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2025

festas

quando, por alguma falha na matrix, acabo indo a uma festa, faço o que qualquer pessoa minimamente sensata faria… entro, avalio a cena como um antropólogo num experimento social e traço uma estratégia de sobrevivência. porque festas, sejamos honestos, não são lugares para se divertir, são arenas de performance, teatros improvisados onde todo mundo está tentando parecer um pouco mais feliz, mais interessante, mais bem-sucedido do que realmente é.

então eu observo. escolho um canto estratégico, onde possa ter uma visão panorâmica do circo sem ser puxado para dentro dele. vejo os primeiros movimentos… os que chegam radiantes, como se tivessem ensaiado esse momento no espelho, os que entram inseguros, esperando encontrar um rosto conhecido para ancorar sua existência, os que já começam a beber como se cada gole fosse um salvo-conduto para suportar a noite.

evito as rodinhas de risadas ensaiadas e conversas pré-fabricadas. aquele papo de “e aí, no que você anda trabalhando?”, seguido de um monólogo sobre algum projeto irrelevante que a pessoa claramente não se importa, mas precisa vender como o próximo grande acontecimento da humanidade. evito também os palestrinhas, os especialistas relâmpago que, em um mês, passaram da obsessão por vinho natural para um doutorado improvisado em inteligência artificial. e evito, principalmente, qualquer conversa que envolva a frase “vamos marcar algo”… porque sabemos que não vai acontecer.

se há comida, provo. não pelo evento, mas pela ciência. um canapé decente pode redimir uma noite inteira de interações desnecessárias, e um prato malfeito pode selar meu destino, permanência mínima, fuga rápida. observo as bandejas passando, os olhares famintos de quem finge estar ali pelo networking, mas secretamente está só esperando o momento certo para atacar o bufê.

a música, claro, é sempre um fator determinante. se for alta demais, a festa se transforma num jogo de mímicas constrangedor. se for ruim demais, todo mundo finge gostar para não parecer “desatualizado”. e se houver pista de dança, invariavelmente chega aquele momento da noite em que alguém, bêbado de autoconfiança ou tequila, tenta arrastar alguém para o meio dela.

fico o tempo necessário para cumprir minha cota social, garantir que minha presença foi notada e, principalmente, para sair no momento exato, nem cedo demais, para não parecer antissocial, nem tarde demais, para não ser sugado para o vórtex de promessas de amizade eterna que evaporam na manhã seguinte. e quando finalmente atravesso a porta de volta para minha própria realidade, longe de luzes artificiais e conversas vazias, respiro fundo e sorrio. porque no fim, a melhor parte de qualquer festa sempre será sair dela.

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2025

parei de ouvir podcast

parei de ouvir podcasts porque percebi que estava me afogando em uma piscina rasa de autoafirmação, cercado por vozes que só me diziam o que eu já queria ouvir. não era informação, não era reflexão, não era nem entretenimento decente, era um loop infinito de confirmações, um algoritmo moldado para me manter satisfeito na minha bolha confortável, sem jamais me desafiar de verdade.

parei porque percebi que os podcasts não estavam me tornando mais inteligente, mais questionador ou mais bem informado. estavam apenas me transformando em um papagaio sofisticado, alguém que repete frases de efeito bem articuladas sem nunca realmente pensar sobre elas. era como se cada episódio viesse com um carimbo invisível… pronto, agora você sabe a opinião certa sobre esse assunto. pode seguir em frente sem questionar.

parei porque vi que todo mundo estava fazendo a mesma coisa, não ouvindo para aprender, mas ouvindo para confirmar. esquerda ouvindo esquerda. direita ouvindo direita. cinéfilo ouvindo cinéfilo. foodie ouvindo foodie. cada um no seu cercadinho, reforçando as mesmas crenças, rindo das mesmas piadas internas, se sentindo mais esperto do que o resto do mundo.

parei porque percebi que os podcasts roubaram meu silêncio. o espaço onde eu pensava, onde eu duvidava, onde eu simplesmente deixava a mente vagar. de repente, cada momento livre precisava ser preenchido com alguém falando comigo. lavando louça? podcast. dirigindo? podcast. tomando banho? podcast. deus me livre ficar sozinho com meus próprios pensamentos. mas aí caiu a ficha… sem espaço para o silêncio, não há espaço para reflexão. e sem reflexão, você não está aprendendo, está só consumindo ruído.

parei porque música existe. e música é infinitamente superior. uma boa faixa instrumental pode dizer mais sobre a condição humana do que qualquer monólogo de uma hora sobre como os millennials estão redefinindo a cultura do trabalho.

