente chutou ela pra fora de casa, bateu a porta na cara dela e ainda mandou um não me liga, eu te procuro. sério, quando foi que prestar atenção no próprio corpo virou uma tarefa terceirizada para uma pulseirinha de plástico, um anelzinho high-tech ou um relógio que parece saído da prateleira da apple para yuppies ansiosos?

eu acordo e, antes mesmo de sentir se tô vivo, já tô lá catando o oura ring ou o whoop pra me contar como eu deveria me sentir. tipo, foda-se a realidade. não importa se eu tô me sentindo um verdadeiro guerreiro viking pronto pra conquistar o dia… se o meu appzinho der a nota do tipo hoje é melhor pegar leve, pronto, já começo a agir como um velho de 90 anos que tomou duas doses de tequila e esqueceu onde mora. é uma auto hipnose patrocinada pela tecnologia, não importa o que seu corpo diz, importa o que a porra do anel acha.

e o pior é que a gente acredita. a gente sente dor porque a pulseira manda sentir. a gente acha que tá saudável só porque o gráfico do aplicativo subiu meio pontinho. tipo aquelas mães que olham a previsão do tempo e mandam o moleque sair de casaco no sol de 40 graus só porque o celular falou que vai esfriar.

a real é que a gente não quer mais sentir por conta própria. a gente quer números, gráficos, dashboards coloridos que digam quando viver, quando dormir, quando respirar. virou um fast-food da saúde. mastigado, plastificado, cheio de notificações vibrando no pulso só pra lembrar você que você é incapaz de saber se tá bem ou não.

é brilhante, se parar pra pensar. uma geração inteira se sentindo fodona, biohackers de boutique, mas na prática, incapazes de perceber a própria merda acontecendo em tempo real. meu apple watch não apitou, então esse aperto no peito deve ser psicológico, né?

se a gente precisasse de um chip enfiado no… pra lembrar de beber água, aposto que já teria uma fila no shopping. gente sorrindo enquanto instala um software pra dizer parabéns, hoje você foi humano.

no fundo, é isso, a gente abdicou da responsabilidade de estar vivo. é mais confortável terceirizar pra um brinquedinho brilhante. a culpa nunca vai ser sua, vai ser do algoritmo. viva a revolução das ovelhas digitais… e sim me incluo entre essas ovelhas.

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2025

24 horas

voltar a assistir 24 horas desde o primeiro episódio foi como acordar de um coma midiático. eu achava que tava tudo bem. que tava tudo certo com essa sopa rasa que chamam de “conteúdo original” hoje em dia. mas bastou ouvir aquele maldito “o dia é hoje” e ver o relógio correndo pra entender que não… não tá tudo certo. a gente foi dopado. e dopado com coisa ruim.

a tensão era real. o roteiro, cirúrgico. não existia gordura. não existia tempo pra respirar. a série se recusava a ser indulgente. não tinha filler, não tinha tempo pra personagens “fofos”, não tinha aquele episódio “experimental” em que todo mundo canta ou dança ou reflete sobre os próprios traumas de infância enquanto chove do lado de fora. 24 horas era sujo, direto, feio. e essencial.

hoje tudo vem embalado no mesmo pacote reciclável, neutro, testado em laboratório, desenhado pra não ofender, não provocar, não sacudir ninguém. personagem principal sofre, mas só até o terceiro episódio. depois tem virada, redenção, playlist no spotify e final aberto pra segunda temporada. o algoritmo agradece.

as séries modernas têm roteiro como quem monta móvel do ikea, segue o manual, encaixa direitinho, até parece bonito, mas no fundo você sabe que não aguenta uma tempestade. tudo soa como diálogo aprovado por comitê. frases de efeito genéricas ditas por personagens que parecem ter saído de um catálogo de moda ética. e no centro de tudo, aquele medo absoluto de ser intenso demais, duro demais, real demais.

em 24 horas, cada decisão parecia custar a alma de alguém. jack bauer fazia o que precisava ser feito. não porque era legal, não porque ganhava like, mas porque era necessário. e a série tinha a decência de não pedir desculpa por isso. não se explicava. não havia “lição”. havia consequência. tensão. dilema. hoje, se um personagem levanta a voz, alguém já aparece no episódio seguinte pra explicar que foi “um momento difícil” e que “ele está em desconstrução”.

e os roteiristas… naquela época, eram soldados. escreviam com sangue e café preto. sabiam que estavam fazendo algo que ia durar. hoje, são freelancers apertando parafuso em linha de produção. escrevem seis projetos ao mesmo tempo, com briefings que vêm direto do departamento de marketing. “precisamos de uma série jovem, diversa, urbana, mas que funcione no mercado escandinavo.” o resultado são séries com cara de comercial de banco jovem. diálogos de coaching. personagens que trocam frases prontas sobre empatia enquanto o mundo acaba.

