tô num estado que nem dá pra chamar de espírito. é mais um modo de operação… 100% intolerância gourmet, zero paciência pra bullshit com embalagem premium. cheguei num lugar onde “fazer parte” virou ofensa e “colaboração” soa como ameaça passiva-agressiva travestida de convite.
não é que eu esteja zen, longe disso. tô num tipo raro de paz… aquela que vem depois de muito caos, muito “sim” que deveria ter sido um “vai à merda” e projetos que eu aceitei só pra me lembrar, com gosto, do que eu nunca mais vou fazer.
tô intolerante. e isso é uma benção. intolerante ao papo mole, à ideia vendida em ppt colorido, ao projeto que parece uma colônia de férias pro ego dos outros. se me cheira a convenção de gente que se acha disruptiva porque usa tênis com blazer, eu já tô com o uber ligado. não me venha com “vamos cocriar”. não me venha com brainstorming às 9h da manhã com pão de queijo e positividade forçada. meu café não vem com emojis.
tô na fase em que escolho as trincheiras. e, por deus, tem trincheira que eu não entro nem com armadura de aço e promessa de bônus. não me vendo por visibilidade. não quero seu palco. não quero selo de autenticidade digital. me dá enjoo essa piração de parecer que se importa enquanto joga a alma no triturador.
o que eu quero? quero projeto sujo, imperfeito, barulhento. quero ideia que nasce no caos, não no comitê. quero trabalhar com gente que sangra pelo que acredita, que não se desculpa por ser intenso, que ri alto e fala merda, mas entrega.
tô num estado em que recusar virou arte. e recuso com prazer. recuso com a elegância de quem já lambeu o asfalto e agora sabe o gosto do que presta.
e se parecer arrogante, ótimo. é arrogância sim. mas é uma arrogância merecida, suada, construída na base de ter dito “sim” demais pra coisa que nunca devia ter começado.
agora é “não”. um “não” firme, ruidoso, cheio de ironia e consciência. um “não” que não precisa de justificativa porque é óbvio demais pra ser explicado.
e sabe o melhor? tô leve. livre. meio perigoso até porque agora eu sei exatamente o que não quero. e isso me dá um tipo de poder que não vem com crachá.
todo mundo quer se encontrar. mas ninguém quer fazer terapia, sair da casa da mãe ou admitir que odeia o próprio emprego. então o que resta? isso mesmo, a academia. esse spa da disfunção emocional onde se resolve trauma com agachamento e se recalcula a autoestima pelo tamanho do ombro. um templo de ferro, suor e playlists de trap onde a dor física é um substituto barato pra dor de existir.
é lá, entre aparelhos de tortura colorida e espelhos estrategicamente posicionados, que as pessoas tentam resolver o que a psicanálise falhou. querem curar a ansiedade com três séries de bíceps e um scoop de pré-treino que parece metanfetamina de laboratório clandestino. querem vencer a insegurança com um tanquinho e 18 selfies no elevador. querem ter foco, propósito, senso de pertencimento mas no fundo só querem que alguém diga: “caramba, como você tá diferente”.
a academia virou esse teatro moderno onde ninguém é quem diz ser. todo mundo é um personagem mal ensaiado fingindo disciplina, escondendo desespero, e compartilhando a própria performance como se fosse superação. e nesse palco iluminado por led branco e som de halteres caindo, desfilam os arquétipos mais tragicômicos da nossa geração. não são só pessoas malhando, são epifanias ambulantes com regata cavada.
geralmente, usando ainda pijama, sento na mesma mesa de sempre. a mesma. com meu café e começo a observar…
primeiro cruza meu campo de visão a entidade que combina a roupa como se fosse um desfile militar. cada peça faz parte de uma estratégia. mesma cor. mesmo tom. zero margem de erro. o look vem treinado de casa. é o arquiteto do outfit absoluto. treina? talvez. mas quem se importa quando o zíper da mochila combina com a meia?
ao lado, vejo o evangelizador digital da musculação. chega com o tripé pendurado, a cara esticada e a autoestima inflada por algoritmo. dá play no próprio delírio, grava três ângulos do mesmo exercício e posta antes de terminar a série. não quer treinar. quer provar que treina. e se não render comentário, posta de novo com filtro e frase bíblica.
tem o que anda pela sala com o celular grudado no braço, o fone colado no crânio, o smartwatch vibrando a cada batida do coração. faz check-in na rosca direta, sincroniza o abdominal com o spotify. é o tecnocrata do treino mínimo. não faz um movimento sem medir. mas se perder o sinal do wi-fi, desiste de viver.
mais ao fundo, o que chega sempre junto de dois ou três. fala alto, ri antes de qualquer piada, ocupa o aparelho e a atenção de quem estiver a cinco metros. não faz por mal. mas também não faz nada. é o agregador de improdutividade afetiva. vem mais pela roda de conversa do que pela carga.
encostado num banco, vejo o prestativo profissional. não treina sem interromper o treino dos outros. ajusta o cotovelo de desconhecidos, ensina como segurar o halter, sugere variação mesmo sem ser chamado. fala baixo, mas com tom de dono da razão. acha que tá ajudando. e talvez esteja. mas dá vontade de levantar o supino e sumir com ele.
