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2025

breaking news

vivemos na era da manchete performática e da verdade opcional. uma espécie de reality show da informação onde ninguém quer saber se é verdade, só se rende. o jornalismo, coitado, já não tem mais vergonha de repetir o que ouviu no banheiro do aeroporto, desde que a frase venha com aspas e gere tráfego. o critério editorial virou a pergunta: isso vai render cliques? e não isso faz sentido?

a essa altura, o ciclo é simples. alguém solta uma frase absurda, uma promessa, uma denúncia, uma previsão apocalíptica. o veículo publica sem apurar. os portais replicam. o público reage. e quando tudo desmorona, quando se descobre que era tudo fumaça de gelo seco, ninguém se responsabiliza. apenas seguem em frente, como se não tivessem acabado de plantar mais uma semente de ignorância em solo fértil.

a candidatura fake do felipe neto foi só mais um episódio nesse circo ambulante. a imprensa não só noticiou como debateu, teorizou, levantou chances reais. tudo com a mesma seriedade de quem cobre guerra ou eleição presidencial de verdade. e quando ele apareceu dizendo “era só uma publi”, a reação foi um bocejo coletivo. ninguém pediu desculpa por ter bancado o arauto do delírio. ninguém refletiu sobre o papel de transformar um golpe publicitário em fato político. só trocaram de pauta, como quem troca de canal quando o programa fica sério demais.

mas esse caso não foi exceção. é a nova regra. é assim com tudo. desde celebridade anunciando que vai morar em marte, até deputado jurando que o aquecimento global é invenção da onu pra vender ventilador. se tiver apelo, vira notícia. se viralizar, vira verdade temporária. e se for desmentido? quem se importa? o público já se inflamou, já compartilhou, já se sentiu parte de algo. a verdade chega tarde demais, ofegante, com cheiro de naftalina.

o mais brilhante… e por brilhante, entenda patético, é que isso tudo é tratado com naturalidade. como se não estivéssemos todos mergulhados num caldo ralo de desinformação temperado com superficialidade. como se não fosse grave o bastante termos veículos tradicionais servindo como correia de transmissão de falas sem contexto, sem verificação, sem consequência. não se noticia mais o que é, mas o que se disse. e isso basta. virou padrão. basta fulano afirmar algo, e já temos matéria. não interessa se fulano é especialista ou se tá fazendo live no porão com boné de alumínio.

e aí, o que era pra ser jornalismo vira fanfic institucional. tudo publicado com um verniz de credibilidade, mas com a profundidade de um tweet mal escrito. e se alguém ousa duvidar, questionar, pedir apuração? é tratado como chato, antiquado, analógico. “relaxa, é só uma nota rápida.” como se o fato de ser rápido justificasse ser raso. como se o jornalismo tivesse virado um drive-thru da ignorância.

e claro, o público também colabora. consome tudo com a mesma voracidade de quem compra ingresso pra ver tragédia encenada. quer emoção, quer indignação pronta, quer narrativa que caiba num reels. não quer nuance, não quer dúvida, não quer a chatice da realidade. quer confirmação. quer aquilo que reforça sua versão dos fatos, mesmo que os fatos estejam gritando por socorro do outro lado da rua.

o problema nunca foi a mentira existir. o problema é ela ter plateia, roteiro, figurino e patrocínio. e quando a imprensa, que deveria ser o filtro, vira o megafone, temos não só um colapso ético, temos um colapso funcional. porque se tudo é noticiável, então nada é verificável. e se nada precisa ser confirmado, então qualquer um pode dizer qualquer coisa, e ser levado a sério por vinte minutos até que a próxima loucura chegue.

isso não é imprensa livre. isso é imprensa perdida. uma máquina de replicar ruído, travestida de guardiã da informação. um coral de papagaios editoriais, repetindo o que ouviram sem sequer saber de onde veio.

e no fim, a gente ainda finge surpresa. como se não fosse previsível. como se não soubéssemos que a verdade hoje vale menos do que uma thumb bem feita com fonte impact. como se não estivéssemos todos, coletivamente, empurrando essa carroça de desinformação ladeira abaixo, só pra ver até onde vai dar.

