Categorias
2025

tenha vícios

eu sei, tem gente que vive de luz. que acorda com o sol, faz alongamento ouvindo mantra tibetano, come tofu com chia e sorri como se a vida fosse um comercial de margarina vegana. acordam às cinco da manhã por vontade própria, tomam banho gelado, jejuam intermitentemente, e ainda olham pra você com pena porque você ainda come glúten. essas pessoas me assustam. são como androides programados pra fingir plenitude enquanto reprimem uma vontade assassina de devorar uma lasanha congelada às três da manhã.

eu, por outro lado, tenho um vício. coca zero. nada místico, nada elevado. é só uma latinha preta, gelada, carregada de química e autoengano… exatamente o que eu preciso pra aguentar mais um dia nesse teatro grotesco chamado vida adulta. enquanto o mundo insiste em me cobrar equilíbrio emocional, resiliência e um plano de carreira com propósito, eu sento, abro minha latinha e deixo a cafeína e o aspartame me lembrarem que ainda sou humano, imperfeito, e absurdamente feliz com isso.

é esse momento, esse microsegundo entre o pshht e o primeiro gole, que me salva. enquanto o refrigerante escorre e borbulha, o mundo fica em câmera lenta. as cobranças, as neuroses, as metas, os boletos… tudo vira ruído de fundo. a coca zero não me julga, não me pede produtividade, não me manda e-book com “dez passos pra uma mente blindada”. ela só existe. e me entende melhor do que qualquer terapeuta com diploma sueco.

todo mundo precisa disso. um vício. um pequeno colapso autorizado. uma brecha na rotina onde a sanidade pode respirar sem pedir licença. e não, não precisa ser um vício digno de roteiro da hbo. pode ser algo besta, algo silencioso. pode ser chiclete, pode ser karaokê de madrugada, pode ser até pesquisa antropológica. o importante é ter. porque quem diz que não tem vício… bom, essa gente me dá medo.

não confio em quem não tem vício. não dá. são os mesmos que dizem que “água com limão muda vidas”, que “a positividade é uma escolha”, que “você atrai o que vibra”. essas frases deviam vir com um aviso de saúde mental. porque por trás dessa fachada limpa e solar tem sempre uma panela de pressão prestes a explodir. uma hora vai sair no jornal: “homem exemplar mata três colegas de trabalho com um grampeador após 12 anos sem comer açúcar.”

o vício, ao contrário do que tentam nos enfiar goela abaixo, não é fraqueza. é mecanismo de defesa. é o que te impede de virar um desses robôs sem alma que acham que a felicidade está no número de passos dados no dia. é o que dá cor ao tédio, o que injeta um pouco de caos controlado na ordem estéril da rotina. é o que te lembra que ser humano é, antes de tudo, ser falho e que isso é uma delícia.

e vamos falar a real, a maior parte do tempo a gente tá só empurrando um carrinho emocional quebrado ladeira acima, sorrindo por obrigação e respondendo “tudo bem” por reflexo. ter um vício é admitir que a vida, do jeito que foi montada (trabalho, pouca grana, mais trabalho e menos grana ainda), não é natural. não é sustentável. é uma grande peça de teatro cheia de regras idiotas onde você precisa fingir que ser adulto é legal. e se você tem algo, qualquer coisa, que te dá cinco minutos de fuga dessa farsa, agarre com força.

no meu caso, é uma coca zero. e que prazer magnífico é esse. eu sei que tem gente que vai torcer o nariz, citar estudos, falar do aspartame como se fosse napalm. parabéns, doutor. vai cuidar da tua vida e deixa que a minha eu destruo no meu ritmo. tem gente cheirando pó de anjo em banheiro de balada e a minha coca zero é que te incomoda? vai pastar. cada um que cuide da própria dose de autodestruição. a minha, pelo menos, vem gelada.

e olha, não tem glamour nisso. não é sobre estilo, é sobre sobrevivência. é sobre continuar acordando todo dia sabendo que o mundo tá uma merda, que as pessoas são insuportáveis, que o algoritmo tá vencendo, e ainda assim achar algum prazer na repetição de um gesto besta. abrir a latinha, tomar o primeiro gole, suspirar. é quase um mantra. é o anti-ioga. o verdadeiro mindfulness da alma fodida.

e spoiler: não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram — é o vício, sim, essa alegria clandestina que você finge que não tem, mas que é a única coisa que te impede de largar tudo, meter o pé na porta do RH e começar a gritar “eu sou livre, caralho” no meio da firma.

e tenho um spoiler final pra você, não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram… é o vício, sim. esse pacto silencioso entre você e a merda toda. esse gesto sujo, repetido, íntimo, que não promete cura, não finge salvação, mas te entrega exatamente o que a vida raramente dá… alívio. sem lição de moral, sem hashtag, sem plano mensal. só um respiro no meio do naufrágio, com gosto de química, culpa e uma puta sinceridade gelada.