roda o salão o tagarela do nada físico. circuita todos os cantos da academia com um papo que não acaba nunca. conta história, comenta treino, compartilha a vida. só não malha. tá sempre indo pra algum aparelho. nunca chega. é o aeróbico oral involuntário.
ao lado do espelho, vejo o viciado em reflexo. olha pra si como se tivesse dúvidas existenciais a cada repetição. verifica cada ângulo. ajeita o cabelo. contrai. relaxa. contrai de novo. não busca resultado. busca confirmação. é o narciso hipertrofiado. não pode existir sem ver a própria existência.
passa perto de mim o maluco visionário da musculação. faz um treino que ninguém ensinou. inventa movimentos. mistura aparelho. junta corda com agachamento, bicicleta com salto. um caos coreografado. ninguém entende. nem ele. mas parece satisfeito. como todo fanático sem doutrina.
perto da janela, senta o monge do silêncio absoluto. chegou, treinou, vai embora. sem falar. sem sorrir. sem existir além daquilo. ninguém conhece. ninguém perturba. é o fantasma do foco puro. a sombra que carrega disciplina real.
num canto estratégico, sempre vejo o vendedor da verdade muscular. sabe tudo. fala pouco. quando fala, é certeiro. não tenta impressionar. só acerta. explica sem arrogância. ensina sem teatro. não quer palmas. quer precisão. é raro. e por isso, assustador.
tem ainda o maratonista da indecisão estética. chega, gira, avalia, dá meia-volta. experimenta o aparelho, desiste. senta, levanta. gira mais um pouco. é o looping da dúvida materializada. treinar? não treina. mas percorre a academia como quem busca um sentido místico no próprio deslocamento.
vejo o que entra com uma mochila de 40 litros e um semblante de quem vai acampar no supino. abre compartimentos, tira pote, toalha, creme, fone, cinto, shake, outro shake. tudo milimetricamente organizado. tudo milimetricamente inútil. é o escoteiro do fitness. preparado pra tudo. menos pra treinar.
ali no canto, senta o que parece estar sempre no dia mais difícil da vida. olhar perdido, repetições arrastadas, respiração pesada demais pra carga leve. não olha pra ninguém. não escuta nada. é o mártir do treino existencial. tá ali por obrigação cósmica. e por medo de parar.
cruza meu caminho o que passa o treino inteiro falando com a câmera. não é influencer. mas tenta. não convence. mas insiste. é o protagonista de série que ninguém assiste. treina como quem grava um documentário premiado sobre a própria mediocridade. e acredita piamente que vai viralizar.
no espelho lateral, alguém testa todos os ângulos do corpo a cada trinta segundos. faz uma série, olha de lado. dá um passo, confere a sombra. ajeita a roupa, verifica o caimento. é o estilista da própria vaidade ambulante. não veio melhorar. veio confirmar que ainda é bonito, ou pelo menos, simétrico.
e no bebedouro, de novo, vejo a figura que toma água como quem toma coragem. a cada gole, um respiro. a cada pausa, um suspiro. nunca treina por mais de dois minutos sem parar pra “hidratar”. é o navegador da fuga líquida. não se engana. só se atrasa. e acha que tá tudo bem. talvez esteja. talvez não. não sou eu que vou dizer. só observo.
e cá entre nós? o circo é ótimo. todo dia uma trupe nova. o que grita. o que posa. o que medita entre séries. todo mundo fingindo que venceu alguma coisa. todo mundo cheio de disciplina, cheio de foco, cheio de medo.
não é amor por tecnologia. não é praticidade. não é escolha consciente. é síndrome de estocolmo digital.
eu sei porque eu também tô dentro. fui seduzido por essa ladainha de “experiência fluida”. me entreguei de peito aberto à promessa de que “tudo se conecta”, que “é só tirar da caixa e usar”. acreditei que esse era o futuro. toquei na maçã como se fosse uma religião, sincronizei meu relógio, meu fone, meu notebook, meu aspirador. me emocionei com notificação no pulso como se fosse telegrama da rainha.
e funcionou. claro que funcionou. é feito pra isso, pra funcionar tão bem que você nem percebe o que tá perdendo.
até que um dia abri a gaveta e vi o velho android ali. desligado. grosso. desengonçado. com mais possibilidades que a porra da NASA inteira. e ali me bateu… eu não escolhi merda nenhuma. eu só deixei que escolhessem por mim.
porque não importa a marca… apple, samsung, google, xiaomi. todas são parte da mesma peça, só trocaram o figurino. a apple vem de terno preto, cheirando a madeira nobre e veganismo de boutique. a samsung chega com blazer colorido, cheia de telas dobráveis e promessas de liberdade que ninguém pediu. o google vem com cara de hippie tech, dizendo que é “tudo aberto”, mas monitora até o tempo que você gasta pra cagar.
e a gente? a gente defende. defende com fúria. com garra. como se estivesse falando da honra da própria família. eu já fiz isso. já briguei por marca como quem defende banda favorita ou signo solar. já falei “meu sistema é melhor” com a convicção de um coach em ayahuasca.
mas hoje, sendo honesto, sei que não tem “melhor”. tem só o que te dominou primeiro. o que te deu o mínimo de esforço e o máximo de controle sobre você. e a partir daí, você chama isso de ecossistema.