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2025

você não lê, você escaneia… e mal

você viu o título. leu rápido, achou provocativo, talvez até se sentiu levemente insultado e, num impulso pavloviano, já tava formando uma opinião com base em 12 palavras. porque hoje em dia é assim, leu o letreiro do restaurante e já tá escrevendo a crítica no tripadvisor.

não importa se era ironia, se o texto se desdobra, se existe nuance. nuance dá trabalho. exige tempo. exige uma coisa rara, quase extinta… atenção. mas você não quer entender. quer parecer que entendeu. quer bancar o sabichão no jantar, o crítico cultural do grupo do whatsapp, o justiceiro de feed, sem nunca ter, de fato, entrado na porra do texto.

as pessoas não leem. elas escaneiam. procuram palavras-gatilho como quem caça pokémons, só que em vez de diversão, querem indignação de bolso. “isso me ofende? isso me representa? posso usar isso contra alguém?” se a resposta é sim pra qualquer uma dessas, pronto, temos uma opinião formada. uma posição sólida como pudim fora da geladeira.

a tragédia nem é a burrice. burrice a gente tolera. o problema é a vaidade. gente que vive com o ego inflado por manchete, achando que é culto porque viu um vídeo com legenda explicando a guerra do oriente médio em 45 segundos com trilha sonora de lo-fi hip hop.

o título virou totem. virou religião. virou identidade. ninguém mais lê um texto com o espírito aberto, como quem vai ao mercado sem lista, disposto a ser surpreendido. leem como quem entra num drive-thru, já sabem o que querem, só não sabem como vem embalado.

e quando o conteúdo desafia, quando quebra a expectativa, quando te joga na cara que você pode, veja só, estar errado… aí pronto. “o texto é confuso”, “pretensioso”, “ai que arrogante”. como se o problema fosse o prato, não o paladar infantil de quem ainda acha que nuggets são alta gastronomia.

e você, que adora parecer engajado, empático, lido, profundo… não passa de um fantasma digital. sem tempo, sem paciência, sem estômago pra lidar com a complexidade real do mundo. acha que ser informado é repostar link. acha que ser crítico é discordar com emoji. acha que tem voz, mas tudo o que tem é wi-fi.

vai lá, compartilha esse texto com a certeza de que ele não é sobre você. chama de “genial”, finge que leu tudo, joga uma frase de efeito no final e volta pra sua zona de conforto. porque pra encarar o conteúdo de verdade, com estômago, você teria que fazer algo radical. parar. ler. pensar. e isso, meu caro… não cabe num título.

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2025

coachs

eu sou completamente apaixonado por coachs. sério. eu acho que são os grandes visionários da era moderna. tem algo quase místico naquela confiança inabalável, naquele olhar penetrante de quem acorda todo santo dia com o sol nascendo dentro do peito e a certeza de que nasceu pra mudar vidas, começando pela sua. frases como “você não é o que aconteceu com você, é o que escolhe ser” ou “você atrai o que vibra” me tocam fundo. tem dias que eu acordo triste, desanimado, mas aí vejo um reels com trilha de coldplay e um coach dizendo “o impossível é só o medo com fantasia de realidade”, e pronto… a alma já quer abrir uma MEI e dominar o mundo.

essas pessoas me inspiram. o jeito como falam, como gesticulam, como apertam os olhos quando soltam aquela frase de efeito no final da palestra, como se tivessem acabado de parir uma revelação divina. “sua zona de conforto é o caixão dos seus sonhos”, porra, aquilo me deu um baque. eu escrevi isso na minha parede com marcador permanente. toda vez que vou cagar, leio e me sinto renascendo.

não dá.
não consigo.
nem fingindo.
nem com música do hans zimmer de fundo.

era pra ser um texto de primeiro de abril, mas não consigo…

eu não consigo te elogiar, coach.
nem na base da ironia.
nem como piada.
nem no dia da mentira.

porque chega uma hora em que nem a ironia aguenta o próprio peso, e o sarcasmo começa a suar frio de vergonha.
nem em primeiro de abril eu consigo sustentar a piada.
coach, meus caros, não é profissão.
é um sintoma.
é o refluxo tardio de uma sociedade tão desesperada por sentido que decidiu aceitar qualquer um com microfone de orelha e um power point como guru espiritual.

o coach é o tipo de sujeito que se perder no próprio bairro, mas ainda assim te vende um mapa pra felicidade.
o cara não sabe fritar um ovo sem crise de identidade, mas quer te ensinar a “viver com propósito”.
é o tipo que leu meio o poder do agora, misturou com um vídeo de tedx de um norueguês aleatório e saiu do outro lado se autoproclamando “mentor de alta performance emocional”.
na prática?
é um recreador de resort que perdeu a vaga no club med e decidiu que o próximo passo natural seria salvar almas.