Categorias
2025

atualização youtube

atualização do projeto, pra quem ainda tá por aqui e não foi engolido pela próxima tendência inútil da internet ou por mais um vídeo de alguém chorando por engajamento.

já temos roteiro. já temos som.
e agora vem a parte mais complicada: fazer isso tudo virar imagem sem virar clichê.
sem cair na armadilha da estética bonita pra compensar a falta de conteúdo.
sem aquele verniz de “profundo” que só esconde o óbvio com cara de conceito.
não vai ter vlog. não vai ter podcast. não vai ter você se sentindo inteligente só por assistir.

e não, não espere me ver contando minha rotina como se fosse algo digno de interesse público.
isso aqui não é um “dia comigo”. é um “dia contra mim”.
um tipo de realidade que você só enxerga quando para de tentar parecer feliz o tempo todo.

vai ter imagem, sim.
mas daquelas que não se explicam.
coisas acontecendo, ou não acontecendo.
a vida como ela éentediante, desconfortável e sem trilha sonora inspiradora.
e por trás, pensamentos. não frases de impacto, não narração com voz grave e pausa dramática.
pensamentos, do jeito que eles vêm: tortos, atravessados, quase sempre inconvenientes.

o que tá vindo?
não interessa.
não é pra ser anunciado. é pra ser sentido. ou ignorado.
mas pra quem insiste em pista, talvez dê pra dizer que a coisa toda começa com aquele incômodo que bate quando você percebe que o mundo que você achava que lembrava… talvez nunca tenha existido daquele jeito.

e não, não vou contar mais.
spoiler é pra roteiro fraco que precisa de expectativa pra sobreviver.
isso aqui não precisa de promessa, precisa de coragem.

vai chegar.
de canto.
sem introdução, sem thumbnail chamativa, sem precisar se explicar.
e quando chegar, vai ser como toda coisa verdadeira…
você não vai saber se gosta, mas não vai conseguir fingir que não sentiu.

então senta e espera.
ou não.

Categorias
2025

um brinde

beleza. então senta, enche o copo com o que quiser… água, vinho, suco de caixinha, lágrima, não importa… e presta atenção, porque eu vou te falar sobre uma das poucas coisas que ainda me faz acreditar que a humanidade, apesar de estúpida, ainda tem salvação… o brinde.

não, não é o álcool. não é o vinho biodinâmico de 300 reais a garrafa com notas de carvalho e pretensão. não é a taça fina que você só usa quando quer impressionar alguém que nem merece. é o gesto. o ritual. o tilintar. é aquele instante miserável em que você suspende o copo e declara, sem nenhuma garantia… “tamo junto nessa desgraça.”

o brinde nasceu no caos, como tudo que presta. os gregos brindavam porque tinham medo de morrer envenenados… sim, brindar era literalmente um teste de confiança, eu bebo se você beber, e se alguém morrer, bem, pelo menos morre acompanhado. os romanos? transformaram o brinde em espetáculo. nada mais romano do que fingir que estão celebrando a vida enquanto planejam a próxima punhalada nas costas. e os bárbaros, os vikings, esses sabiam das coisas. brindavam à morte, à guerra, à chuva que caía depois de uma seca de três meses. qualquer desculpa pra levantar o copo e dizer “hoje não morri, amanhã é problema futuro.”

e hoje? hoje o brinde virou essa performance, esse teatro mal ensaiado onde as pessoas levantam suas taças de prosecco sem alma e dizem “à vida!” como se soubessem o que isso significa. é bonito de ver, claro. é fotogênico. mas no fundo, no fundo, o brinde de verdade continua sendo aquele instante de silêncio carregado de tudo o que você não quer dizer em voz alta. é quando você olha no olho da pessoa e diz sem dizer: “tá difícil, mas foda-se, vamos nessa.”

eu brindo porque não confio em quem não brinda. gente que se recusa a levantar o copo tá escondendo alguma coisa. ou medo. ou arrogância. ou uma incapacidade patológica de admitir que viver, mesmo mal e porcamente, é uma conquista diária. e sim, brindo com água. sempre que preciso. sempre que quero. brindar com água é o meu jeito de jogar o jogo e cuspir nas regras ao mesmo tempo.

“mas dá azar brindar com água!” azar é viver com medo de superstição. azar é aceitar o cinismo diário e não conseguir celebrar uma merda de momento porque o copo não tem álcool. brindar com água é o brinde do desajustado lúcido. é o ato supremo de rebeldia sóbria. é dizer: “eu tô aqui, consciente, consciente demais até, e mesmo assim escolho brindar. olha só que ousadia.”

eu brindo pela comida boa e pelos jantares esquecíveis. brindo por conversas que valem ouro e pelos silêncios que doem. brindo por quem ficou, por quem foi e até por quem eu preferia que nunca tivesse aparecido. brindo por erros que viraram história, por dias que começaram merda e terminaram piores.

brindo porque brindar é tudo o que me resta quando o mundo insiste em não fazer sentido. é o momento em que eu dou risada da tragédia. em que transformo frustração em ritual. e quer saber? o brinde não precisa de razão. o brinde é a razão.