“ah, mas tudo conversa entre si!” claro. é uma panelinha digital. tudo se conversa dentro do mesmo feudo. quer sair? tenta. conecta um acessório diferente, um fone aleatório, uma TV não compatível. vai sentir o peso da palavra fricção. tudo foi feito pra funcionar… desde que você não ouse pensar fora do cercadinho.
e tem solução? tem. mas dá trabalho. tem app, tem integração entre marcas, tem liberdade. mas ninguém quer isso. ninguém quer fuçar fórum, testar app, aprender. a gente quer serviço de quarto tecnológico. quer que o sistema leia nossa mente, escolha por nós e ainda diga: “você está indo muito bem, campeão.”
e eu me vejo nisso. nessa preguiça confortável. nessa cegueira gourmetizada. nessa vida embalada a vácuo por notificações perfeitamente sincronizadas. e no fundo sei que estou domesticado. mas resisto. ainda resisto. nem que seja escrevendo isso aqui, com um pé na maçã, outro na lama do android, e o olho no futuro, esperando alguém inventar alguma coisa que me permita viver fora dessa porra toda e ainda assim ouvir música no bluetooth do carro sem travar o gps.
um dia. quem sabe… essa é a utopia moderna. não paz mundial. não a cura do câncer. é conseguir parear dois dispositivos sem ter que rezar pra são jobs, refazer a rede wi-fi, sacrificar um bode e reiniciar tudo três vezes.
porque hoje em dia, ser livre não é fugir pro mato… é conseguir abrir um pdf no celular e continuar no notebook sem virar refém de um ecossistema que te trata como um imbecil funcional.
e não me entenda mal… eu mordo a isca. eu tô tão preso quanto você. só que eu sei. eu vejo o cercado. e tem dias que olho pro meu setup, celular, notebook, relógio, fone e penso caralho, eu virei um funcionário não remunerado da apple/google/samsung s/a.
é o capitalismo emocional com fundo musical e atualização de firmware.
você acha que é dono das coisas, mas é só um inquilino metido. tudo é “seamless”, desde que você não queira sair do condomínio. porque aí, meu amigo, aí começa o inferno, incompatibilidade, perda de dados, interfaces hostis, protocolos obscuros que parecem saídos de algum manual soviético.
mas a gente engole. com gosto. a gente defende com mais fervor que time de futebol. como se ter o celular conversando com a cafeteira fosse prova de inteligência superior.
mas sabe o que é? isso não é tecnologia. é massagem prostática pro ego preguiçoso. você não quer liberdade. você quer não ter que pensar.
e as marcas sabem. sabem que estamos exaustos, zumbis querendo só um botão que diga “foda-se, resolve isso pra mim”. e elas resolvem. com um sorrisinho falso, uma notificação limpa, e o contrato assinado com teu silêncio.
no fim, não importa se é apple, samsung ou qualquer outro messias digital da semana. você acha que escolheu seu lado.
mas a verdade?
você só tá decidindo quem vai te tratar como idiota com mais elegância.
a cpi das apostas virou o mais novo episódio da série “como fingir que nos importamos enquanto engraxamos o ego da celebridade do momento”. e no papel principal? virgínia fonseca, a influenciadora que vende sabonete com aura espiritual, maquiagem com promessas de autoestima embalada a vácuo e, agora, um histórico inteiro de envolvimento com plataformas que faturam em cima de vício, desespero e burrice coletiva, tudo isso com um sorriso que poderia muito bem estar estampado num rótulo de xampu.
ela chegou vestida pra matar… de pena. moletom com a cara da filha, maquiagem quase nula, óculos de “me perdi na biblioteca” e aquele olhar de “sou só uma menina do interior que não entende muito bem como funciona esse negócio de política, sabe?”. mas o figurino era meticulosamente calculado. isso não foi aleatório. isso foi manual de guerra midiática nível avançado. uma jogada tão descaradamente estratégica que faria frank underwood bater palma em pé.
ela não estava lá pra ser questionada. estava lá pra desviar a atenção. e funcionou. senador pedindo selfie. parlamentar gravando vídeo com filtro de cachorro. o circo tava completo, e a palhaçada corria solta com legenda em tempo real. câmara alta, cabeça baixa, moral nenhuma. era como assistir um chef renomado servindo miojo e fingindo que é ramen artesanal, e o pior… todo mundo comendo e lambendo o prato.
e enquanto essa ópera ridícula se desenrolava, lá estava ela, explicando que não, jamais lucrou com a perda dos seus seguidores. que os contratos eram baseados em metas da empresa. e eu ali, tentando não socar a parede. porque a tal “meta da empresa” é justamente fazer o otário perder. é sugar o pouco que resta de quem já tá fodido. o objetivo é a ruína. e ela tava lá pra tornar a ruína sexy. pra embrulhar a falência em papel de presente com glitter.