eles falam com uma segurança que só quem nunca passou por merda de verdade consegue sustentar.
o coach típico é um sobrevivente de absolutamente nada.
nenhuma guerra.
nenhum luto real.
nenhuma madrugada acordado se perguntando se a vida ainda vale a pena.
nada.
só fome de palco, terno justo, e uma compulsão patológica por postar stories dizendo que “o sucesso é um estado de espírito”.

coach é o tipo de gente que transforma “tomar café sem açúcar” em estilo de vida.
que romantiza acordar às 5h da manhã como se o relógio fosse o santo graal.
o cara acorda cedo pra postar vídeo dizendo que acordou cedo.
depois grava um reels explicando que produtividade começa com disciplina.
e termina o dia exausto de tanto fingir que vive no modo turbo da existência.

só que tudo é fake.
a agenda lotada, o propósito, os clientes que “transformaram suas vidas”, a paz de espírito.
é tudo performance.
coach é um ex-colega da faculdade de publicidade que agora acredita piamente que o universo responde melhor pra quem usa bullet journal e fala “gratidão” com voz de asmr.

e a culpa é tua, claro.
porque no universo paralelo do coach, se a tua vida tá uma merda, é porque você “não tá vibrando direito”.
como se a falência emocional que você vive fosse uma falha de sintonia, tipo rádio am em carro velho.
como se todo fracasso fosse só uma questão de mindset.
como se boleto atrasado fosse falta de fé e não de salário.

eles te jogam frases como se fossem confetes:
“fracasso é aprendizado”,
“seja a sua melhor versão”,
“nada muda se você não mudar”.

caralho. isso não é sabedoria.
isso é verso de embalagem de chá com autoestima.

no fim, o coach é isso:
um eco vazio de um mundo que não quer pensar, só sentir-se momentaneamente elevado.
é alguém que nunca enfrentou a própria sombra, mas tá ali, vendendo luz por quilo.

então não.
não dá.
não consigo nem brincar.
porque enquanto tiver um coach falando merda com convicção, vai ter alguém quebrado pagando por isso achando que tá comprando salvação.
e isso, meu amigo, não é engraçado.
é só triste.
e patético.
mas vende.

e coach, acima de tudo, adora vender.

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2025

sábado

ah, sábado. o dia em que deus descansou, e com razão. porque se até uma entidade onipotente olhou pra essa bagunça chamada existência e disse “chega por hoje”, quem é você pra levantar da cama antes do meio-dia? sábado não é um dia, é um manifesto. um protesto silencioso contra tudo que exige esforço, responsabilidade ou sapato fechado.

é aquele pedaço sagrado da semana onde o tempo escorre diferente, meio bêbado, meio de ressaca, como se o universo tivesse apertado o botão de soneca da realidade. a lógica some. as refeições viram eventos aleatórios, tipo “jantar às 16h” ou “café da manhã às 19h com pizza gelada e energético”. e tá tudo certo.

a moda do sábado é o pijama manchado de café e dignidade. o dress code é “o que tiver por perto”. você tá estiloso não porque se vestiu bem, mas porque não tá nem aí. e isso, meu amigo, é atitude.

e os planos? ah, os planos. eles começam grandiosos. “vou limpar a casa, vou ler aquele livro, vou cozinhar algo incrível”. duas horas depois, você tá sentado no chão da sala, assistindo um vídeo de um texugo dançando ao som de música eletrônica, enquanto toma sorvete direto do pote com um garfo.

só no sábado o ser humano vira sua versão mais pura… um animal de sofá, com controle remoto numa mão e a consciência limpa, porque hoje não tem obrigações, só vontades.

e mesmo quando você decide sair, veja bem, uma escolha consciente de se enfiar num bar lotado, pagar caro por uma bebida aguada e ouvir alguém tocando wonderwall no violão, tudo parece mágico. porque sábado tem essa capacidade poética de transformar o banal em épico. você tá na calçada, com uma cerveja quente na mão, rodeado de gente meio suada e falando merda… e pensa: “isso aqui é viver”.

só o sábado te permite flertar com o ridículo e sair bonito. dançar mal, rir alto, comer porcaria, mandar áudio bêbado, falar com o cachorro como se ele fosse gente, e tudo isso com uma aura quase mística de “isso aqui é autocuidado”.

então não se engane. sábado não foi feito pra produzir, planejar, evoluir. sábado foi feito pra sobreviver… com charme. é o único dia em que a bagunça faz sentido, em que o caos é bem-vindo, e em que ser um pouco ridículo é não só aceitável, mas necessário.

então se joga. viva o sábado como se o mundo fosse acabar… porque no fundo, ele acaba mesmo… assim que o domingo chega com aquele cheirinho de tristeza e reprise do fantástico.