eu to aqui, escrevendo e reassistindo 24 horas, e lembrando de um tempo em que a televisão tinha dentes. quando não existia streaming, maratona, nem resuminho em blog dizendo “tudo o que você precisa saber antes da nova temporada”. você precisava prestar atenção. você precisava sentir o episódio. ou ficava pra trás. simples assim.

tinha suor. tinha urgência. e cada episódio te deixava mais perto de uma úlcera nervosa, e era ótimo. não porque você queria sofrer, mas porque era bom sentir algo. hoje, o objetivo das séries parece ser exatamente o oposto… relaxar, entreter, suavizar. virar fundo de tela enquanto você responde e-mail ou faz yoga.

então sim. eu voltei a assistir. e percebi. percebi que essa nostalgia toda não é saudosismo. é um grito de desespero diante da pasteurização total da cultura. a gente trocou os socos na cara por cafuné narrativo. e o pior? parece que tá todo mundo bem com isso.

só que eu não tô. eu quero de volta o risco. a tensão. o incômodo. eu quero séries que me façam esquecer de piscar. quero roteiros que não foram pensados pra agradar, mas pra cutucar. e enquanto isso não volta, se é que um dia voltar eu sigo aqui, no modo rewatch, com jack bauer me lembrando, minuto a minuto, do que a televisão já foi capaz de fazer.

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2025

o que aconteceu com a música

ah, a música hoje em dia… eu sei, eu sei. tô virando exatamente aquilo que jurei destruir… o velho ranzinza sentado num bar escuro, murmurando num copo de uísque barato sobre como no meu tempo a música era de verdade. mas, honestamente? foda-se. alguém precisa dizer. e já que tá todo mundo ocupado fazendo dancinha no tiktok ao som de alguma aberração auditiva com autotune, que seja EU o maldito mensageiro do apocalipse sonoro.

sabe o que aconteceu com a música? ela morreu. foi enterrada sob uma avalanche de batidas recicladas, letras que parecem ter sido escritas por um algoritmo com déficit de atenção e artistas que são menos músicos e mais marionetes de marketing. hoje não se compõe uma música… se fabrica um produto. a única preocupação é se vai viralizar, se dá pra encaixar um refrão chiclete de 8 segundos que funcione como trilha sonora pra um vídeo de alguém rebolando em slow motion.

e antes que venham os defensores do “novo” com aquele papinho mole de “você só não entende a nova estética sonora contemporânea”, deixa eu deixar uma coisa clara… eu entendo. e é exatamente por isso que eu tô revoltado. porque eu vi o que era música. eu vi gente sangrar no estúdio, eu vi alma sendo rasgada em cada nota. vi artistas que pegavam uma guitarra ou um microfone como se fosse uma arma contra o sistema, não um acessório de instagram.

hoje? hoje temos boybands de laboratório, rappers que falam de ostentação como se fossem donos da nasa mas moram com a mãe, e cantoras que trocam de estilo musical a cada ciclo lunar só pra acompanhar o algoritmo. e as letras? meu deus. parece que todo mundo decidiu escrever como se tivesse acabado de sair de um workshop de slogans publicitários… curtos, genéricos, fáceis de digerir e imediatamente esquecíveis.

a música deixou de ser expressão pra virar decoração. trilha sonora de elevador emocional de uma geração que não aguenta silêncio, mas também não sabe o que é escutar. e olha, eu queria que fosse só nostalgia minha, só aquela coisa de velho gritando com nuvem. mas não é. é real. porque quando até os “artistas” parecem entediados com o próprio som, alguma coisa muito errada aconteceu.

sinto falta da sujeira. da imperfeição. da guitarra desafinada na gravação ao vivo. do grito rasgado que não foi corrigido no autotune. sinto falta de quando uma música podia mudar o mundo, ou pelo menos tua semana. hoje, no máximo, ela muda a coreografia da próxima trend de aplicativo.

então sim, virei o velho ranzinza. mas não é porque eu parei no tempo. é porque eu sei o que a música podia ser. e ver o que ela virou… dói. dói como ouvir aquela intro promissora que, no fim, deságua em mais um beat genérico com a profundidade emocional de um comercial de refrigerante.

mas quem sabe… talvez em algum porão abafado, com uma guitarra quebrada e um coração partido, alguém esteja escrevendo a próxima canção que vai fazer o mundo parar. até lá, eu vou estar aqui, no meu bar escuro, ranzinza, com meu copo, ouvindo coltrane e me recusando a dançar.