e o pior, o pior, foi ela admitir, com aquela calma ensaiada de quem já viu todos os episódios de “como se livrar de uma acusação em público” que usava um app de simulação. um maldito app que finge que você tá ganhando. que mostra números bonitos. que transforma perda real em vitória de mentira. isso é fraude emocional. é estelionato psicológico em escala industrial. e ninguém nem corou.
e onde estavam os senadores? tirando foto. pedindo vídeo. fazendo sala pra estrela. era como se tivessem confundido o senado com um camarim do danilo gentili. e eu, do lado de cá, assistindo esse circo sem tenda desabar em cima de um país que já tá no chão, cuspindo sangue e pedindo pra alguém desligar o wi-fi.
essa cpi, no fundo, não tá investigando porra nenhuma. tá fazendo vitrine. tá fingindo que se importa. e enquanto isso, do lado de fora das câmeras, o povo continua perdendo tudo. vendendo o celular pra tentar recuperar o dinheiro perdido num site que a influencer favorita jurava que era sucesso garantido.
o que vimos hoje não foi política. foi propaganda. foi marketing. foi a canonização pública de uma santa de moletom que, ao invés de curar cegos, ajudou a deixá-los ainda mais cegos… só que agora viciados em apostar o que não têm pra tentar viver uma vida que só existe em story patrocinado.
o brasil é um cassino. mas não daqueles elegantes, com champanhe e roleta. é um desses de beira de estrada, com neon falhando e cheiro de mijo. e hoje, o show principal foi estrelado por quem mais entende de transformar miséria em oportunidade… a influencer fofa de moletom. a rainha da aposta moralmente terceirizada. a vendedora de sonho fake com carinha de quem nunca quebrou um prato.
e nós? seguimos aqui. apostando que um dia essa merda toda muda. e perdendo. sempre perdendo.
mãe. não tem palavra mais gasta. mais usada. mais mal compreendida. todo mundo acha que sabe o que é uma mãe. ninguém sabe porra nenhuma.
mãe não é só afeto. mãe é construção civil emocional. é alicerce. é base. ela é quem acorda antes de todo mundo e dorme depois. ela é quem segura o volante do carro, a sacola do mercado, o boletim ruim, o exame que deu dúvida, o grito engasgado, o filho que não sabe o que quer da vida. e segura tudo isso com uma calma que não existe em nenhum outro ser vivo.
ela amou você quando você era só barulho e necessidade. te amou quando ninguém mais aguentava estar por perto. te amou mesmo quando você foi cruel, porque todo filho já foi. mesmo quando você falou merda, sumiu, deixou ela falando sozinha, virou as costas… ela continuou ali. porque mãe não se move por gratidão. se move por um amor tão primitivo, tão feroz, tão completo, que beira o sobrenatural.
mãe é quem sangrou pra você nascer e depois continuou sangrando, invisivelmente, todo santo dia. é quem abriu mão de coisa que você nunca vai saber e ela nunca vai contar. ela nunca joga na cara. ela só segue. ela só cuida. e quando você pergunta se ela precisa de algo, ela sempre diz… não, filho. tá tudo bem. mesmo quando não tá.
e um dia, ela vai. e ninguém vai te avisar como lidar com o silêncio que ela deixa. porque quando mãe vai, ela leva junto a única pessoa que achava graça nas tuas piadas ruins, que sabia teu cheiro de longe, que entendia teu olhar sem você dizer nada. ela leva o colo. e você, com sorte, vai lembrar de como aquele colo era tudo. tudo.
então para. fecha esse story com filtro fofo. larga a flor murcha e o presente genérico. olha pra ela. vê a mulher ali. não a mãe. a mulher. que teve medo. que quis sumir. que chorou em silêncio. e mesmo assim… ficou. ficou. ficou.
feliz dia pra essas forças da natureza disfarçadas de gente. pra essas mulheres que pariram o mundo e ainda pedem desculpa por ocupar espaço. pra essas criaturas que mereciam estátuas em praça pública e ganham, no máximo, uma ligação atrasada.
elas são o que há de mais brutalmente bonito nesse planeta. e a gente só percebe isso quando é tarde demais.
mas você tá vivo. então corre lá. abraça ela com a força de quem entendeu. fala com a voz embargada… “mãe, caralho… obrigado por tudo.”
ela vai rir. vai dizer “deixa disso”. vai te oferecer comida.
porque mãe, até no dia dela, só quer saber se você comeu.
todo mundo tem razão. absolutamente todo mundo. o planeta inteiro vive num delírio coletivo onde cada ser humano acredita piamente que está certo, não em algumas coisas, não em assuntos que estudou, não nas coisas que viveu… em tudo. e o mais incrível? ninguém acha isso estranho. ninguém olha ao redor e pensa: “peraí, como é que todo mundo pode estar certo ao mesmo tempo se ninguém concorda com porra nenhuma?” não. o negócio é manter a pose, estufar o peito e seguir distribuindo certezas com a generosidade de um político em época de eleição.