é isso que ninguém entende. não é sobre comemorar. é sobre marcar território. dizer “eu existi aqui, eu senti isso, e eu fiz questão de levantar um copo pra deixar claro.”

então, sim. eu vou continuar brindando. com vinho ou com água. vou brindar em mesas cheias, em mesas vazias, com amigos, com estranhos, com o espelho. vou brindar como quem desafia o universo: “me derruba, desgraçado, mas antes, um último gole.”

porque brindar é o ato mais humano e desesperadamente bonito que a gente tem. um instante de teatro e verdade misturados. uma pequena revolução disfarçada de etiqueta. e no final, quando tudo acabar, e vai acabar, que pelo menos reste o som de dois copos se tocando e alguém dizendo “à vida”, mesmo sem saber o que isso quer dizer.

Categorias
2025

design das academias

academias são um fenômeno arquitetônico e social que eu nunca consegui entender completamente. quem decidiu que precisavam ter esse visual meio “laboratório de experimentação humana” misturado com um “cassino de subúrbio”? que mente brilhante olhou para um espaço cheio de gente suando e pensou: “sabe o que isso precisa? mais iluminação branca fluorescente, música ensurdecedora e um cheiro de whey protein vencido permeando o ar”? há algo profundamente desconfortável na maneira como academias são projetadas, como se o objetivo fosse nos lembrar, a cada segundo, que a vida é um ciclo eterno de esforço, frustração e autopunição voluntária.

talvez a referência arquitetônica venha de fábricas da revolução industrial, linhas de produção de corpos mais magros, mais fortes, mais vendáveis. ou talvez tenha um toque das prisões panópticas do século XVIII, onde todo mundo pode ver todo mundo, e a única regra é a vigilância constante. talvez até exista algo inspirado nos cassinos de las vegas, um espaço sem janelas, sem noção de tempo, onde entramos sem saber ao certo quando (ou se) vamos sair. seja qual for a origem, o fato é que academias não foram feitas para serem gostadas. foram feitas para serem suportadas.

e tudo começa na recepção, esse território liminar onde a academia ainda finge ser um lugar civilizado. há um balcão imenso, desnecessariamente imponente, como se estivéssemos prestes a embarcar em um voo internacional ou nos matricular em uma sociedade secreta. a iluminação aqui já dá o tom, branca, fria, impiedosa, transformando qualquer um em uma versão pálida e ligeiramente desesperada de si mesmo. há telões pendurados, geralmente passando vídeos motivacionais de gente sarada correndo em uma floresta chuvosa ou levantando pesos sob uma luz dramática, como se tudo isso fosse um ritual de superação e não apenas um bando de adultos tentando evitar um futuro de problemas cardíacos.

as catracas são outro detalhe fascinante. qualquer outro lugar de prática esportiva… um campo, uma quadra, um parque, permite que você entre e saia livremente. mas na academia? não. aqui, há barreiras metálicas dignas de uma estação de metrô em horário de pico. você precisa passar seu cartão ou digital, ouvir um apito eletrônico, ver a luz verde acender e empurrar aquela roleta de aço inoxidável como se estivesse prestes a embarcar em uma jornada sem volta. e, de certa forma, está.

e então, o cheiro te atinge. uma combinação de suor velho impregnado nos equipamentos, desodorante de farmácia, aquele perfume amadeirado exagerado que algumas pessoas insistem em usar antes de treinar (como se a academia fosse uma boate) e, claro, whey protein de baunilha, um aroma que paira no ar como um lembrete de que comida de verdade é para os fracos.

a trilha sonora é um show à parte. não há variação. é sempre uma batida eletrônica genérica, algo entre “festa rave underground” e “playlist de academia de 2012 que nunca foi atualizada”. as batidas são rápidas o suficiente para induzir um leve ataque de ansiedade, mas nunca tão rápidas que tornem o sofrimento divertido. e o volume? alto o bastante para ser irritante, mas não o suficiente para abafar os barulhos de ferro batendo, gemidos de esforço e o constante zumbido das esteiras funcionando em uníssono, como se a própria estrutura estivesse respirando.

e falando em esteiras, elas são estrategicamente posicionadas logo na entrada, garantindo que qualquer um que passe pela recepção veja o espetáculo de sofrimento humano em tempo real. porque não basta correr sem sair do lugar, tem que fazer isso sob os olhares julgadores do público. algumas delas têm telas interativas que prometem transformar a experiência em um “jogo”, onde você pode fingir que está correndo em paris ou nova york, como se isso fosse diminuir a monotonia da experiência. não diminui. a única coisa real ali é o suor escorrendo e a sua dignidade evaporando a cada quilômetro fictício percorrido.

depois, vem o salão das máquinas, um labirinto de ferro, cabos e alavancas que parecem saídas de uma instalação de tortura da inquisição espanhola. algumas são intuitivas… você puxa, empurra, levanta. outras exigem um mestrado em engenharia biomecânica para serem operadas corretamente. há sempre uma máquina misteriosa, ocupando um canto da academia, que ninguém parece saber como usar. às vezes, alguém tenta. mexe nos apoios, ajusta os pesos, olha para os lados para garantir que ninguém está assistindo e… desiste. ninguém ousa perguntar para que serve. é um enigma eterno.