parei porque os podcasts começaram a soar todos iguais. os mesmos formatos, as mesmas pausas dramáticas, o mesmo tom de voz de deixa eu te contar algo muito profundo que vai mudar sua vida. às vezes, era uma imitação barata de um programa de rádio da npr. às vezes, um stand-up sem timing. às vezes, um show de autoajuda disfarçado de debate intelectual. mas, no final das contas, era sempre a mesma ladainha.

parei porque descobri que a maioria desses pensadores independentes eram tão independentes quanto um comercial de banco. no começo, vinham com aquele papo de não tenho rabo preso, falo o que penso. meses depois, estavam promovendo app de meditação, suplemento alimentar ou colchão que melhora sua performance cognitiva. revolucionários de ocasião, vendidos ao primeiro patrocinador que apareceu.

parei porque, ironicamente, os podcasts que se dizem provocativos nunca provocam nada. eles desafiam o que já está morto. criticam o que já foi criticado à exaustão. fazem piadas sobre coisas que já não têm defensores. é uma rebeldia artificial, um circo bem coreografado onde ninguém corre o risco de realmente incomodar alguém poderoso.

parei porque percebi que, se tudo que eu ouço confirma o que eu já acredito, então eu não estou pensando. estou só me sentindo confortável. e conforto é uma droga perigosa.

parei porque um dia me peguei citando um podcast como se fosse um fato absoluto. como se, só porque ouvi aquilo em um tom confiante e bem editado, fosse verdade. e percebi que eu tinha parado de questionar.

parei porque, no fundo, prefiro não saber de tudo. prefiro aceitar que a realidade é caótica, que nem toda pergunta tem resposta, que nem toda opinião precisa ser reforçada por um episódio de duas horas com um especialista. às vezes, o melhor que você pode fazer é fechar a boca, desligar tudo e simplesmente pensar.

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2025

história

história. o que é isso, afinal? um monte de gente morta fazendo coisas que a gente finge que importam? ou um punhado de versões convenientes, reescritas, editadas e recicladas até que pareçam algo remotamente aceitável para o presente? porque sejamos honestos, a história nunca foi sobre verdade. foi sobre poder. sobre quem pode contar e quem tem que calar a boca. sobre quem pode escolher as palavras e quem é esmagado por elas.

e tem esse papo de que a história se repete. que piada. se repetisse, talvez aprendêssemos alguma coisa. mas não, a história se reinventa, se adapta, se veste com novas roupas e finge ser diferente. a gente gosta de se enganar. roma caiu porque virou um antro de corrupção, gula e hedonismo? legal. mas ninguém menciona que foi porque sua economia entrou em colapso e os bárbaros estavam cansados de levar porrada. a revolução francesa foi sobre liberdade, igualdade, fraternidade? bacana. mas e as cabeças rolando na guilhotina? e os milhares de camponeses que continuaram fodidos enquanto uma nova elite assumia o poder?

história é a arte de contar mentiras de maneira tão sofisticada que acabamos acreditando nelas. um jogo de poder, um roteiro escrito pelos vencedores e engolido sem mastigar pelos idiotas que vêm depois. não tem nada de nobre, nada de justo, nada de imparcial. é um circo onde os palhaços somos nós, batendo palmas para versões cuidadosamente filtradas do passado, enquanto os verdadeiros arquitetos da desgraça já estão planejando o próximo ato.

e o mais patético? a gente acha que história é sobre fatos. sobre o que realmente aconteceu. mas quem decide o que realmente aconteceu? quem escolhe o que entra nos livros, quais monumentos são erguidos, quais nomes são celebrados e quais são apagados? quem tem o poder de transformar um massacre em uma conquista? de fazer um ditador parecer um líder visionário? de pintar uma pilha de corpos como um sacrifício necessário?

pegue qualquer momento histórico e olhe além da narrativa polida. os grandes impérios? parasitas vorazes que sugaram tudo ao redor até colapsarem sob o próprio peso. os heróis nacionais? muitas vezes apenas os que mataram mais e sobreviveram para contar a história do jeito que quiseram. as revoluções? tantas vezes um ciclo vicioso onde os oprimidos derrubam os opressores só para assumirem o trono e repetirem tudo de novo, só que com um novo slogan. e o progresso? uma palavra bonita para encobrir o fato de que a humanidade avança tropeçando, empurrada por ganância, arrogância e, ocasionalmente, pura estupidez.

achamos que aprendemos com o passado, mas tudo o que fazemos é reciclá-lo, trocando os figurinos e os nomes dos personagens. trocamos reis por presidentes, impérios por corporações, exércitos por algoritmos. os métodos mudam, mas o jogo é o mesmo. controle, dominação, narrativa. e nós, os otários, continuamos a acreditar que a história é algo que acontece com os outros, lá atrás, em livros didáticos, sem perceber que estamos vivendo dentro dela, sendo manipulados pelas mesmas velhas estratégias.

no final das contas, história não é sobre o que foi. é sobre o que nos fazem acreditar que foi. e se você acha que sabe a verdade, parabéns… você já caiu no truque.



