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2024

odeio livros de aeroportos

ah, os livros de autoajuda. esses monumentos ao pensamento fast-food. a cura de bolso para tudo o que não presta na sua vida, desde a conta no vermelho até sua incapacidade crônica de ser interessante em festas. estão sempre lá, empilhados em postos de gasolina e aeroportos, com capas berrantes e títulos que soam como a conversa fiada de um vendedor de seguros em uma happy hour.

“como convencer alguém em 90 segundos”. sério? se você precisa disso, talvez seja melhor começar aceitando que nem com 90 minutos vai rolar. ou “hábitos de milionários”. porque é claro que o segredo está em tomar banho gelado e fazer yoga às cinco da manhã. se fosse assim tão simples, o planeta estaria cheio de bilionários e vazios de idiotas. spoiler: não está.

mas o pior nem é o conteúdo; é a pretensão. “seja um líder de heróis”? a maioria das pessoas não consegue liderar um grupo no whatsapp sem virar um caos, mas aí vem esse livrinho e promete transformar qualquer zé ninguém em um cruzamento de gandalf com steve jobs. como se heróis quisessem ser liderados por alguém que comprou sabedoria a prestações em 12 vezes sem juros.

“o poder da ação nas finanças”. sério, essa frase soa como se um gerente de banco tivesse escrito num guardanapo em um bar depois de perder as esperanças com a humanidade. “desbloqueie o poder da sua mente”? vamos lá, se você está comprando isso, já está bem claro que sua mente veio com o cadeado de fábrica e sem a chave.

aí vem a cereja no bolo: “o método silva de controle mental”. o quê, é isso? você lê o livro e de repente vira um professor x dos pobres? spoiler: o único controle mental que você vai conseguir é convencer a si mesmo de que gastar dinheiro nisso foi uma boa ideia.

o problema desses livros não é só serem ruins. ruins seria um elogio. eles são a praga cultural de um mundo que prefere a promessa de uma solução instantânea ao desconforto de, sei lá, pensar de verdade. vendem a ideia de que você pode transformar sua vida antes de aterrissar em guarulhos, mas tudo o que realmente transformam é a conta bancária do autor.

e o mais maravilhoso desses livros? eles sempre têm aquela aura de “eu sei algo que você não sabe”. como se o autor, sentado em algum café hipster ou no porão da casa da mãe, tivesse descoberto o santo graal do sucesso e decidisse compartilhar com você — mas só depois de você passar o cartão, claro. eles nunca, jamais, vão te dizer algo revolucionário. são só reciclagens de clichês que fazem um powerpoint de reunião corporativa parecer um tratado filosófico.

e vamos falar da estética disso tudo. essas capas. sempre tão gritantes, tão desesperadas para chamar sua atenção, como aquele tio bêbado no churrasco tentando ser o centro das atenções. dourado metálico, tipografia gigante, frases que mais parecem gritos de guerra de um exército de idiotas. é quase poético como são feias. parecem feitas no paint por alguém que acha que design gráfico é só jogar um degradê no fundo e voilà.

e sabe o que mais me irrita? é que eles vendem. eles vendem como água no deserto. porque somos todos tão pateticamente desesperados para acreditar que existe um atalho, uma fórmula mágica, que estamos dispostos a engolir qualquer besteira. não importa que a única coisa que você aprenda seja como gastar mais dinheiro em promessas vazias. o ciclo nunca acaba.

no fundo, esses livros não são sobre melhorar ninguém. são sobre alimentar a indústria do autoengano. eles pegam a insegurança, a incerteza, o medo de falhar — e transformam isso num produto. e você, caro leitor, é o produto. parabéns. você acabou de comprar o equivalente literário de uma pirâmide financeira.

então sim, odeio esses livros. odeio o que representam. odeio o que fazem com as pessoas. mas o que mais odeio? é que eles continuarão a existir. porque enquanto houver gente disposta a acreditar em atalhos, enquanto houver aeroportos e postos de gasolina, essas pragas estarão lá, sorrindo para você, prometendo o que nunca entregarão. e você, talvez, continuará comprando.

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2024

apple watch nunca mais

há um momento na vida em que você olha para o seu pulso e percebe que está sendo traído. não por um amigo ou governo – isso seria previsível. mas por um pedaço de vidro brilhante, arrogante e presunçoso que pensa saber mais sobre o que acontece no seu corpo do que você mesmo. aquele pequeno tirano digital, piscando suas notificações irritantes, te lembrando de respirar, dormir, caminhar, se alongar. deus do céu, será que eu esqueci como existir sozinho? foi aí que tirei aquele monitor de condicionamento físico do meu pulso e decidi que nunca mais permitiria que meu pulso fosse palco de tamanha humilhação.

meu substituto? um relógio mecânico. sim, um relógio de verdade. aquele artefato anacrônico e glorioso que não precisa de wi-fi, bluetooth, ou atualizações de software. é só engrenagens, molas, e um tic-tac que poderia facilmente estar no pulso de um espião dos anos 60 ou do seu avô numa foto desbotada. troquei o brilho azul artificial por um mostrador clássico, limpo, onde o tempo é o que sempre deveria ser: uma abstração, não um grito de socorro.

com um fitness tracker, você não vive; você é monitorado. cada passo vira uma estatística. cada batida do coração é registrada como se você fosse uma cobaia num laboratório gigante, alimentando uma máquina que talvez te conheça melhor do que você mesmo – e, francamente, isso é assustador. o pior de tudo é que você começa a se preocupar mais com os números do que com o momento. “andei 10.000 passos hoje”, como se isso significasse que sua existência foi validada. ah, por favor, vá para o inferno com isso.