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2025

boas notícias

olha, se tem uma coisa que o mundo aprendeu a fazer com maestria nos últimos anos foi servir tragédia no café da manhã, almoço e jantar e ainda te enfiar um lanchinho emocional de madruga só pra garantir aquele refluxo existencial. liga o celular e toma ali uma avalanche de morte, corrupção, colapso climático, adolescente rico que não sabe onde enfiar o dinheiro e políticos que parecem ter sido criados por um algoritmo bêbado tentando simular empatia humana. e você consome, claro. porque, sejamos honestos, a desgraça vicia. é pornografia emocional de alto nível.

a boa notícia? ah, essa ninguém quer ver. boas notícias são como legumes no prato de uma criança mimada… nutritivas, mas ignoradas com desgosto. tem alguém salvando uma floresta? dane-se. um cientista brasileiro isolou uma proteína que pode curar uma doença rara? chato. agora, se o vizinho chutou o cachorro ou se o influencer de yoga foi pego num esquema de pirâmide vendendo curso de autoconhecimento por R$ 1.997,00, aí sim a gente clica, comenta, compartilha, espuma de indignação. essa é a droga do momento. a tragédia vende. a esperança, coitada, tá na prateleira dos vencidos.

e olha que tem coisa boa pra caralho rolando por aí. só que ninguém quer saber de boas notícias porque, no fundo, elas exigem de você um mínimo de comprometimento. ver o lado bom do mundo é perigoso… te obriga a sair da posição confortável de cínico de sofá e admitir que talvez, só talvez, ainda exista uma chance. e aí, meu amigo, você teria que fazer alguma coisa com essa informação. ajudar alguém. se importar. agir. e quem é que tem tempo pra isso entre um episódio de série, uma thread de cancelamento e o novo filtro que deixa tua cara igual a de uma celebridade geneticamente aperfeiçoada?

a verdade nua e crua, e sim, ela fede um pouco… é que a gente vive num planeta onde tem gente curando câncer com inteligência artificial enquanto o resto da humanidade tá debatendo se a terra é plana ou se vacina tem chip. enquanto uma galera dedica a vida pra despoluir rios, outra tá despejando teorias da conspiração como se fossem figurinhas de álbum. é um contraste tão bizarro que faria um roteirista de sci-fi pedir demissão.

mas aí vem a parte que me deixa genuinamente intrigado… por que caralhos a gente insiste em viver como se tudo fosse um grande filme catástrofe com final garantido? será que a gente gosta tanto assim de ver o mundo arder? ou será que a gente só tá com preguiça de admitir que, apesar de tudo, ainda tem um monte de coisa dando certo?

tem criança aprendendo a ler em escola de chão batido com professor que ganha menos que entregador de aplicativo. tem cientista trabalhando 16 horas por dia num laboratório financiado por doações porque o governo cortou tudo. tem agricultor fazendo permacultura enquanto o vizinho ainda torra soja com agrotóxico nível chernobyl. tem enfermeiro que nem dorme direito cuidando de velhinho abandonado. mas isso não entra na pauta. porque não dá audiência. não gera rage.

então sim, o mundo tá fodido. mas não totalmente. ainda tem fagulhas. ainda tem resistência. o problema é que a gente virou um bando de zumbis dopados de pessimismo gourmet, alimentados por um banquete diário de desgraça plastificada e embalado com hashtags. e pra sair disso, meu chapa, vai ter que abrir o olho, desligar o inferno do algoritmo e encarar a verdade incômoda… o bem ainda existe. só não tá berrando no seu feed. tá lá fora, quieto, trabalhando, resistindo. só esperando você parar de olhar pro apocalipse e enxergar que ainda tem coisa viva nesse circo.

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2025

vere papa mortuus est

ele morreu.
jorge mario bergoglio.
o papa francisco.
ou, como eu prefiro chamar…
o anti-papa.

o cara que chegou no maior trono simbólico da fé cristã
com a cara de quem acabou de sair de uma padaria na zona sul de buenos aires.
com os sapatos gastos, o pulmão falhando,
e a alma inteira.

ele olhou aquele palácio, aquelas tapeçarias, aquelas vozes embriagadas de tradição…
e fez o que qualquer adulto lúcido faria…
revirou os olhos.
soltou um suspiro.
e foi varrer.
literalmente.

pegou uma vassoura.
não de prata.
não de ouro.
vassoura mesmo.
daquelas que limpam lama,
não imagem.

porque ele entendeu desde o começo,
a igreja não precisava de um novo papa.
precisava de alguém que aceitasse entrar no porão,
ligar a luz,
e encarar o mofo.

foi o único dos últimos séculos que entrou no cargo sem querer parecer santo.
e por isso, foi o mais próximo de um.

morava num quartinho simples.
não por humildade instagramável.
mas porque ele detestava aquele palácio,
aquele corredor de cem metros,
aquele ar-condicionado de mármore.
ele dizia: “três quartos e cem metros de corredor me fazem mal.”