os espelhos são uma obsessão inexplicável. cobrem todas as paredes, garantindo que não haja um único ângulo onde você possa escapar do reflexo da sua própria miséria. são implacáveis, refletindo suor, má postura, caretas involuntárias e a percepção incômoda de que, não importa o quanto você se esforce, você nunca parecerá tão definido quanto gostaria. são juízes silenciosos, sempre ali, prontos para te lembrar que há um longo caminho até o corpo dos sonhos e que a pizza do fim de semana não ajudou.

há também as aulas coletivas, que deveriam ser uma alternativa mais dinâmica e motivadora, mas que na prática são rituais tribais de humilhação pública. um grupo de pessoas aparentemente normais se transforma em atletas olímpicos, saltando, girando, se contorcendo como se estivessem em uma competição televisiva. a música bate mais forte, o ritmo acelera e, se você piscar, pode acabar tropeçando no próprio pé e caindo no meio da sala, garantindo que seu nome seja lembrado por todos os presentes até o fim dos tempos.

a lanchonete da academia é um paradoxo cruel. um oásis visual, repleto de luzes e cores vibrantes, onde você pode comprar shakes proteicos de sabores que não deveriam existir (torta de maçã? bolo de aniversário?), barrinhas de proteína que têm a textura de concreto seco e sucos detox que custam mais do que um almoço completo, mas prometem “purificar seu corpo”. sempre há alguém segurando um copo de 900ml de um líquido verde viscoso, jurando que tem gosto de nutella. não tem. nunca tem.

o vestiário é um último golpe na alma. um espaço abafado, onde lockers pequenos demais fazem você lutar contra as leis da física para guardar sua mochila, e onde os chuveiros alternam entre temperaturas de derreter carne e congelamento imediato. o chão sempre parece molhado, não importa o quanto tentem limpá-lo. toalhas úmidas, roupas encharcadas, uma atmosfera carregada de vapor e derrota.

a saída é um alívio temporário. atravessar as catracas de volta para o mundo real é como escapar de um campo de treinamento militar. olho para o espelho da saída esperando ver alguma transformação milagrosa. nada. apenas uma versão mais suada, cansada e ligeiramente arrependida da mesma pessoa que entrou. e ainda assim, sei que amanhã estarei de volta.

Categorias
2025

festas

quando, por alguma falha na matrix, acabo indo a uma festa, faço o que qualquer pessoa minimamente sensata faria… entro, avalio a cena como um antropólogo num experimento social e traço uma estratégia de sobrevivência. porque festas, sejamos honestos, não são lugares para se divertir, são arenas de performance, teatros improvisados onde todo mundo está tentando parecer um pouco mais feliz, mais interessante, mais bem-sucedido do que realmente é.

então eu observo. escolho um canto estratégico, onde possa ter uma visão panorâmica do circo sem ser puxado para dentro dele. vejo os primeiros movimentos… os que chegam radiantes, como se tivessem ensaiado esse momento no espelho, os que entram inseguros, esperando encontrar um rosto conhecido para ancorar sua existência, os que já começam a beber como se cada gole fosse um salvo-conduto para suportar a noite.

evito as rodinhas de risadas ensaiadas e conversas pré-fabricadas. aquele papo de “e aí, no que você anda trabalhando?”, seguido de um monólogo sobre algum projeto irrelevante que a pessoa claramente não se importa, mas precisa vender como o próximo grande acontecimento da humanidade. evito também os palestrinhas, os especialistas relâmpago que, em um mês, passaram da obsessão por vinho natural para um doutorado improvisado em inteligência artificial. e evito, principalmente, qualquer conversa que envolva a frase “vamos marcar algo”… porque sabemos que não vai acontecer.

se há comida, provo. não pelo evento, mas pela ciência. um canapé decente pode redimir uma noite inteira de interações desnecessárias, e um prato malfeito pode selar meu destino, permanência mínima, fuga rápida. observo as bandejas passando, os olhares famintos de quem finge estar ali pelo networking, mas secretamente está só esperando o momento certo para atacar o bufê.

a música, claro, é sempre um fator determinante. se for alta demais, a festa se transforma num jogo de mímicas constrangedor. se for ruim demais, todo mundo finge gostar para não parecer “desatualizado”. e se houver pista de dança, invariavelmente chega aquele momento da noite em que alguém, bêbado de autoconfiança ou tequila, tenta arrastar alguém para o meio dela.

fico o tempo necessário para cumprir minha cota social, garantir que minha presença foi notada e, principalmente, para sair no momento exato, nem cedo demais, para não parecer antissocial, nem tarde demais, para não ser sugado para o vórtex de promessas de amizade eterna que evaporam na manhã seguinte. e quando finalmente atravesso a porta de volta para minha própria realidade, longe de luzes artificiais e conversas vazias, respiro fundo e sorrio. porque no fim, a melhor parte de qualquer festa sempre será sair dela.