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2025

hiperfoco

hiperfoco. essa maldição gloriosa que a sociedade insiste em chamar de defeito. por anos, me fizeram acreditar que eu era um fracasso ambulante porque não conseguia seguir cronogramas, porque deixava tudo pra última hora, porque simplesmente não funcionava como o resto do mundo. mas sabe de uma coisa? foda-se o resto do mundo. eu descobri que essa coisa que me chamavam de “veneno” era, na verdade, um superpoder. um motor a jato escondido dentro do meu cérebro que, quando acionado, me fazia produzir em minutos o que outros levavam semanas.

e claro, teve sofrimento. porque a escola quer que você seja previsível, o trabalho quer que você seja organizado, e os gurus da produtividade querem que você bloqueie horários e monte bullet journals como se sua vida fosse um projeto do excel. eu tentei. deus sabe que eu tentei. comprei cadernos bonitinhos, fiz listas de tarefas, segui regras estúpidas que diziam que “a disciplina vence a motivação”. e adivinha? só serviu pra me fazer sentir ainda mais um impostor.

até que um dia eu aceitei. aceitei que minha mente tem seu próprio tempo, seu próprio ritmo, sua própria fome. e quando ela tem fome, meu amigo, não há nada que a detenha. esqueça planejamento, esqueça organização. trinta minutos antes de subir no palco pra falar pra mil pessoas, eu começo a montar minha apresentação. parece loucura? talvez. mas sabe o que acontece? a porra da coisa funciona. porque meu cérebro não trabalha bem com antecipação, ele precisa do calor da urgência, do fogo da necessidade. é no limite que ele brilha.

e não é só no trabalho. já tentei planejar viagens, fazer roteiros, marcar passeios com antecedência. um desastre. a verdade é que eu funciono melhor no improviso. enquanto os turistas organizadinhos seguem mapas e guias, eu me jogo no desconhecido e encontro lugares escondidos e inusitados. sem planejamento, sem roteiro, sem expectativa. apenas entrega total ao momento.

as pessoas me olham como se eu fosse um doido irresponsável. “como assim você ainda não começou aquele projeto?”, “como assim você não tem um plano b?”, “como assim você vai resolver tudo de última hora?”. e eu só dou um sorriso e espero. porque eu sei. eu sei que, quando chegar a hora, minha mente vai acender como uma explosão e tudo vai se encaixar. enquanto eles gastam tempo se preocupando, eu simplesmente faço.

hiperfoco não é um erro. é um presente. é aquele estado raro em que o tempo desaparece e tudo ao seu redor some, deixando apenas você e o que precisa ser feito. é aquele rush de adrenalina, aquela concentração afiada como uma navalha, aquele momento em que sua mente opera em uma frequência que os normais jamais vão entender.

e se você tem isso, se você já sentiu esse clique dentro de você, então sabe exatamente do que eu estou falando. então pare de tentar se encaixar, pare de se forçar a seguir o ritmo dos outros. abrace o caos. aceite o fogo. e, quando a hora certa chegar, entre na tempestade e destrua tudo.

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2025

meu innie teria matado meu outie no primeiro dia

meu innie teria me matado no primeiro dia. sem hesitar. sem drama. sem monólogo final. ele teria pegado o objeto mais pesado da sala, talvez aquela merda de teclado corporativo cinza que fede a desespero e dedos suados e esmagado meu crânio antes mesmo de entender completamente o que estava acontecendo. porque, sejamos honestos, qual ser humano em plena consciência escolheria esse destino? acordar num escritório, sem passado, sem futuro, sem nada além de um crachá e um chefe com sorriso de psicopata? é um pesadelo projetado especificamente para assassinar qualquer fagulha de individualidade que ainda restava em você.

a grande piada de severance é que ela não é ficção. é um documentário que ainda não foi oficialmente reconhecido como tal. porque, no fundo, quem aqui já não vive essa merda? quem aqui nunca bebeu além da conta numa sexta-feira tentando afogar o terror existencial de saber que, em poucos dias, estaria de volta à cela? quem aqui nunca sentiu aquele leve deslocamento da realidade quando se viu no espelho antes do expediente, arrumado, penteado, uniformizado como um condenado prestes a cumprir mais uma pena?

não foi a lumon que inventou essa separação. ela só deu um nome para o que já existe. innie e outie. trabalho e vida. servidão e ilusão de liberdade. a diferença é que no mundo real, essa transição é feita sem cirurgia, sem tecnologia de ponta, sem nada além do bom e velho conformismo e um salário que nunca chega até o fim do mês.