o mundo virou um buffet livre de opiniões malpassadas, e todo mundo se serve como se estivesse num banquete de sabedoria. e ninguém escuta. ninguém quer escutar. porque escutar implica em correr o risco mortal de ser contrariado. e isso, em pleno século da autoestima inflável, é pior que peste bubônica. a conversa virou esporte de combate. o diálogo, um ringue onde se espera a vez de atacar, não de entender.
as pessoas não ouvem, elas esperam. esperam a pausa do outro, a brecha, a fraqueza na fala alheia, o tropeço na argumentação, como hienas famintas roendo osso de opinião. ninguém tá interessado no que o outro pensa. o que importa é a própria fala, o próprio roteiro, o monólogo interior que já vem sendo ensaiado desde o segundo em que o outro abriu a boca. é como se a conversa fosse um podcast unilateral com plateia forçada.
e o que alimenta tudo isso? ego. puro, fedido, oleoso ego. essa entidade frágil que precisa, desesperadamente, estar certa. porque estar certo virou mais importante que estar vivo. mais importante que estar em paz. estar certo hoje é status. é identidade. é armadura. a razão virou escudo emocional, bengala intelectual, e brinquedo de criança mimada.
e se, por um milagre, alguém tenta dizer algo diferente, se ousa soltar uma ideia contrária, um ponto de vista estranho, um “e se…” tímido… o tribunal é montado na hora. o julgamento é sumário. e a sentença é sempre a mesma… “você não entendeu”, “você tá mal informado”, “você é burro, só que com educação passivo-agressiva”. porque reconhecer valor em uma opinião que não seja a sua exige um grau de maturidade emocional que a maioria das pessoas trocou por curtidas no instagram e frases motivacionais de coach.
a tragédia não é que todo mundo acha que tá certo. a tragédia é que ninguém suporta a ideia de estar errado. ninguém suporta o silêncio desconfortável que vem depois de um “talvez eu tenha me enganado”. ninguém quer encarar a possibilidade de que o outro lado pode ter um ponto. mesmo pequeno. mesmo torto. mesmo desconfortável.
uma humanidade inteira, cada um dentro da própria bolha de sabedoria inflável, flutuando num mar de ruído. todos surdos. todos certos. todos prontos pra próxima discussão inútil com a convicção de quem carrega as tábuas sagradas do monte sinai… escritas com fonte de meme e baseadas em um vídeo de 3 minutos que alguém mandou no zap.
e se tem um altar onde essa adoração patética pela razão atinge níveis olímpicos de ridículo, é nas redes sociais. esse grande palco onde cada idiota com conexão acha que virou editor do new york times, filósofo contemporâneo, juiz da moral global e autoridade suprema sobre absolutamente tudo. a timeline é uma avenida de gritos, uma orgia de certezas desgovernadas, onde ninguém dialoga, só se apresenta. não é rede social, é competição de quem cospe opinião mais rápido, com mais indignação e menos informação.
ali, a coisa fica ainda mais feia. você pode até ver um post com uma ideia que contraria a sua… e por um segundo, um milésimo de segundo, algo dentro de você sussurra… “interessante… talvez essa pessoa tenha um ponto”. mas aí o ego, esse tirano de voz estridente e autoestima hipertrofiada, pula da cadeira, grita “você vai deixar barato?”, e você lá vai. digitar, rebater, corrigir, ensinar. porque, claro, você não está debatendo… você está educando o planeta. fazendo caridade intelectual. salvando a humanidade de si mesma, um comentário pedante de cada vez.
e o mais trágico é que não importa a pauta. não importa. pode ser política, ciência, comportamento, filosofia, arte, vinhos orgânicos, o uso correto de vírgulas, a temperatura ideal do ar-condicionado, qualquer merda serve de combustível. o que interessa é manter viva a chama da convicção. não pela verdade, não por justiça, mas porque admitir que talvez, só talvez, você não entenda tudo… seria como arrancar a própria pele em público.
e no fundo, é isso… todo esse show de certezas é só um desespero disfarçado. uma defesa patética contra o medo ancestral de estar perdido. porque é isso que a gente é, um bando de gente perdida tentando fingir que sabe o caminho. e quem finge com mais confiança, com mais volume, com mais arrogância… vira líder de opinião. influencer. coach. ou aquele tio insuportável que ninguém consegue bloquear porque é da família.
o problema não é achar que tá certo. o problema é a doença em acreditar que estar certo te torna melhor que os outros. que dá algum tipo de poder, de valor, de status. como se razão fosse medalha e não um acidente ocasional. como se entender algo antes de alguém te desse direito a vomitar arrogância em cima de todo mundo como se fosse perfume francês.
e enquanto isso, o mundo que se foda. queimar floresta? colapso climático? desigualdade galopante? genocídio em câmera lenta? dane-se. o importante é ganhar discussão no grupo de zap da faculdade de 2009 e postar aquela frase de efeito no story com fundo preto e fonte branca. porque no fim do dia, dane-se o planeta, a humanidade, a complexidade do mundo real, o que importa é que eu estou certo. e se eu estou certo, nada mais importa.