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2025

saúde

saúde. essa ficção científica mal escrita que a gente finge viver, entre um turno mal dormido e outro café requentado, como se o corpo fosse uma máquina de guerra soviética, feita pra aguentar pancada, funcionar com qualquer combustível e seguir em frente cuspindo fumaça até o fim glorioso no meio de um tiroteio metafórico ou, mais provavelmente, numa reunião de trabalho com pão velho e café frio.

a verdade é que saúde virou um detalhe técnico. um apêndice da vida moderna. ninguém vive pra ter saúde. a gente vive apesar dela. a única hora que esse troço ganha protagonismo é quando começa a falhar. quando o sistema trava, o motor esquenta, e aquele joelho que você ignorou por seis anos decide fazer greve durante a subida de uma simples calçada. aí sim, rola o susto. você para, olha pro corpo e pensa… “porra, tu era meu parceiro.”

mas a real é que você tratou ele como um estagiário sem direitos. jogou as piores tarefas, ignorou os alertas, forçou além do limite, deu zero reconhecimento. e agora quer que ele continue operando em alto nível? não, meu amigo. o corpo cobra. e cobra na moeda mais escrota possível… tempo. energia. qualidade de vida. tudo aquilo que você trocou por mais um deadline entregue, mais um almoço pulado, mais uma semana sem parar, mais uma desculpa qualquer pra não lidar com o fato de que você tá se desmontando aos poucos, só que com estilo.

e aí vem o desespero. a transformação cômica, o sujeito que riu da salada, agora pesa folha no prato. o comedor de qualquer coisa com gordura e sal agora fala de “alcalinizar o organismo”. o mesmo idiota que dizia “pra morrer basta estar vivo” agora anda com uma sacolinha de remédios e consulta marcada com o cardiologista antes mesmo do cafezinho. virou devoto do próprio pânico.

o mais engraçado? no fundo, você sempre soube. sabia que não dava pra levar esse corpo como se fosse um carro emprestado. só achou que dava tempo. que a conta não ia chegar tão cedo. que o cansaço era só uma fase, que a dor era só postura, que o ronco estranho era só um jeito seu de respirar.

e agora você aí. tentando recuperar em três semanas de suco morno o estrago feito em vinte anos de churrasco, estresse, cafeína, ignorância e negacionismo personalizado. parabéns. você não é vítima do sistema. é cúmplice. e o pior, voluntário.

saúde, meu caro, não é presente. é cobrança. e se você não paga direito, ela tira com juros. e sem anestesia.

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2025

tenha vícios

eu sei, tem gente que vive de luz. que acorda com o sol, faz alongamento ouvindo mantra tibetano, come tofu com chia e sorri como se a vida fosse um comercial de margarina vegana. acordam às cinco da manhã por vontade própria, tomam banho gelado, jejuam intermitentemente, e ainda olham pra você com pena porque você ainda come glúten. essas pessoas me assustam. são como androides programados pra fingir plenitude enquanto reprimem uma vontade assassina de devorar uma lasanha congelada às três da manhã.

eu, por outro lado, tenho um vício. coca zero. nada místico, nada elevado. é só uma latinha preta, gelada, carregada de química e autoengano… exatamente o que eu preciso pra aguentar mais um dia nesse teatro grotesco chamado vida adulta. enquanto o mundo insiste em me cobrar equilíbrio emocional, resiliência e um plano de carreira com propósito, eu sento, abro minha latinha e deixo a cafeína e o aspartame me lembrarem que ainda sou humano, imperfeito, e absurdamente feliz com isso.

é esse momento, esse microsegundo entre o pshht e o primeiro gole, que me salva. enquanto o refrigerante escorre e borbulha, o mundo fica em câmera lenta. as cobranças, as neuroses, as metas, os boletos… tudo vira ruído de fundo. a coca zero não me julga, não me pede produtividade, não me manda e-book com “dez passos pra uma mente blindada”. ela só existe. e me entende melhor do que qualquer terapeuta com diploma sueco.

todo mundo precisa disso. um vício. um pequeno colapso autorizado. uma brecha na rotina onde a sanidade pode respirar sem pedir licença. e não, não precisa ser um vício digno de roteiro da hbo. pode ser algo besta, algo silencioso. pode ser chiclete, pode ser karaokê de madrugada, pode ser até pesquisa antropológica. o importante é ter. porque quem diz que não tem vício… bom, essa gente me dá medo.