é fascinante ver como os idiotas online abraçaram esse conceito como se fosse um jogo divertido. “meu innie trabalha enquanto meu outie bebe” escrevem, rindo, como se isso não fosse a descrição exata do ciclo vicioso em que estão presos. o aeroporto de denver postou… “seu innie deveria reservar férias para seu outie. vocês dois merecem”. vocês dois. como se houvesse uma separação real. como se uma parte de você não estivesse sempre carregando o peso da outra. como se toda essa divisão não fosse apenas um truque mental patético para te convencer de que vale a pena vender 90% da sua vida para tentar viver 10%.

já trabalhei em lugares onde todo mundo parecia ter passado pelo procedimento da lumon. os olhos mortos, os sorrisos automáticos, as risadas vazias nas reuniões inúteis. o cara que dizia “adoro meu trabalho” enquanto mandava currículo para qualquer outra empresa. a mulher que postava sobre “ser grata pela oportunidade” enquanto engolia rivotril no banheiro. o estagiário que chegou cheio de energia e três meses depois já estava sentado na copa, encarando o nada, tomando um café morno e aceitando silenciosamente que seus sonhos estavam morrendo. e eu, fingindo que meu cinismo era uma forma de resistência, mas sabendo, lá no fundo, que eu estava tão fodido quanto todos eles.

quando assisti ao primeiro episódio de severance, fiz algo que nunca faço. pausei e fui beber. não porque a série é pesada ou porque precisava de tempo para processar. mas porque foi a primeira vez em muito tempo que uma história me fez encarar, sem filtros, o quão absurda é a nossa realidade. precisei de um gole para não gritar.

o que realmente me assusta não é a tecnologia fictícia da lumon. é o fato de que, se ela existisse, haveria fila de espera para o procedimento. porque quem não gostaria de desligar completamente das 8h às 18h? quem não trocaria a consciência constante desse inferno por uma existência simplificada, sem angústia, sem noção de tempo, sem domingos recheados de ansiedade e morte lenta?

a cada episódio que acaba fico olhando para a tela preta, ouvindo o silêncio do meu próprio pensamento. talvez estivesse esperando alguma resposta, alguma saída, alguma dica secreta que me dissesse como escapar disso tudo. mas não veio nada. só a certeza de que amanhã, assim como hoje, assim como todos os dias antes desse, eu levantaria da cama, colocaria minha máscara, beberia café suficiente para parecer funcional e me jogaria, mais uma vez, no ciclo. sem cirurgia, sem botão de desligar, só a boa e velha aceitação de que estamos todos presos.

e é aí que está a verdadeira tragédia. porque não é só sobre trabalho. nunca foi. é sobre essa aceitação passiva de um destino que nos foi imposto antes mesmo de termos idade para entender o que estava acontecendo. estudamos, crescemos, somos condicionados a acreditar que sucesso é sinônimo de um bom emprego, um salário decente, estabilidade. que a vida é essa sequência de concessões, de trocas, de pequenas mortes diárias justificadas por um ou outro benefício ocasional.

e quando finalmente nos damos conta da farsa, já estamos enterrados até o pescoço em boletos, expectativas alheias e obrigações que nunca pedimos para ter. não há para onde correr. não há botão de saída. só resta fazer o que todos fazem. apertar os botões, responder os e-mails, fingir que os prêmios ridículos da empresa importam, aceitar as migalhas de felicidade entre uma reunião e outra e esperar que algum dia, talvez, isso faça sentido.

e, mais do que tudo, vi a mim mesmo. vi o cara que jurava nunca se vender, que ria da ideia de um emprego tradicional, que dizia que preferia morrer a ter uma vida assim. vi esse cara acordar um dia e perceber que, sem nem notar, tinha cruzado a linha. que já estava dentro do sistema, que já havia feito as pazes com ele, que já estava justificando tudo aquilo com as mesmas desculpas que sempre desprezou.

talvez seja por isso que severance incomoda tanto. porque não estamos apenas assistindo a um programa de ficção bem escrito. estamos vendo, com uma clareza brutal, como chegamos até aqui. e pior. como não temos ideia de como sair.

e enquanto isso, mark scout vai continuar entrando naquele elevador, apagando e acendendo como um boneco de corda, exatamente como nós fazemos toda vez que fingimos que essa vida é normal. helly vai continuar tentando escapar de uma prisão que, no fundo, ela mesma escolheu, assim como a gente, que passou anos engolindo o discurso de que um bom emprego é a única saída para não acabar na sarjeta. irving vai continuar pintando paredes escuras, tentando dar sentido a memórias que nunca deveria ter, do mesmo jeito que a gente tenta afogar o tédio em hobbies que jamais vão preencher o buraco que o trabalho cavou dentro de nós. dylan vai continuar segurando botões, segurando portas, segurando qualquer migalha de poder que o sistema lhe dá, acreditando, nem que seja por um segundo, que isso significa alguma coisa.