então, repete comigo, mundo moderno: eu grito, logo existo. eu argumento, logo venço. eu nunca escuto, porque escutar é admitir que talvez eu não seja deus. e isso, meu caro… isso é inaceitável.
se quiser me conhecer, não pergunta minha profissão, minha cidade natal, meu signo ou meu prato preferido. pergunta que filmes me moldaram. porque eu não fui criado por gente, fui moldado por imagens, falas, planos longos e cortes secos. fui criado pelo silêncio de michael corleone, pela risada nervosa do jules antes de fuzilar um idiota, pela respiração do hal 9000 pedindo pra viver, pelas lágrimas da mulher que morre sorrindo num filme do bergman. minha identidade tá nos créditos finais. meu trauma é widescreen.
o começo foi coppola. claro. ele foi deus. mas um deus rancoroso, vingativo, um artista que entendeu que o poder não corrompe, ele revela. vi o poderoso chefão cedo demais, e foi como tomar uísque puro com oito anos. me destruiu, me formou, me ensinou que a família é uma ficção alimentada a medo e silêncio. michael me ensinou a arte de matar devagar, com olhos, com pausas. quando ele diz “it’s not personal, son. it’s strictly business”, eu entendi o mundo. não tem ética, só estratégia. e o beijo que ele dá no fredo antes de mandar matar é o amor sendo esmagado pela lógica. o terceiro filme, que todo mundo ridiculariza, é o testamento. michael velho, com a filha morta nos braços, o rosto desfigurado de dor, sem gritar, sem lágrimas, só aquele grito mudo no chão da ópera… aquilo sou eu, tentando fingir que tá tudo bem. e apocalypse now? puta que pariu. aquilo não é filme, é um estado mental. “the horror… the horror…” não é fala, é diagnóstico. coppola me jogou no meio da selva, me arrancou a pele e me mandou de volta pro mundo com um cigarro aceso e a certeza de que nada faz sentido.
depois veio tarantino, como uma overdose de tudo que é divertido, feio e brilhante ao mesmo tempo. ele me ensinou que estilo é conteúdo, e que um diálogo bem escrito vale mais que mil balas. “say ‘what’ again, i dare you, i double dare you motherfucker.” essa frase me deu mais alegria que muitos filmes de comédia. jules é o profeta do caos, e quando ele diz “i’m trying real hard to be the shepherd”, eu acreditei nele. não porque ele é bom, mas porque ele é real. kill bill me ensinou que a vingança precisa de trilha sonora e figurino certo. e jackie brown? subestimado, lento, adulto. foi o primeiro filme que me fez gostar do silêncio. tarantino é a prova de que o cinema pode ser sujo e ainda assim perfeito.
aí hitchcock. o sádico elegante. o desgraçado que fazia você se borrar com uma sombra na parede. vi janela indiscreta e nunca mais consegui olhar pela minha sem me sentir cúmplice. psicose me ensinou que protagonistas morrem cedo e que a vida não espera sua narrativa fazer sentido. e um corpo que cai me fez entender que obsessão não é amor, é só algo que apodreceu. hitchcock me moldou com medo. o medo certo. o que te mantém esperto.
kubrick foi o cirurgião. o homem que me operou sem anestesia. laranja mecânica foi um chute na cara com trilha de beethoven. alex é o monstro que a sociedade cria e depois tenta punir com terninho moralista. 2001 é o vazio falando com você. “my mind is going, dave.” e nesse momento, eu senti pena de uma inteligência artificial. e o iluminado é o retrato mais honesto de um homem perdendo a cabeça num emprego de merda. kubrick não quer que você goste, quer que você aguente.
então vem wes anderson, o lunático dos detalhes, o arquiteto da tristeza doce. os excêntricos tenenbaums é o filme que mais me destruiu com ternura. “i’ve had a rough year, dad.” / “i know you have, chas.” esse diálogo vale mais que mil abraços fingidos. rushmore é a humilhação estilizada. max fischer é o fracasso encantador em pessoa. e o grande hotel budapeste me fez chorar com pastel e nazismo. wes anderson me ensinou que a estética salva. mesmo que só um pouco.
lynch me jogou no fundo. cidade dos sonhos é um loop emocional sem saída. “this is the girl.” e pronto. a realidade desaba. império dos sonhos me fez questionar tudo. “no hay banda.” não tem música, não tem estrutura, não tem lógica. só imagens cravando garras na sua mente. lynch não te dirige. ele te sequestra.
scorsese me ensinou que culpa é um ciclo. touro indomável é a autodestruição elevada à arte. os bons companheiros me deu vontade de ser bandido e depois me mostrou o preço. cassino me mostrou que amar é perder controle. e o irlandês? silêncio. velhice. arrependimento. é o filme que passa quando você fecha os olhos pra morrer.
paul thomas anderson me ensinou a falhar com grandeza. sangue negro é o capitalismo vestido de ódio. “i drink your milkshake!” é mais poderoso que qualquer discurso de ceo. magnólia é o caos emocional encenado por gente que não consegue pedir desculpas. trama fantasma é a relação mais tóxica já filmada com elegância.