não confio em quem não tem vício. não dá. são os mesmos que dizem que “água com limão muda vidas”, que “a positividade é uma escolha”, que “você atrai o que vibra”. essas frases deviam vir com um aviso de saúde mental. porque por trás dessa fachada limpa e solar tem sempre uma panela de pressão prestes a explodir. uma hora vai sair no jornal: “homem exemplar mata três colegas de trabalho com um grampeador após 12 anos sem comer açúcar.”

o vício, ao contrário do que tentam nos enfiar goela abaixo, não é fraqueza. é mecanismo de defesa. é o que te impede de virar um desses robôs sem alma que acham que a felicidade está no número de passos dados no dia. é o que dá cor ao tédio, o que injeta um pouco de caos controlado na ordem estéril da rotina. é o que te lembra que ser humano é, antes de tudo, ser falho e que isso é uma delícia.

e vamos falar a real, a maior parte do tempo a gente tá só empurrando um carrinho emocional quebrado ladeira acima, sorrindo por obrigação e respondendo “tudo bem” por reflexo. ter um vício é admitir que a vida, do jeito que foi montada (trabalho, pouca grana, mais trabalho e menos grana ainda), não é natural. não é sustentável. é uma grande peça de teatro cheia de regras idiotas onde você precisa fingir que ser adulto é legal. e se você tem algo, qualquer coisa, que te dá cinco minutos de fuga dessa farsa, agarre com força.

no meu caso, é uma coca zero. e que prazer magnífico é esse. eu sei que tem gente que vai torcer o nariz, citar estudos, falar do aspartame como se fosse napalm. parabéns, doutor. vai cuidar da tua vida e deixa que a minha eu destruo no meu ritmo. tem gente cheirando pó de anjo em banheiro de balada e a minha coca zero é que te incomoda? vai pastar. cada um que cuide da própria dose de autodestruição. a minha, pelo menos, vem gelada.

e olha, não tem glamour nisso. não é sobre estilo, é sobre sobrevivência. é sobre continuar acordando todo dia sabendo que o mundo tá uma merda, que as pessoas são insuportáveis, que o algoritmo tá vencendo, e ainda assim achar algum prazer na repetição de um gesto besta. abrir a latinha, tomar o primeiro gole, suspirar. é quase um mantra. é o anti-ioga. o verdadeiro mindfulness da alma fodida.

e spoiler: não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram — é o vício, sim, essa alegria clandestina que você finge que não tem, mas que é a única coisa que te impede de largar tudo, meter o pé na porta do RH e começar a gritar “eu sou livre, caralho” no meio da firma.

e tenho um spoiler final pra você, não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram… é o vício, sim. esse pacto silencioso entre você e a merda toda. esse gesto sujo, repetido, íntimo, que não promete cura, não finge salvação, mas te entrega exatamente o que a vida raramente dá… alívio. sem lição de moral, sem hashtag, sem plano mensal. só um respiro no meio do naufrágio, com gosto de química, culpa e uma puta sinceridade gelada.

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2025

atualização youtube

atualização do projeto, pra quem ainda tá por aqui e não foi engolido pela próxima tendência inútil da internet ou por mais um vídeo de alguém chorando por engajamento.

já temos roteiro. já temos som.
e agora vem a parte mais complicada: fazer isso tudo virar imagem sem virar clichê.
sem cair na armadilha da estética bonita pra compensar a falta de conteúdo.
sem aquele verniz de “profundo” que só esconde o óbvio com cara de conceito.
não vai ter vlog. não vai ter podcast. não vai ter você se sentindo inteligente só por assistir.

e não, não espere me ver contando minha rotina como se fosse algo digno de interesse público.
isso aqui não é um “dia comigo”. é um “dia contra mim”.
um tipo de realidade que você só enxerga quando para de tentar parecer feliz o tempo todo.

vai ter imagem, sim.
mas daquelas que não se explicam.
coisas acontecendo, ou não acontecendo.
a vida como ela éentediante, desconfortável e sem trilha sonora inspiradora.
e por trás, pensamentos. não frases de impacto, não narração com voz grave e pausa dramática.
pensamentos, do jeito que eles vêm: tortos, atravessados, quase sempre inconvenientes.

o que tá vindo?
não interessa.
não é pra ser anunciado. é pra ser sentido. ou ignorado.
mas pra quem insiste em pista, talvez dê pra dizer que a coisa toda começa com aquele incômodo que bate quando você percebe que o mundo que você achava que lembrava… talvez nunca tenha existido daquele jeito.

e não, não vou contar mais.
spoiler é pra roteiro fraco que precisa de expectativa pra sobreviver.
isso aqui não precisa de promessa, precisa de coragem.

vai chegar.
de canto.
sem introdução, sem thumbnail chamativa, sem precisar se explicar.
e quando chegar, vai ser como toda coisa verdadeira…
você não vai saber se gosta, mas não vai conseguir fingir que não sentiu.

então senta e espera.
ou não.