e nós? nós vamos continuar acordando com o despertador, tomando café forte o suficiente para parecer funcional, fingindo que a última noite de insônia não foi causada pela ansiedade do trabalho. vamos continuar mandando mensagens no whatsapp dizendo “só mais essa semana e depois melhora”, como se isso já não fosse a mentira que contamos para nós mesmos há anos. vamos continuar aplaudindo colegas que se matam de trabalhar enquanto, por dentro, rezamos para que pelo menos um deles tenha coragem de largar tudo e nos provar que outra vida é possível.

e no final do dia, quando estivermos sentados no sofá, exaustos demais para aproveitar o tempo que nos resta, vamos assistir a severance, apontar para a tela e dizer “puta que pariu, que série foda”. vamos rir, vamos twittar sobre como é genial, vamos compartilhar memes de innie e outie como se fosse só entretenimento. mas então o domingo vai chegar, aquela dor no peito vai bater, o relógio vai avisar que é hora de dormir e, na manhã seguinte, vamos entrar no elevador. e vamos apagar. e vamos acender. e vamos continuar.

e é por isso que meu innie teria me matado sem pensar duas vezes. sem remorso, sem hesitação, sem nem um aviso prévio. teria me olhado com aquele desprezo gelado, aquele olhar vazio de quem entendeu rápido demais a merda em que foi jogado, e me despachado como um chefe corta um funcionário na surdina de uma sexta-feira à tarde. e eu mereceria. porque fui eu que vendi essa vida para ele. fui eu que aceitei apertar os botões, sorrir nas reuniões, me enterrar nesse ciclo sem sentido e ainda me convencer de que era o certo a fazer. ele teria acabado comigo de forma limpa e eficiente, e depois voltado para sua mesa, pronto para mais um dia de trabalho. e a única diferença entre ele e muitos de nós é que ele pelo menos teria feito alguma coisa a respeito.

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2025

vou abrir um canal no youtube

vou abrir um canal no youtube. não sei quando. pode ser amanhã, pode ser daqui a uma semana, pode ser que eu nunca abra e essa ideia morra sufocada pelo próprio peso da dúvida. mas, no momento, está viva. pulsando. se debatendo na minha cabeça como um animal trancado num quarto pequeno demais.

porque, de repente, me vi pensando nisso mais do que deveria. e isso é um problema. qualquer ideia que começa como um sussurro e cresce até se tornar uma obsessão geralmente termina em desastre. e ainda assim, aqui estou. considerando seriamente essa insanidade.

não porque eu ache que o mundo precisa do meu canal. longe disso. o mundo não precisa de absolutamente nada que mais alguém tenha a dizer. mas, por outro lado, o mundo está tão entupido de barulho inútil que talvez mais um pouco de ruído não faça diferença. talvez a única maneira de não ser engolido por essa lama seja mergulhar de cabeça nela.

o processo de decidir foi… caótico. porque tudo em mim grita para não fazer isso. eu desprezo a cultura de atenção infinita, a lógica do engajamento, a necessidade patética de validação que transforma qualquer pessoa minimamente interessante em um produto diluído para consumo rápido. mas, ao mesmo tempo, tenho uma necessidade quase doentia de falar. e não só de falar, mas de incomodar. de provocar. de cutucar feridas que as pessoas fingem não existir.

e então veio a segunda questão… sobre o que seria? e imediatamente odiei essa pergunta. porque, hoje em dia, todo mundo parece obcecado em se encaixar em uma categoria específica. “qual é o nicho do seu canal?” como se a única maneira de existir fosse escolher um rótulo e se afogar nele. comida. viagens. cultura. comportamento. sociedade. como se fosse proibido simplesmente falar.

então, se eu abrir esse canal, vai ser sobre isso, tudo e nada. o que me der na telha. o que me irritar no dia. o que eu observar de grotesco, de brilhante, de inexplicável. sem roteiro. sem estrutura. sem compromisso com o que veio antes.

mas e se eu mudar de ideia? e se um dia eu decidir que essa coisa toda foi um erro? que prefiro a paz do anonimato ao invés da exposição inevitável? ótimo. sumo. deleto tudo. sem despedida. sem aviso.

então, sim. vou abrir. não sei quando. mas uma hora acontece. e quando acontecer, bem… azar o de quem apertar o play.