Categorias
2025

parei de ouvir podcast

parei de ouvir podcasts porque percebi que estava me afogando em uma piscina rasa de autoafirmação, cercado por vozes que só me diziam o que eu já queria ouvir. não era informação, não era reflexão, não era nem entretenimento decente, era um loop infinito de confirmações, um algoritmo moldado para me manter satisfeito na minha bolha confortável, sem jamais me desafiar de verdade.

parei porque percebi que os podcasts não estavam me tornando mais inteligente, mais questionador ou mais bem informado. estavam apenas me transformando em um papagaio sofisticado, alguém que repete frases de efeito bem articuladas sem nunca realmente pensar sobre elas. era como se cada episódio viesse com um carimbo invisível… pronto, agora você sabe a opinião certa sobre esse assunto. pode seguir em frente sem questionar.

parei porque vi que todo mundo estava fazendo a mesma coisa, não ouvindo para aprender, mas ouvindo para confirmar. esquerda ouvindo esquerda. direita ouvindo direita. cinéfilo ouvindo cinéfilo. foodie ouvindo foodie. cada um no seu cercadinho, reforçando as mesmas crenças, rindo das mesmas piadas internas, se sentindo mais esperto do que o resto do mundo.

parei porque percebi que os podcasts roubaram meu silêncio. o espaço onde eu pensava, onde eu duvidava, onde eu simplesmente deixava a mente vagar. de repente, cada momento livre precisava ser preenchido com alguém falando comigo. lavando louça? podcast. dirigindo? podcast. tomando banho? podcast. deus me livre ficar sozinho com meus próprios pensamentos. mas aí caiu a ficha… sem espaço para o silêncio, não há espaço para reflexão. e sem reflexão, você não está aprendendo, está só consumindo ruído.

parei porque música existe. e música é infinitamente superior. uma boa faixa instrumental pode dizer mais sobre a condição humana do que qualquer monólogo de uma hora sobre como os millennials estão redefinindo a cultura do trabalho.

parei porque os podcasts começaram a soar todos iguais. os mesmos formatos, as mesmas pausas dramáticas, o mesmo tom de voz de deixa eu te contar algo muito profundo que vai mudar sua vida. às vezes, era uma imitação barata de um programa de rádio da npr. às vezes, um stand-up sem timing. às vezes, um show de autoajuda disfarçado de debate intelectual. mas, no final das contas, era sempre a mesma ladainha.

parei porque descobri que a maioria desses pensadores independentes eram tão independentes quanto um comercial de banco. no começo, vinham com aquele papo de não tenho rabo preso, falo o que penso. meses depois, estavam promovendo app de meditação, suplemento alimentar ou colchão que melhora sua performance cognitiva. revolucionários de ocasião, vendidos ao primeiro patrocinador que apareceu.

parei porque, ironicamente, os podcasts que se dizem provocativos nunca provocam nada. eles desafiam o que já está morto. criticam o que já foi criticado à exaustão. fazem piadas sobre coisas que já não têm defensores. é uma rebeldia artificial, um circo bem coreografado onde ninguém corre o risco de realmente incomodar alguém poderoso.

parei porque percebi que, se tudo que eu ouço confirma o que eu já acredito, então eu não estou pensando. estou só me sentindo confortável. e conforto é uma droga perigosa.

parei porque um dia me peguei citando um podcast como se fosse um fato absoluto. como se, só porque ouvi aquilo em um tom confiante e bem editado, fosse verdade. e percebi que eu tinha parado de questionar.

parei porque, no fundo, prefiro não saber de tudo. prefiro aceitar que a realidade é caótica, que nem toda pergunta tem resposta, que nem toda opinião precisa ser reforçada por um episódio de duas horas com um especialista. às vezes, o melhor que você pode fazer é fechar a boca, desligar tudo e simplesmente pensar.

Categorias
2025

história

história. o que é isso, afinal? um monte de gente morta fazendo coisas que a gente finge que importam? ou um punhado de versões convenientes, reescritas, editadas e recicladas até que pareçam algo remotamente aceitável para o presente? porque sejamos honestos, a história nunca foi sobre verdade. foi sobre poder. sobre quem pode contar e quem tem que calar a boca. sobre quem pode escolher as palavras e quem é esmagado por elas.

e tem esse papo de que a história se repete. que piada. se repetisse, talvez aprendêssemos alguma coisa. mas não, a história se reinventa, se adapta, se veste com novas roupas e finge ser diferente. a gente gosta de se enganar. roma caiu porque virou um antro de corrupção, gula e hedonismo? legal. mas ninguém menciona que foi porque sua economia entrou em colapso e os bárbaros estavam cansados de levar porrada. a revolução francesa foi sobre liberdade, igualdade, fraternidade? bacana. mas e as cabeças rolando na guilhotina? e os milhares de camponeses que continuaram fodidos enquanto uma nova elite assumia o poder?

história é a arte de contar mentiras de maneira tão sofisticada que acabamos acreditando nelas. um jogo de poder, um roteiro escrito pelos vencedores e engolido sem mastigar pelos idiotas que vêm depois. não tem nada de nobre, nada de justo, nada de imparcial. é um circo onde os palhaços somos nós, batendo palmas para versões cuidadosamente filtradas do passado, enquanto os verdadeiros arquitetos da desgraça já estão planejando o próximo ato.