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2025

um brinde

beleza. então senta, enche o copo com o que quiser… água, vinho, suco de caixinha, lágrima, não importa… e presta atenção, porque eu vou te falar sobre uma das poucas coisas que ainda me faz acreditar que a humanidade, apesar de estúpida, ainda tem salvação… o brinde.

não, não é o álcool. não é o vinho biodinâmico de 300 reais a garrafa com notas de carvalho e pretensão. não é a taça fina que você só usa quando quer impressionar alguém que nem merece. é o gesto. o ritual. o tilintar. é aquele instante miserável em que você suspende o copo e declara, sem nenhuma garantia… “tamo junto nessa desgraça.”

o brinde nasceu no caos, como tudo que presta. os gregos brindavam porque tinham medo de morrer envenenados… sim, brindar era literalmente um teste de confiança, eu bebo se você beber, e se alguém morrer, bem, pelo menos morre acompanhado. os romanos? transformaram o brinde em espetáculo. nada mais romano do que fingir que estão celebrando a vida enquanto planejam a próxima punhalada nas costas. e os bárbaros, os vikings, esses sabiam das coisas. brindavam à morte, à guerra, à chuva que caía depois de uma seca de três meses. qualquer desculpa pra levantar o copo e dizer “hoje não morri, amanhã é problema futuro.”

e hoje? hoje o brinde virou essa performance, esse teatro mal ensaiado onde as pessoas levantam suas taças de prosecco sem alma e dizem “à vida!” como se soubessem o que isso significa. é bonito de ver, claro. é fotogênico. mas no fundo, no fundo, o brinde de verdade continua sendo aquele instante de silêncio carregado de tudo o que você não quer dizer em voz alta. é quando você olha no olho da pessoa e diz sem dizer: “tá difícil, mas foda-se, vamos nessa.”

eu brindo porque não confio em quem não brinda. gente que se recusa a levantar o copo tá escondendo alguma coisa. ou medo. ou arrogância. ou uma incapacidade patológica de admitir que viver, mesmo mal e porcamente, é uma conquista diária. e sim, brindo com água. sempre que preciso. sempre que quero. brindar com água é o meu jeito de jogar o jogo e cuspir nas regras ao mesmo tempo.

“mas dá azar brindar com água!” azar é viver com medo de superstição. azar é aceitar o cinismo diário e não conseguir celebrar uma merda de momento porque o copo não tem álcool. brindar com água é o brinde do desajustado lúcido. é o ato supremo de rebeldia sóbria. é dizer: “eu tô aqui, consciente, consciente demais até, e mesmo assim escolho brindar. olha só que ousadia.”

eu brindo pela comida boa e pelos jantares esquecíveis. brindo por conversas que valem ouro e pelos silêncios que doem. brindo por quem ficou, por quem foi e até por quem eu preferia que nunca tivesse aparecido. brindo por erros que viraram história, por dias que começaram merda e terminaram piores.

brindo porque brindar é tudo o que me resta quando o mundo insiste em não fazer sentido. é o momento em que eu dou risada da tragédia. em que transformo frustração em ritual. e quer saber? o brinde não precisa de razão. o brinde é a razão.

é isso que ninguém entende. não é sobre comemorar. é sobre marcar território. dizer “eu existi aqui, eu senti isso, e eu fiz questão de levantar um copo pra deixar claro.”

então, sim. eu vou continuar brindando. com vinho ou com água. vou brindar em mesas cheias, em mesas vazias, com amigos, com estranhos, com o espelho. vou brindar como quem desafia o universo: “me derruba, desgraçado, mas antes, um último gole.”

porque brindar é o ato mais humano e desesperadamente bonito que a gente tem. um instante de teatro e verdade misturados. uma pequena revolução disfarçada de etiqueta. e no final, quando tudo acabar, e vai acabar, que pelo menos reste o som de dois copos se tocando e alguém dizendo “à vida”, mesmo sem saber o que isso quer dizer.