então ficou com o essencial.
uma cama.
uma bíblia.
um café fraco.
e um relógio de plástico no pulso,
barato, feio, torto.
mas funcional.
exatamente como ele.

dirigia um ford focus azul que tossia a cada esquina.
um carro que, sozinho, já era uma crítica viva ao papado com motorista e cortina de veludo.
ele dirigia porque queria ver o mundo.
porque queria sentir o cheiro da rua.
e porque sabia que deus, se é que ainda circula,
não anda de blindado.

e a cruz…
de ferro.
simples.
pesada.
nada de ouro, nada de brilho.
porque o fardo era real.
e ele queria sentir no osso.

o anti-papa, sim.
porque ele não falava como papa.
não posava como papa.
e não julgava como papa.
falava como gente.
posava como quem carrega dor.
e olhava o outro sem catálogo de pecados na mão.

quando perguntaram sobre homossexuais, ele não citou versículo.
não usou meia-palavra.
só disse: “quem sou eu pra julgar?”
e ali, naquele momento,
abriu mais portas que todos os concílios anteriores.

falou com trans.
falou com travestis.
recebeu mães que choravam filhos suicidas e não perguntou se estavam em comunhão.
porque ele sabia…
ninguém precisa estar puro pra ser amado.

enquanto os outros papas encenavam moral,
ele vivia misericórdia.
enquanto os outros celebravam tradição,
ele celebrava sobrevivência.
enquanto os outros desenhavam regras,
ele construía pontes.

e, claro, o vaticano odiava ele.
com um ódio discreto.
silencioso.
de quem sabe que vai sobreviver ao homem
mas não à memória dele.

porque francisco foi o susto.
o erro na liturgia.
a nota fora no coral de vozes previsíveis.

ele falava de capitalismo com desprezo.
falava de guerra como quem viu corpo de criança em vala.
falava de deus como quem tinha dúvidas
e por isso mesmo, fé.

e agora ele se foi.

sem pompa.
sem câmera escondida.
sem um último milagre.

morreu num quarto limpo,
num prédio funcional,
como morrem os que não precisam provar mais nada.

e agora o mundo segue.

seguem os bispos com seus ternos caros e suas certezas ocas.
seguem os pastores de palanque e púlpito patrocinado.
seguem os fanáticos com slogans religiosos bordados em ódio.

mas o que não segue…
é aquele tipo de presença.
silenciosa.
insistente.
radicalmente humana.

porque francisco não foi um papa de frases.
foi um papa de gestos.
foi o homem que escolheu a vassoura.
que escolheu o ferro.
que escolheu escutar quando o mundo inteiro gritava.

e se você não se emociona com isso,
talvez tenha virado exatamente aquilo que ele tentou curar…
alguém que confunde fé com vitrine,
moral com julgamento,
e deus com espetáculo.

obrigado, francisco.
por rasgar a fantasia,
por incomodar o conforto,
e por lembrar, até o último suspiro,
que amar ainda é mais revolucionário
do que qualquer dogma.

você foi o anti-papa.
e, por isso,
o único que fez sentido.

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2025

meu estúdio

meu estúdio? ele não é um espaço fixo, não é um templo sagrado da criatividade com mesa de carvalho e luz natural filtrada por uma samambaia estrategicamente posicionada. ele é instável. mutante. um organismo vivo em plena crise de identidade e essa é justamente a graça. ele muda. muda o tempo todo. porque o que não muda, morre. e eu não tô aqui pra enterrar ideia nenhuma antes da hora.

é um lugar onde nada é fixo. nem a mesa, nem a rotina, nem o humor. onde a única certeza é que tudo pode e provavelmente vai virar outra coisa. hoje é um canto pra escrever, amanhã é ateliê, depois de amanhã é pista de corrida oficial da escuderia hot wheels, devidamente homologada pelo meu cofundador de 4 anos. o cara entra no estúdio como se fosse dono da porra toda, carregando uma frota inteira de carrinhos e uma convicção absoluta de que o espaço também é dele. e é mesmo.

a gente divide esse território como dois artistas dividindo uma tela… um risca com carrinhos, o outro com ideias. e às vezes os riscos se misturam e ficam melhores assim. ele me lembra, todos os dias, que criar é brincar. que o processo não tem que seguir lógica adulta. que movimento é regra. o estúdio se desmonta e se remonta com a naturalidade de quem sabe que a melhor coisa que já fez ainda nem foi feita.

não é sobre bagunça, é sobre liberdade. sobre permitir que o espaço acompanhe o ritmo interno das ideias, dos impulsos, das birras criativas. é sobre não se apegar nem ao que funciona, porque até o que funciona, uma hora, cansa. e quando cansa, a gente muda. move a mesa, derruba as certezas, começa de novo.

esse estúdio é meu espelho. torto, sim. mas honesto. e vivo. muito vivo.