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2025

o que está acontecendo nos estados unidos!

imagina que você tem um amigo. um amigo grandão, fanfarrão, cheio de dinheiro, sempre pagando a conta e dando as cartas na mesa do bar. ele era meio arrogante, mas no fundo, você confiava nele. ele tinha princípios, uma moral questionável, mas ao menos previsível. agora, imagina que esse amigo surtou. resolveu que ninguém presta, que todo mundo tá contra ele, que ele é o verdadeiro injustiçado. começa a mentir, a dar golpes, a se vender por qualquer coisa que brilhe e, o pior de tudo, fica instável. um dia te chama de irmão, no outro te trata como um inimigo que precisa ser esmagado. pois bem, esse amigo é a américa.

há uns anos, ela ainda tinha um papel decente no grande teatro geopolítico. agora? é o cara caindo de bêbado na calçada, berrando conspirações enquanto os passantes desviam o olhar, fingindo que não conhecem. claro, tudo isso tem um protagonista óbvio  um ex-empresário de cassinos que governa como se estivesse administrando um esquema de pirâmide. mas o problema vai além dele. os eua viraram aquela empresa tóxica, com um rodízio de chefes incompetentes, onde os funcionários (o resto do mundo) vivem com medo de quem pode ser o próximo CEO lunático a assumir a cadeira.

e como qualquer empresa falida, os parceiros de negócios começam a pular fora. os europeus, que sempre foram os aliados fiéis, já entenderam que não dá mais pra contar com o tio sam. antes, a américa era o cara legal, um pouco arrogante, mas confiável. agora? um sócio traiçoeiro que pode te vender para o inimigo em troca de uma foto apertando a mão de algum ditador. os canadenses e mexicanos também já sacaram o esquema, a moda agora é ganhar popularidade falando mal dos eua, porque, convenhamos, quem não gosta de um pouco de schadenfreude?

mas não para por aí. a nova regra da política externa americana virou uma versão grotesca do clube do bolinha, tudo que for másculo, durão e implacável é bem-vindo. putin? durão, amigo. frança? europa? direitos humanos? fracos. e por favor, não ousem mencionar algo como diplomacia ou cooperação internacional. isso é coisa de losers. a moda agora é extorsão, ameaça e queima de pontes, tudo isso acompanhado de uma dose generosa de paranoia e um amor inexplicável por ditadores.

e o que acontece quando um ex-gigante confiável se torna um gângster inconstante? o mundo começa a se virar sozinho. os europeus percebem que talvez seja hora de parar de mendigar proteção americana e comecem a investir em suas próprias defesas. a alemanha, que há anos finge que não precisa de um exército sério, agora está abrindo a carteira para comprar armas. frança, inglaterra, japão, todo mundo começando a entender que se não tiver sua própria bomba nuclear, pode acabar sendo a próxima ucrânia.

e enquanto os aliados correm para garantir sua própria segurança, a china observa tudo isso com um sorrisinho no canto da boca. porque enquanto a américa age como um valentão de quinta categoria, a china finge ser o novo mocinho da história. “olha só como somos razoáveis, olha como queremos cooperação e crescimento mútuo”, dizem eles, enquanto passam a mão na cabeça dos europeus, oferecendo acordos comerciais e infraestrutura em troca de, bem, submissão silenciosa.

então aí estamos nós. um ocidente rachado, uma américa transformada em um cassino mal administrado, e um mundo pronto para mergulhar de cabeça em uma nova era de insegurança nuclear e alianças improváveis. e tudo isso porque alguém decidiu que o melhor jeito de ser grande de novo era destruir o único verdadeiro trunfo da américa, sua rede de aliados. no fim, trump pode até sair de cena, mas o estrago já foi feito. e se os americanos continuarem escolhendo líderes como quem escolhe o sabor do milkshake do dia, ninguém vai mais confiar neles. porque, sejamos honestos, você faria negócios com um cara que troca de personalidade a cada quatro anos e acha que isso é estratégia?

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2025

minha banda favorita

the brian jonestown massacre é a minha banda favorita de todos os tempos porque, ao contrário de praticamente todas as outras, nunca tentou ser minha banda favorita. nunca tentou me conquistar, nunca fez campanha para ser amada, nunca pediu minha atenção. na verdade, tenho certeza de que anton newcombe ficaria levemente irritado em saber que eu gosto tanto assim da banda dele.

e talvez seja exatamente por isso que eu goste tanto. porque, enquanto outras bandas fazem de tudo para serem acessíveis, amigáveis, facilmente digeríveis… projetadas para caber perfeitamente no fundo de uma playlist chamada indie vibes para estudar, o bjm continua sendo um organismo próprio, um culto musical que nunca tentou recrutar ninguém. se você encontrou, ótimo. se não encontrou, azar o seu. eles não estão esperando por você.

