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2024

what else?

odeio o que fizeram com o café. odeio com uma intensidade quase poética, como quem observa a queda de um império antigo. o café, aquela bebida universal, o combustível da humanidade, foi sequestrado, mutilado, e transformado numa aberração moderna. não é mais sobre o sabor, o ritual, ou a necessidade de sobreviver ao dia. agora é sobre status, branding e frases idiotas como “triple shot oat milk macchiato”. sabe o que eu quero? um café que te olhe nos olhos e diga: “vai ser um dia difícil, mas aqui está minha contribuição.”

então, claro, temos o starbucks, a grande catedral dessa nova religião cafeeira. lá, o café não é uma bebida; é um espetáculo, uma identidade. você não está comprando café, está comprando a ideia de que pertence a uma tribo global, onde todos seguram aquele copinho verde com a sereia e acham que isso os torna interessantes. e o café? ah, sim, o café. uma poça de líquido carbonizado disfarçada por xarope de baunilha, montanhas de chantilly e calda de chocolate. tudo isso servido em um copo de papel que não só é desconfortável, mas parece ter sido projetado para vazar exatamente na hora em que você dá o primeiro gole. sofisticação? por favor.

mas o problema não para aí. vivemos na era da “gourmetização”, onde o café foi transformado em algo que exige um diploma em ciências sensoriais para ser apreciado. “notas de damasco com um final cítrico e corpo médio.” quem inventou essa palhaçada? café não tem corpo médio. tem corpo robusto e amargo, do tipo que te lembra que está vivo. e não, eu não quero que meu grão tenha sido “processado naturalmente por camponeses em altitude”. eu quero que ele tenha sido torrado até a alma e moído por alguém que sabe o que está fazendo. café é brutalidade líquida, não um passeio aromático por um pomar tropical.

e aí vem o show das cafeteiras. essas máquinas brilhantes, com painéis digitais que parecem saídos de um laboratório da NASA. elas prometem “a xícara perfeita” enquanto cobram o preço de uma pequena viagem internacional. ah, mas elas têm wi-fi! porque, claro, você precisa que sua cafeteira esteja conectada à internet. quem sabe ela envie uma notificação avisando que o café está pronto, como se o cheiro inconfundível não fosse suficiente. mas o que eu realmente quero é uma moka. aquela peça velha e confiável de alumínio que faz café com a mesma eficiência de um soco no estômago. simples, direta e sem nenhuma pretensão de ser mais do que é.

mas sabe o que mais me irrita? nós aceitamos isso. abraçamos o café descartável, a pressa, a superficialidade. trocamos a xícara de porcelana – sólida, aconchegante, quase sagrada – por um copo de papel que mal se segura. porque estamos sempre com pressa, sempre correndo, sempre “pra viagem”. e com isso perdemos a essência do café: o momento. o ato de sentar, respirar, e deixar o mundo desacelerar por um instante. café era um ritual. agora é só mais uma coisa que você consome enquanto responde e-mails e tenta fingir que tem controle sobre sua vida.

mas o café de verdade ainda existe. ele está escondido em cantos modestos, feito por mãos que não ligam para tendências ou grãos exóticos. está na garrafa térmica amassada de um caminhoneiro, na cozinha de uma avó, ou na xícara de quem ainda entende que café não precisa de firulas. precisa ser quente, forte e honesto. o resto? o resto é só espuma – e não, eu também não quero chantilly.