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2025

design das academias

academias são um fenômeno arquitetônico e social que eu nunca consegui entender completamente. quem decidiu que precisavam ter esse visual meio “laboratório de experimentação humana” misturado com um “cassino de subúrbio”? que mente brilhante olhou para um espaço cheio de gente suando e pensou: “sabe o que isso precisa? mais iluminação branca fluorescente, música ensurdecedora e um cheiro de whey protein vencido permeando o ar”? há algo profundamente desconfortável na maneira como academias são projetadas, como se o objetivo fosse nos lembrar, a cada segundo, que a vida é um ciclo eterno de esforço, frustração e autopunição voluntária.

talvez a referência arquitetônica venha de fábricas da revolução industrial, linhas de produção de corpos mais magros, mais fortes, mais vendáveis. ou talvez tenha um toque das prisões panópticas do século XVIII, onde todo mundo pode ver todo mundo, e a única regra é a vigilância constante. talvez até exista algo inspirado nos cassinos de las vegas, um espaço sem janelas, sem noção de tempo, onde entramos sem saber ao certo quando (ou se) vamos sair. seja qual for a origem, o fato é que academias não foram feitas para serem gostadas. foram feitas para serem suportadas.

e tudo começa na recepção, esse território liminar onde a academia ainda finge ser um lugar civilizado. há um balcão imenso, desnecessariamente imponente, como se estivéssemos prestes a embarcar em um voo internacional ou nos matricular em uma sociedade secreta. a iluminação aqui já dá o tom, branca, fria, impiedosa, transformando qualquer um em uma versão pálida e ligeiramente desesperada de si mesmo. há telões pendurados, geralmente passando vídeos motivacionais de gente sarada correndo em uma floresta chuvosa ou levantando pesos sob uma luz dramática, como se tudo isso fosse um ritual de superação e não apenas um bando de adultos tentando evitar um futuro de problemas cardíacos.

as catracas são outro detalhe fascinante. qualquer outro lugar de prática esportiva… um campo, uma quadra, um parque, permite que você entre e saia livremente. mas na academia? não. aqui, há barreiras metálicas dignas de uma estação de metrô em horário de pico. você precisa passar seu cartão ou digital, ouvir um apito eletrônico, ver a luz verde acender e empurrar aquela roleta de aço inoxidável como se estivesse prestes a embarcar em uma jornada sem volta. e, de certa forma, está.

e então, o cheiro te atinge. uma combinação de suor velho impregnado nos equipamentos, desodorante de farmácia, aquele perfume amadeirado exagerado que algumas pessoas insistem em usar antes de treinar (como se a academia fosse uma boate) e, claro, whey protein de baunilha, um aroma que paira no ar como um lembrete de que comida de verdade é para os fracos.

a trilha sonora é um show à parte. não há variação. é sempre uma batida eletrônica genérica, algo entre “festa rave underground” e “playlist de academia de 2012 que nunca foi atualizada”. as batidas são rápidas o suficiente para induzir um leve ataque de ansiedade, mas nunca tão rápidas que tornem o sofrimento divertido. e o volume? alto o bastante para ser irritante, mas não o suficiente para abafar os barulhos de ferro batendo, gemidos de esforço e o constante zumbido das esteiras funcionando em uníssono, como se a própria estrutura estivesse respirando.

e falando em esteiras, elas são estrategicamente posicionadas logo na entrada, garantindo que qualquer um que passe pela recepção veja o espetáculo de sofrimento humano em tempo real. porque não basta correr sem sair do lugar, tem que fazer isso sob os olhares julgadores do público. algumas delas têm telas interativas que prometem transformar a experiência em um “jogo”, onde você pode fingir que está correndo em paris ou nova york, como se isso fosse diminuir a monotonia da experiência. não diminui. a única coisa real ali é o suor escorrendo e a sua dignidade evaporando a cada quilômetro fictício percorrido.

depois, vem o salão das máquinas, um labirinto de ferro, cabos e alavancas que parecem saídas de uma instalação de tortura da inquisição espanhola. algumas são intuitivas… você puxa, empurra, levanta. outras exigem um mestrado em engenharia biomecânica para serem operadas corretamente. há sempre uma máquina misteriosa, ocupando um canto da academia, que ninguém parece saber como usar. às vezes, alguém tenta. mexe nos apoios, ajusta os pesos, olha para os lados para garantir que ninguém está assistindo e… desiste. ninguém ousa perguntar para que serve. é um enigma eterno.

os espelhos são uma obsessão inexplicável. cobrem todas as paredes, garantindo que não haja um único ângulo onde você possa escapar do reflexo da sua própria miséria. são implacáveis, refletindo suor, má postura, caretas involuntárias e a percepção incômoda de que, não importa o quanto você se esforce, você nunca parecerá tão definido quanto gostaria. são juízes silenciosos, sempre ali, prontos para te lembrar que há um longo caminho até o corpo dos sonhos e que a pizza do fim de semana não ajudou.