e, claro, a música. porque se fosse só pose, só atitude “rebelde” vazia, não passaria de uma nota de rodapé na história do rock alternativo. mas não. methodrone é um portal para outro universo, um disco que soa como se alguém tivesse sequestrado o my bloody valentine e os forçado a tocar num porão esfumaçado por 72 horas sem descanso. take it from the man! é um tapa na cara da ideia de que o rock precisa evoluir para sobreviver… ele não precisa, ele só precisa de gente que ainda o toque como se fosse a única coisa que importa. e their satanic majesties’ second request é pura devoção ao caos sonoro, uma tapeçaria psicodélica que não pede sua atenção, mas exige sua entrega total.

o brian jonestown massacre me faz sentir que estou ouvindo algo real. algo que não foi projetado por um comitê de marketing, algo que não foi polido até perder sua alma. num mundo onde a música virou trilha sonora descartável para vídeos de receita no instagram, o bjm ainda soa como uma experiência. um lugar perigoso, caótico, imprevisível.

brian jonestown massacre não pede permissão para existir, não faz concessões, não tenta te seduzir com refrões fáceis ou letras que soam como legendas prontas para posts melancólicos. anton newcombe não quer ser seu amigo. ele não quer sua gratidão, seu carinho ou seu reconhecimento. ele só quer que você saia do caminho enquanto ele faz o que tem que fazer. e eu respeito isso profundamente.

porque sejamos honestos, a música morreu um pouco quando as bandas começaram a perguntar o que o público queria ouvir. quando começaram a planejar lançamentos baseados em métricas e tendências. quando pararam de fazer discos que soam como experiências e passaram a fabricar trilhas sonoras para supermercados descolados e cafeterias minimalistas. mas o bjm? o bjm nunca se preocupou com isso. eles fazem discos porque precisam fazer discos. fazem turnês porque precisam tocar. e, se ninguém aparecer, tudo bem, eles já tocaram para plateias vazias antes. e vão tocar de novo.

e é esse descaso absoluto com qualquer noção de sucesso tradicional que torna a música deles tão magnética. ouça give it back! e me diga se aquilo soa como uma banda que está tentando te agradar. não, soa como uma gangue de desajustados que encontrou uma maneira de canalizar sua energia para algo que não envolvesse brigas de bar e pequenas infrações criminais. e talvez seja isso que me prenda tanto. porque não é um som seguro. não é um som feito para “acompanhamento”. é um som que te exige, que te arrasta para dentro dele, que te força a prestar atenção.

o brian jonestown massacre é um lembrete incômodo de que a música, quando feita por pessoas que realmente acreditam nela, pode ser feia, pode ser difícil, pode ser desconfortável. e, acima de tudo, pode ser absolutamente viciante. e eu preciso disso. preciso de uma banda que não me trate como consumidor, mas como cúmplice. uma banda que me faça sentir como se estivesse descobrindo um segredo sujo, algo que não era para ser encontrado.

e no dia em que anton newcombe decidir que acabou, que não vai mais gravar nada, que vai sumir do mapa e viver de vinho barato e ressentimento em algum canto obscuro da europa, eu vou respeitar isso também. porque nunca foi sobre mim. nunca foi sobre os fãs. nunca foi sobre nada além da música. e é por isso que o brian jonestown massacre é, e sempre será, minha banda favorita de todos os tempos.

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2025

rotina de trabalho

sabe aquele experimento com ratos, onde eles colocam os pobres bichos numa rodinha e os fazem correr sem parar, convencidos de que estão indo para algum lugar? pois é. essa semana eu fui o rato. um rato metido a besta, é verdade, porque peguei uber em vez de me espremer no metrô como uma sardinha vencida. mas um rato, ainda assim.

uma hora de trânsito para ir. uma hora de trânsito para voltar. duas horas diárias de existência desperdiçada olhando pela janela enquanto a vida passa lá fora. e, entre essas duas horas de autoflagelação, um dia inteiro enfiado em um escritório, aquele ambiente estéril e artificial onde sonhos vão para morrer e PowerPoints nascem para nos assombrar.

lembro quando achava que isso era normal. quando achava que fazia parte do pacote “ser um adulto funcional”. acordar cedo, se enfiar em um caixão metálico sobre rodas, seguir o fluxo de corpos sonâmbulos rumo a um prédio de vidro onde todos fingem estar ocupados. reuniões sobre reuniões. planilhas que nunca morrem. café requentado e sem alma.

mas eu escapei disso há anos. e agora, por alguma piada cósmica, passei uma semana revivendo esse pesadelo. e sabe o que aprendi? que é ainda pior do que eu lembrava. que há uma espécie de resignação coletiva nesse teatro corporativo, uma aceitação silenciosa de que vender a alma em prestações diárias é só “o jeito que as coisas são”.