e o mais patético? a gente acha que história é sobre fatos. sobre o que realmente aconteceu. mas quem decide o que realmente aconteceu? quem escolhe o que entra nos livros, quais monumentos são erguidos, quais nomes são celebrados e quais são apagados? quem tem o poder de transformar um massacre em uma conquista? de fazer um ditador parecer um líder visionário? de pintar uma pilha de corpos como um sacrifício necessário?

pegue qualquer momento histórico e olhe além da narrativa polida. os grandes impérios? parasitas vorazes que sugaram tudo ao redor até colapsarem sob o próprio peso. os heróis nacionais? muitas vezes apenas os que mataram mais e sobreviveram para contar a história do jeito que quiseram. as revoluções? tantas vezes um ciclo vicioso onde os oprimidos derrubam os opressores só para assumirem o trono e repetirem tudo de novo, só que com um novo slogan. e o progresso? uma palavra bonita para encobrir o fato de que a humanidade avança tropeçando, empurrada por ganância, arrogância e, ocasionalmente, pura estupidez.

achamos que aprendemos com o passado, mas tudo o que fazemos é reciclá-lo, trocando os figurinos e os nomes dos personagens. trocamos reis por presidentes, impérios por corporações, exércitos por algoritmos. os métodos mudam, mas o jogo é o mesmo. controle, dominação, narrativa. e nós, os otários, continuamos a acreditar que a história é algo que acontece com os outros, lá atrás, em livros didáticos, sem perceber que estamos vivendo dentro dela, sendo manipulados pelas mesmas velhas estratégias.

no final das contas, história não é sobre o que foi. é sobre o que nos fazem acreditar que foi. e se você acha que sabe a verdade, parabéns… você já caiu no truque.



Categorias
2025

hiperfoco

hiperfoco. essa maldição gloriosa que a sociedade insiste em chamar de defeito. por anos, me fizeram acreditar que eu era um fracasso ambulante porque não conseguia seguir cronogramas, porque deixava tudo pra última hora, porque simplesmente não funcionava como o resto do mundo. mas sabe de uma coisa? foda-se o resto do mundo. eu descobri que essa coisa que me chamavam de “veneno” era, na verdade, um superpoder. um motor a jato escondido dentro do meu cérebro que, quando acionado, me fazia produzir em minutos o que outros levavam semanas.

e claro, teve sofrimento. porque a escola quer que você seja previsível, o trabalho quer que você seja organizado, e os gurus da produtividade querem que você bloqueie horários e monte bullet journals como se sua vida fosse um projeto do excel. eu tentei. deus sabe que eu tentei. comprei cadernos bonitinhos, fiz listas de tarefas, segui regras estúpidas que diziam que “a disciplina vence a motivação”. e adivinha? só serviu pra me fazer sentir ainda mais um impostor.

até que um dia eu aceitei. aceitei que minha mente tem seu próprio tempo, seu próprio ritmo, sua própria fome. e quando ela tem fome, meu amigo, não há nada que a detenha. esqueça planejamento, esqueça organização. trinta minutos antes de subir no palco pra falar pra mil pessoas, eu começo a montar minha apresentação. parece loucura? talvez. mas sabe o que acontece? a porra da coisa funciona. porque meu cérebro não trabalha bem com antecipação, ele precisa do calor da urgência, do fogo da necessidade. é no limite que ele brilha.

e não é só no trabalho. já tentei planejar viagens, fazer roteiros, marcar passeios com antecedência. um desastre. a verdade é que eu funciono melhor no improviso. enquanto os turistas organizadinhos seguem mapas e guias, eu me jogo no desconhecido e encontro lugares escondidos e inusitados. sem planejamento, sem roteiro, sem expectativa. apenas entrega total ao momento.

as pessoas me olham como se eu fosse um doido irresponsável. “como assim você ainda não começou aquele projeto?”, “como assim você não tem um plano b?”, “como assim você vai resolver tudo de última hora?”. e eu só dou um sorriso e espero. porque eu sei. eu sei que, quando chegar a hora, minha mente vai acender como uma explosão e tudo vai se encaixar. enquanto eles gastam tempo se preocupando, eu simplesmente faço.

hiperfoco não é um erro. é um presente. é aquele estado raro em que o tempo desaparece e tudo ao seu redor some, deixando apenas você e o que precisa ser feito. é aquele rush de adrenalina, aquela concentração afiada como uma navalha, aquele momento em que sua mente opera em uma frequência que os normais jamais vão entender.

e se você tem isso, se você já sentiu esse clique dentro de você, então sabe exatamente do que eu estou falando. então pare de tentar se encaixar, pare de se forçar a seguir o ritmo dos outros. abrace o caos. aceite o fogo. e, quando a hora certa chegar, entre na tempestade e destrua tudo.