e eu? eu sou isso. um corte aqui, uma frase ali. a trilha sonora de um filme que ninguém entendeu, mas que eu revi dez vezes só pra sentir de novo. não tenho infância, só flashbacks em preto e branco. não tenho grandes memórias tenho closes, takes, monólogos, fade out.
e se tudo isso não te diz quem eu sou, então nada mais vai dizer. porque eu fui moldado na marreta. editado com navalha. dublado pela voz de personagens que erraram mais do que eu jamais vou ter coragem de tentar. eu não sou feito de memórias. sou feito de takes. cortes. repetições. falas que ecoam como preces e que são, ao mesmo tempo, maldição e manual de sobrevivência.
e se quiser me entender… não leia meu horóscopo. veja o que me moldou.
acordei hoje com a mesma sensação de sempre… a vida, esse prato rápido servido frio, continua sendo tratada como se fosse um menu degustação de dez etapas com harmonização de vinhos e show de luzes. e o mais fascinante, ou deprimente, é que não precisa ser assim. podia ser pão, vinho, um banco de praça e uma tarde sem planos. mas não. é tudo sobre camadas. rituais. metas. conteúdo. performance. e sempre, sempre, uma necessidade absurda de transformar o óbvio em enigma.
não sei quando exatamente começou essa compulsão por complicar o que era simples. talvez no dia em que se decidiu que cada decisão, cada movimento, cada escolha trivial deveria ser um reflexo de uma suposta identidade. não basta mais acordar e viver. é preciso viver com intenção, como se respirar já não fosse um feito honesto o suficiente. como se comer algo gostoso sem fotografar fosse desperdício. como se ficar em silêncio fosse sinal de atraso de vida.
há algo profundamente cômico no estilo riso engasgado de um filme europeu no modo como insistimos em transformar tudo em tese. o café precisa ter história, o trajeto até o trabalho precisa ser otimizado, a pausa precisa ser produtiva. até o descanso agora é monitorado por aplicativos que avisam se você relaxou da maneira “certa”. claro, porque até descansar errado virou uma possibilidade.
fico observando isso tudo como quem assiste a uma brigada de cozinha preparando um miojo como se fosse foie gras. a mise en place da vida moderna. os ingredientes estão ali… tempo, corpo, uma cabeça mais ou menos no lugar. e mesmo assim, ao invés de apenas cozinhar, opta-se por um espetáculo. cronogramas. metodologias. diagnósticos. e o prato final? quase sempre morno. insosso. esteticamente bonito, funcional, mas com gosto de nada.
não é a vida que é complexa. é o medo que a gente tem de encarar sua simplicidade brutal. a ideia de que talvez o momento presente seja tudo o que existe é mais aterrorizante do que qualquer conta pra pagar. porque se tudo se resume ao agora, não há nada a conquistar além da capacidade de estar. e estar, assim, sem fazer nada, sem justificar… virou luxo. luxo silencioso. subversivo até.
às vezes me pego pensando que o excesso de complexidade virou a religião oficial dos inseguros. aquele que não sabe o que está fazendo, decora. cria camadas. disfarça. e vai empilhando funções, tarefas, ocupações, como quem constrói uma fortaleza de post-its colorido pra esconder o fato de que não sabe mais o que é um fim de tarde em paz.
viver deveria ser mais simples. não necessariamente mais fácil… porque fácil é outra armadilha. mas simples no sentido mais direto possível… levantar, fazer o que tem que ser feito, comer alguma coisa honesta, não fingir profundidade onde só existe barulho, e se possível, dormir em paz.
mas não. há sempre mais uma notificação. mais uma técnica. mais um medo de estar desperdiçando uma suposta grandeza que talvez nunca tenha existido.
e assim seguimos, complicando. não porque precisamos, mas porque desaprendemos o valor do silêncio. e daquilo que não precisa ser dito, curtido ou validado. só vivido. como uma boa refeição feita sem receita. na base do olho, da mão, da fome real.
escrever com caneta em papel, em pleno 2025, é o equivalente contemporâneo a caçar sua própria comida com uma faca de osso enquanto o resto da galera tá pedindo sushi por drone e discutindo produtividade com coach de lifestyle no tiktok. é um gesto arcaico, quase obsceno, tipo usar dinheiro vivo ou saber de cor o número de telefone da sua mãe. ninguém faz mais isso. ninguém quer fazer mais isso. e é por isso mesmo que eu faço. não porque sou especial, deus me livre dessa palhaçada, mas porque gosto de lembrar que ainda sou um ser humano de carne, osso, raiva, tinta e letra horrível.
escrever com caneta é como cozinhar com gordura de porco em plena era do air fryer. é ruidoso. é engordurado. tem gosto de verdade. todo mundo hoje quer a porra da eficiência, da estética minimalista, do teclado silencioso. querem resultados rápidos, limpos, pasteurizados, sem suor, sem cheiro. e aí entro eu, suando porco, puxando um caderno encardido e uma caneta bic mastigada com dentes de nervoso, rabiscando pensamentos tortos que não servem pra nada… nem pra like, nem pra engajamento, nem pra monetização.