só que, veja bem, eu já quebrei esse feitiço. minha vida real é outra. minha vida real é atravessar a avenida paulista em quatro minutos para chegar ao trabalho. é levar meu filho para a escola a pé, sem precisar encarar um apocalipse motorizado. é não ter que calcular qual linha de metrô estará menos insuportável ou quantos minutos a mais vou passar no trânsito porque algum gênio decidiu bater o carro na marginal.

essa semana me fez lembrar que viver assim, atolado no deslocamento diário, não é viver. é uma experiência de quase-morte contínua. um looping de frustração e estagnação embalado por buzinas e notificações do whatsapp.

depois dessa semana, entendi perfeitamente por que as novas gerações enlouquecem os chefes, os RHs, os dinossauros do corporativismo. não é preguiça, falta de ambição ou “frescura de jovem mimado”. é só bom senso. porque você precisa estar muito condicionado… ou muito anestesiado, pra olhar pra essa rotina de trânsito, escritório, trânsito, repetição infinita, e achar que isso faz sentido. o problema não são eles. o problema é quem aceitou esse teatro por tanto tempo sem nunca perguntar… por que diabos estamos fazendo isso mesmo?

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2025

o último livro que li e mexeu comigo

o último livro que li me deixou aquela sensação incômoda de que eu estava perdendo alguma coisa. você já passou por isso? termina a última página, fecha o livro, olha para a parede e pensa… “espera aí… foi só isso?” mas aí os dias passam, e aquele maldito livro começa a voltar na sua cabeça. cenas soltas. frases estranhas. uma ideia incômoda que você não consegue arrancar, como um chiclete grudado no seu sapato. o jogo das contas de vidro, de hermann hesse é um livro que, se você não tomar cuidado, pode te fazer perceber que passou a vida inteira perseguindo vento.

hesse não escreve para entreter. não tem explosões. não tem reviravoltas mirabolantes. ninguém dá um tiro em ninguém. não há romance proibido, nem final catártico onde tudo faz sentido. se você procura isso, boa sorte com outra coisa. o que ele faz é mais cruel. ele te leva até o topo de uma montanha, te mostra uma paisagem absurda e diz: “tá vendo isso? lindo, né? agora, e se eu te disser que nada disso importa?” e então ele te deixa lá, sem mapa, sem bússola, sem nem mesmo um desgraçado de um lanche para a viagem de volta.

a história segue josef knecht, um sujeito criado dentro de um sistema onde conhecimento e cultura são tratados como religião. pense em uma mistura de academia de filosofia, ordem monástica e clube exclusivo para intelectuais que acham que são iluminados demais para se misturar com a ralé. esses caras jogam um jogo tão sofisticado que ninguém consegue explicar direito o que ele significa, um amontoado de referências filosóficas, artísticas e matemáticas que, teoricamente, representam o ápice do intelecto humano. e knecht, brilhante e disciplinado, sobe até o topo desse mundo. ele chega lá. ele vence o jogo. e então percebe que tudo aquilo é uma piada.

essa é a jogada mais baixa de hesse. ele faz você percorrer toda a escalada intelectual com knecht, absorver cada camada desse mundo de ideias, sentir aquela pontinha de inveja por não fazer parte de algo tão puro e elevado. e então ele te dá um soco no estômago. porque nada daquilo significa coisa nenhuma. porque toda aquela busca por “conhecimento superior” é só masturbação mental para gente que tem medo do mundo real. porque não importa quantos tratados filosóficos você leia, quantos idiomas você domine, quantos conceitos você compreenda, se no final das contas você não sabe o que fazer com isso além de recitar para outros acadêmicos igualmente perdidos.

e é aí que knecht, esse nerd genial, esse prodígio da intelectualidade, faz algo que ninguém espera. ele olha para tudo isso e diz… “quer saber? tô fora.” ele percebe que a única maneira de realmente entender alguma coisa é sair do sistema. largar tudo. começar de novo. e esse é o verdadeiro soco no estômago, a ideia de que talvez tudo o que chamamos de “progresso”, “cultura” e “sabedoria” seja só um grande teatro. uma maneira de preencher o tempo enquanto fingimos que estamos chegando a algum lugar.

o jogo das contas de vidro não te dá respostas. ele te dá dúvidas que você talvez não quisesse ter. ele esfrega na sua cara a possibilidade de que, talvez, você tenha passado a vida inteira levando a sério um jogo que não tem vencedor. e então ele te deixa lá, sozinho, com essa ideia na cabeça. sem aplausos, sem fanfarra, sem uma frase de efeito para encerrar a história. só você e essa pergunta maldita… e se ele estiver certo?