Categorias
2025

meu innie teria matado meu outie no primeiro dia

meu innie teria me matado no primeiro dia. sem hesitar. sem drama. sem monólogo final. ele teria pegado o objeto mais pesado da sala, talvez aquela merda de teclado corporativo cinza que fede a desespero e dedos suados e esmagado meu crânio antes mesmo de entender completamente o que estava acontecendo. porque, sejamos honestos, qual ser humano em plena consciência escolheria esse destino? acordar num escritório, sem passado, sem futuro, sem nada além de um crachá e um chefe com sorriso de psicopata? é um pesadelo projetado especificamente para assassinar qualquer fagulha de individualidade que ainda restava em você.

a grande piada de severance é que ela não é ficção. é um documentário que ainda não foi oficialmente reconhecido como tal. porque, no fundo, quem aqui já não vive essa merda? quem aqui nunca bebeu além da conta numa sexta-feira tentando afogar o terror existencial de saber que, em poucos dias, estaria de volta à cela? quem aqui nunca sentiu aquele leve deslocamento da realidade quando se viu no espelho antes do expediente, arrumado, penteado, uniformizado como um condenado prestes a cumprir mais uma pena?

não foi a lumon que inventou essa separação. ela só deu um nome para o que já existe. innie e outie. trabalho e vida. servidão e ilusão de liberdade. a diferença é que no mundo real, essa transição é feita sem cirurgia, sem tecnologia de ponta, sem nada além do bom e velho conformismo e um salário que nunca chega até o fim do mês.

é fascinante ver como os idiotas online abraçaram esse conceito como se fosse um jogo divertido. “meu innie trabalha enquanto meu outie bebe” escrevem, rindo, como se isso não fosse a descrição exata do ciclo vicioso em que estão presos. o aeroporto de denver postou… “seu innie deveria reservar férias para seu outie. vocês dois merecem”. vocês dois. como se houvesse uma separação real. como se uma parte de você não estivesse sempre carregando o peso da outra. como se toda essa divisão não fosse apenas um truque mental patético para te convencer de que vale a pena vender 90% da sua vida para tentar viver 10%.

já trabalhei em lugares onde todo mundo parecia ter passado pelo procedimento da lumon. os olhos mortos, os sorrisos automáticos, as risadas vazias nas reuniões inúteis. o cara que dizia “adoro meu trabalho” enquanto mandava currículo para qualquer outra empresa. a mulher que postava sobre “ser grata pela oportunidade” enquanto engolia rivotril no banheiro. o estagiário que chegou cheio de energia e três meses depois já estava sentado na copa, encarando o nada, tomando um café morno e aceitando silenciosamente que seus sonhos estavam morrendo. e eu, fingindo que meu cinismo era uma forma de resistência, mas sabendo, lá no fundo, que eu estava tão fodido quanto todos eles.

quando assisti ao primeiro episódio de severance, fiz algo que nunca faço. pausei e fui beber. não porque a série é pesada ou porque precisava de tempo para processar. mas porque foi a primeira vez em muito tempo que uma história me fez encarar, sem filtros, o quão absurda é a nossa realidade. precisei de um gole para não gritar.

o que realmente me assusta não é a tecnologia fictícia da lumon. é o fato de que, se ela existisse, haveria fila de espera para o procedimento. porque quem não gostaria de desligar completamente das 8h às 18h? quem não trocaria a consciência constante desse inferno por uma existência simplificada, sem angústia, sem noção de tempo, sem domingos recheados de ansiedade e morte lenta?

a cada episódio que acaba fico olhando para a tela preta, ouvindo o silêncio do meu próprio pensamento. talvez estivesse esperando alguma resposta, alguma saída, alguma dica secreta que me dissesse como escapar disso tudo. mas não veio nada. só a certeza de que amanhã, assim como hoje, assim como todos os dias antes desse, eu levantaria da cama, colocaria minha máscara, beberia café suficiente para parecer funcional e me jogaria, mais uma vez, no ciclo. sem cirurgia, sem botão de desligar, só a boa e velha aceitação de que estamos todos presos.

e é aí que está a verdadeira tragédia. porque não é só sobre trabalho. nunca foi. é sobre essa aceitação passiva de um destino que nos foi imposto antes mesmo de termos idade para entender o que estava acontecendo. estudamos, crescemos, somos condicionados a acreditar que sucesso é sinônimo de um bom emprego, um salário decente, estabilidade. que a vida é essa sequência de concessões, de trocas, de pequenas mortes diárias justificadas por um ou outro benefício ocasional.

e quando finalmente nos damos conta da farsa, já estamos enterrados até o pescoço em boletos, expectativas alheias e obrigações que nunca pedimos para ter. não há para onde correr. não há botão de saída. só resta fazer o que todos fazem. apertar os botões, responder os e-mails, fingir que os prêmios ridículos da empresa importam, aceitar as migalhas de felicidade entre uma reunião e outra e esperar que algum dia, talvez, isso faça sentido.

e, mais do que tudo, vi a mim mesmo. vi o cara que jurava nunca se vender, que ria da ideia de um emprego tradicional, que dizia que preferia morrer a ter uma vida assim. vi esse cara acordar um dia e perceber que, sem nem notar, tinha cruzado a linha. que já estava dentro do sistema, que já havia feito as pazes com ele, que já estava justificando tudo aquilo com as mesmas desculpas que sempre desprezou.

talvez seja por isso que severance incomoda tanto. porque não estamos apenas assistindo a um programa de ficção bem escrito. estamos vendo, com uma clareza brutal, como chegamos até aqui. e pior. como não temos ideia de como sair.