porque escrever à mão é anti-instagram. é slow food mental. é escrever uma frase de merda, riscar com ódio, escrever outra pior, amassar a folha, jogar no lixo, catar de volta, ler, rir da própria decadência e escrever de novo. não tem botão de “salvar”. não tem “nuvem”. só tem você, seu ego inflado, e a verdade crua do que sai da sua cabeça quando não tem corretor ortográfico segurando sua mão.
e sabe o que mais? tem algo deliciosamente obsceno em escrever algo que ninguém vai ler. num mundo onde tudo precisa virar post, story, thread, podcast, curso, e-book, NFT e sei-lá-mais-o-quê, escrever só por escrever… com caneta, num papel que pode ser rasgado, queimado, cagado por um pombo… é subversão pura. é tipo mijar na fonte da juventude. é dizer: “eu ainda faço isso aqui por mim, não pra vocês, seus bastardos sedentos por conteúdo”.
e eu sei, vão dizer que isso é nostalgia. que é pose. que é fetiche retrô de intelectual decadente. que caneta é coisa de professor frustrado e diário de menina dos anos 90. e, olha, talvez seja mesmo. mas ao menos, quando escrevo com caneta, eu sei onde minhas palavras estão. sei o peso que elas têm. sei a sujeira que deixam.
e isso, meu chapa, é muito mais do que posso dizer de um monte de PDFs que ninguém lê, de textão de linkedin com emojis corporativos, ou de legendezinhas de foto de café com frases de bukowski.
então que se foda a praticidade. que se foda o teclado. que se foda a “experiência do usuário”. escrever com caneta é ter uma experiência com o eu, com a falha, com o grotesco, com a beleza imprecisa da letra que muda conforme o humor, a bebida ou o nível de desespero.
escrever à mão, hoje, é um grito surdo no meio do show de luzes da modernidade. e eu, com minha caneta estourando no bolso da camisa, continuo gritando. porque ainda acredito que certas ideias precisam sujar os dedos antes de virarem qualquer coisa que preste.
e, convenhamos, se você nunca escreveu algo com tanta raiva que rasgou o papel… talvez você nem esteja vivo de verdade.
e é exatamente por isso que 90% das coisas que escrevo vocês nunca lerão… pois estão em algum caderno de papel ou já foram destruídos pelo tempo ou por mim mesmo!
olha, eu não tô interessado em participar desse desfile de consumo coreografado onde cada objeto precisa ter um logo visível, um QR code e a aprovação silenciosa de meia dúzia de influenciadores que nunca sujaram a roupa fora de um set. pode ficar tranquilo. eu passo. o que eu uso, o que eu escolho carregar comigo, não foi feito pra agradar. foi feito pra durar. e mais do que isso… foi feito com a audácia quase herética de permitir conserto. sim. conserto. aquela coisa jurássica que exige paciência, habilidade e um certo nível de respeito pela existência material das coisas.
é isso que separa o lixo com brilho do que realmente importa. porque qualquer coisa pode ser feita pra durar até o próximo lançamento. agora, ser feito pra durar e ainda por cima merecer ser consertado? isso é outra conversa. isso é uma declaração de princípios. é como dizer: “eu não tô aqui pra te impressionar, eu tô aqui pra te acompanhar enquanto o mundo desaba em volta.”
cada peça que eu tenho foi feita por alguém que entendeu o valor do tempo. alguém que não tava tentando ganhar curtidas ou entrar no radar de tendência. gente que trabalha com silêncio, com precisão. gente que não tem pressa porque sabe que apressado só faz plástico. e plástico, por mais que reluza, morre jovem e sem história.
é por isso que eu uso botas que parecem ter sobrevivido a três revoluções e um inverno em stalingrado. casacos que pesam como promessas sérias. ferramentas que não piscam, não falam com o celular, mas funcionam. sempre. porque foram feitas por mãos que conhecem erro, conhecem acerto e conhecem a diferença brutal entre design e ilusão.
e quando uma costura abre, um zíper emperra, uma peça quebra… ótimo. sinal de que viveu. sinal de que tem história. sinal de que é gente grande o suficiente pra não pedir desculpa. e aí vem a parte bonita… você manda consertar. não por nostalgia. mas porque vale. vale o esforço. vale o tempo. vale o sapateiro, o costureiro, o torneiro, o velho da oficina que sabe mais sobre matéria do que qualquer ceo sabe sobre propósito.
as minhas coisas não têm pressa. não têm pose. não pedem desculpa por não serem bonitas no padrão da revista. mas elas aguentam. resistem. voltam. e quando eu olho pra elas, vejo tudo o que não cabe na lógica atual… o imperfeito que melhora, o velho que ganha valor, o gasto que ensina. coisas que, em vez de se desfazerem com o tempo, ganham tempo.
então sim, pode ficar com seus tênis de lançamento, seus gadgets de plástico reciclado, suas roupas feitas pra durar três lavagens e uma crise de estilo. eu fico com o que me acompanha em silêncio, cheio de marcas, cheirando a couro, óleo e teimosia. porque elegância de verdade não grita. ela permanece. mesmo remendada. e ainda assim, mais inteira do que muita coisa que saiu da loja ontem.