há também as aulas coletivas, que deveriam ser uma alternativa mais dinâmica e motivadora, mas que na prática são rituais tribais de humilhação pública. um grupo de pessoas aparentemente normais se transforma em atletas olímpicos, saltando, girando, se contorcendo como se estivessem em uma competição televisiva. a música bate mais forte, o ritmo acelera e, se você piscar, pode acabar tropeçando no próprio pé e caindo no meio da sala, garantindo que seu nome seja lembrado por todos os presentes até o fim dos tempos.

a lanchonete da academia é um paradoxo cruel. um oásis visual, repleto de luzes e cores vibrantes, onde você pode comprar shakes proteicos de sabores que não deveriam existir (torta de maçã? bolo de aniversário?), barrinhas de proteína que têm a textura de concreto seco e sucos detox que custam mais do que um almoço completo, mas prometem “purificar seu corpo”. sempre há alguém segurando um copo de 900ml de um líquido verde viscoso, jurando que tem gosto de nutella. não tem. nunca tem.

o vestiário é um último golpe na alma. um espaço abafado, onde lockers pequenos demais fazem você lutar contra as leis da física para guardar sua mochila, e onde os chuveiros alternam entre temperaturas de derreter carne e congelamento imediato. o chão sempre parece molhado, não importa o quanto tentem limpá-lo. toalhas úmidas, roupas encharcadas, uma atmosfera carregada de vapor e derrota.

a saída é um alívio temporário. atravessar as catracas de volta para o mundo real é como escapar de um campo de treinamento militar. olho para o espelho da saída esperando ver alguma transformação milagrosa. nada. apenas uma versão mais suada, cansada e ligeiramente arrependida da mesma pessoa que entrou. e ainda assim, sei que amanhã estarei de volta.

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2025

festas

quando, por alguma falha na matrix, acabo indo a uma festa, faço o que qualquer pessoa minimamente sensata faria… entro, avalio a cena como um antropólogo num experimento social e traço uma estratégia de sobrevivência. porque festas, sejamos honestos, não são lugares para se divertir, são arenas de performance, teatros improvisados onde todo mundo está tentando parecer um pouco mais feliz, mais interessante, mais bem-sucedido do que realmente é.

então eu observo. escolho um canto estratégico, onde possa ter uma visão panorâmica do circo sem ser puxado para dentro dele. vejo os primeiros movimentos… os que chegam radiantes, como se tivessem ensaiado esse momento no espelho, os que entram inseguros, esperando encontrar um rosto conhecido para ancorar sua existência, os que já começam a beber como se cada gole fosse um salvo-conduto para suportar a noite.

evito as rodinhas de risadas ensaiadas e conversas pré-fabricadas. aquele papo de “e aí, no que você anda trabalhando?”, seguido de um monólogo sobre algum projeto irrelevante que a pessoa claramente não se importa, mas precisa vender como o próximo grande acontecimento da humanidade. evito também os palestrinhas, os especialistas relâmpago que, em um mês, passaram da obsessão por vinho natural para um doutorado improvisado em inteligência artificial. e evito, principalmente, qualquer conversa que envolva a frase “vamos marcar algo”… porque sabemos que não vai acontecer.

se há comida, provo. não pelo evento, mas pela ciência. um canapé decente pode redimir uma noite inteira de interações desnecessárias, e um prato malfeito pode selar meu destino, permanência mínima, fuga rápida. observo as bandejas passando, os olhares famintos de quem finge estar ali pelo networking, mas secretamente está só esperando o momento certo para atacar o bufê.

a música, claro, é sempre um fator determinante. se for alta demais, a festa se transforma num jogo de mímicas constrangedor. se for ruim demais, todo mundo finge gostar para não parecer “desatualizado”. e se houver pista de dança, invariavelmente chega aquele momento da noite em que alguém, bêbado de autoconfiança ou tequila, tenta arrastar alguém para o meio dela.

fico o tempo necessário para cumprir minha cota social, garantir que minha presença foi notada e, principalmente, para sair no momento exato, nem cedo demais, para não parecer antissocial, nem tarde demais, para não ser sugado para o vórtex de promessas de amizade eterna que evaporam na manhã seguinte. e quando finalmente atravesso a porta de volta para minha própria realidade, longe de luzes artificiais e conversas vazias, respiro fundo e sorrio. porque no fim, a melhor parte de qualquer festa sempre será sair dela.