e enquanto isso, mark scout vai continuar entrando naquele elevador, apagando e acendendo como um boneco de corda, exatamente como nós fazemos toda vez que fingimos que essa vida é normal. helly vai continuar tentando escapar de uma prisão que, no fundo, ela mesma escolheu, assim como a gente, que passou anos engolindo o discurso de que um bom emprego é a única saída para não acabar na sarjeta. irving vai continuar pintando paredes escuras, tentando dar sentido a memórias que nunca deveria ter, do mesmo jeito que a gente tenta afogar o tédio em hobbies que jamais vão preencher o buraco que o trabalho cavou dentro de nós. dylan vai continuar segurando botões, segurando portas, segurando qualquer migalha de poder que o sistema lhe dá, acreditando, nem que seja por um segundo, que isso significa alguma coisa.

e nós? nós vamos continuar acordando com o despertador, tomando café forte o suficiente para parecer funcional, fingindo que a última noite de insônia não foi causada pela ansiedade do trabalho. vamos continuar mandando mensagens no whatsapp dizendo “só mais essa semana e depois melhora”, como se isso já não fosse a mentira que contamos para nós mesmos há anos. vamos continuar aplaudindo colegas que se matam de trabalhar enquanto, por dentro, rezamos para que pelo menos um deles tenha coragem de largar tudo e nos provar que outra vida é possível.

e no final do dia, quando estivermos sentados no sofá, exaustos demais para aproveitar o tempo que nos resta, vamos assistir a severance, apontar para a tela e dizer “puta que pariu, que série foda”. vamos rir, vamos twittar sobre como é genial, vamos compartilhar memes de innie e outie como se fosse só entretenimento. mas então o domingo vai chegar, aquela dor no peito vai bater, o relógio vai avisar que é hora de dormir e, na manhã seguinte, vamos entrar no elevador. e vamos apagar. e vamos acender. e vamos continuar.

e é por isso que meu innie teria me matado sem pensar duas vezes. sem remorso, sem hesitação, sem nem um aviso prévio. teria me olhado com aquele desprezo gelado, aquele olhar vazio de quem entendeu rápido demais a merda em que foi jogado, e me despachado como um chefe corta um funcionário na surdina de uma sexta-feira à tarde. e eu mereceria. porque fui eu que vendi essa vida para ele. fui eu que aceitei apertar os botões, sorrir nas reuniões, me enterrar nesse ciclo sem sentido e ainda me convencer de que era o certo a fazer. ele teria acabado comigo de forma limpa e eficiente, e depois voltado para sua mesa, pronto para mais um dia de trabalho. e a única diferença entre ele e muitos de nós é que ele pelo menos teria feito alguma coisa a respeito.

Categorias
2025

vou abrir um canal no youtube

vou abrir um canal no youtube. não sei quando. pode ser amanhã, pode ser daqui a uma semana, pode ser que eu nunca abra e essa ideia morra sufocada pelo próprio peso da dúvida. mas, no momento, está viva. pulsando. se debatendo na minha cabeça como um animal trancado num quarto pequeno demais.

porque, de repente, me vi pensando nisso mais do que deveria. e isso é um problema. qualquer ideia que começa como um sussurro e cresce até se tornar uma obsessão geralmente termina em desastre. e ainda assim, aqui estou. considerando seriamente essa insanidade.

não porque eu ache que o mundo precisa do meu canal. longe disso. o mundo não precisa de absolutamente nada que mais alguém tenha a dizer. mas, por outro lado, o mundo está tão entupido de barulho inútil que talvez mais um pouco de ruído não faça diferença. talvez a única maneira de não ser engolido por essa lama seja mergulhar de cabeça nela.

o processo de decidir foi… caótico. porque tudo em mim grita para não fazer isso. eu desprezo a cultura de atenção infinita, a lógica do engajamento, a necessidade patética de validação que transforma qualquer pessoa minimamente interessante em um produto diluído para consumo rápido. mas, ao mesmo tempo, tenho uma necessidade quase doentia de falar. e não só de falar, mas de incomodar. de provocar. de cutucar feridas que as pessoas fingem não existir.

e então veio a segunda questão… sobre o que seria? e imediatamente odiei essa pergunta. porque, hoje em dia, todo mundo parece obcecado em se encaixar em uma categoria específica. “qual é o nicho do seu canal?” como se a única maneira de existir fosse escolher um rótulo e se afogar nele. comida. viagens. cultura. comportamento. sociedade. como se fosse proibido simplesmente falar.

então, se eu abrir esse canal, vai ser sobre isso, tudo e nada. o que me der na telha. o que me irritar no dia. o que eu observar de grotesco, de brilhante, de inexplicável. sem roteiro. sem estrutura. sem compromisso com o que veio antes.

mas e se eu mudar de ideia? e se um dia eu decidir que essa coisa toda foi um erro? que prefiro a paz do anonimato ao invés da exposição inevitável? ótimo. sumo. deleto tudo. sem despedida. sem aviso.

então, sim. vou abrir. não sei quando. mas uma hora acontece. e quando acontecer, bem… azar o de quem apertar o play.