mas com um relógio mecânico? é pura liberdade. ninguém está me julgando. ninguém sabe quantos passos eu dei, e sabe de uma coisa? nem eu quero saber. talvez eu tenha caminhado pela cidade sem propósito, me perdido em ruas que nunca vi antes. talvez eu tenha ficado sentado num café, bebendo um espresso que durou horas. não importa. o tempo não é meu inimigo; é meu cúmplice. é um lembrete gentil de que eu ainda estou aqui, e não uma ordem gritante para fazer mais.

e a estética? ah, vamos falar sobre isso. um relógio mecânico é uma peça de arte funcional. enquanto os fitness trackers gritam “sou uma pessoa preocupada com calorias”, um relógio mecânico sussurra “eu aprecio as coisas boas da vida”. é um acessório que tem peso, presença, história. não é descartável como um gadget que vai parar no lixo eletrônico em dois anos. é algo que você pode passar para o seu filho, e ele ainda vai funcionar – sem precisar de uma maldita atualização de firmware.

o mais irônico de tudo? minha saúde mental melhorou. sem aquele lembrete constante de que eu deveria estar fazendo mais, percebi que posso simplesmente existir. não preciso provar nada para um aplicativo ou acumular “badges” digitais como se fosse um escoteiro desesperado por reconhecimento. minha respiração se tornou natural, e não um exercício guiado. meu sono? agora eu durmo porque estou cansado, não porque recebi uma notificação para me “preparar para o descanso”.

e sim, eu sei o que você está pensando. “mas e o controle da sua saúde?” veja bem, eu ainda sou capaz de perceber quando estou cansado, quando comi demais ou quando preciso de uma caminhada. o corpo humano é incrivelmente bom em nos dar sinais. mas é claro, ignoramos isso porque temos um brinquedo eletrônico que faz todo o trabalho por nós. é patético, não é? nos tornamos dependentes de máquinas para nos dizer como nos sentimos.

no final, trocar o fitness tracker por um relógio mecânico foi mais do que uma escolha estética ou prática. foi um ato de rebeldia. um dedo médio para a sociedade que insiste em transformar cada momento da nossa vida em uma métrica, um gráfico, uma maldita competição. o tempo não precisa ser algo para conquistar; ele é algo para ser vivido. e se você não entende isso, talvez precise de mais do que um monitor de frequência cardíaca. talvez precise de uma alma.

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2024

omelete

a forma como alguém faz um omelete não é apenas reveladora; é um raio-x completo da alma humana, um teste definitivo de caráter, habilidades sociais e, muitas vezes, sanidade mental. é o equivalente culinário de colocar a pessoa em um tribunal e pedir para que prove sua humanidade diante de um júri implacável – os ovos.

e antes que alguém venha com aquele papo de “é só um omelete, relaxa”, deixa eu te parar aí mesmo. não, não é só um omelete. é um ato puro, primal. é uma das poucas coisas na cozinha que exige tanto habilidade quanto humildade. não dá pra mentir num omelete. não dá pra esconder a falta de jeito, de paciência, ou aquela personalidade irritante que sempre acha que “mais é mais” quando, na verdade, mais é só um desastre esperando pra acontecer.

veja bem, o omelete é a tela em branco onde pintamos quem somos. e para muitos, infelizmente, essa tela vira um rabisco confuso feito por uma criança descontrolada com giz de cera. vamos aos tipos: tem aquele que acha que “quanto mais recheio, melhor” e termina com uma aberração que mais parece uma pizza dobrada. sabe o que isso me diz? insegurança. um medo desesperado de que o básico nunca será suficiente. talvez na cozinha, talvez na vida inteira.

e o que falar do apressado? o sujeito que mete tudo no fogo alto, queima os ovos, transforma o que deveria ser uma seda dourada em algo que poderia ser usado como sola de sapato. esse aí é o rei dos impacientes. um verdadeiro herói do “não tenho tempo pra isso”, sempre correndo, sempre ocupado, mas nunca fazendo nada realmente bem. provavelmente é o tipo de pessoa que termina séries pela metade ou mente sobre ter lido “dom quixote”.

mas o meu favorito – ou talvez o mais desprezível – é o revolucionário do caos. aquele que, por preguiça ou completa falta de noção, transforma o omelete em uma pilha informe de ovos mexidos com pedaços de coisa aleatória. a desculpa? “é tudo a mesma coisa”. amigo, não, não é tudo a mesma coisa. se você não consegue respeitar o processo de dobrar um omelete, como eu vou confiar em você pra, sei lá, estacionar um carro ou manter uma conversa coerente? essas pessoas vivem no completo abandono das regras. elas não dobram o omelete, porque na verdade têm medo – medo de falhar, medo de tentar, medo da vida.

aí vem o outro extremo: o artista. aquele que domina a arte de um omelete clássico. dois ovos, manteiga na medida certa, uma pitada de sal, paciência absoluta. ele não exagera. não complica. deixa o fogo trabalhar, deixa a textura brilhar, dobra com precisão cirúrgica. esse é o tipo de pessoa que você quer do seu lado numa crise. calmo, confiante, eficiente. fazer um bom omelete é, acima de tudo, uma questão de controle. e quem controla um omelete controla o mundo. ou pelo menos, deveria.

no final, um omelete não é só um prato. é um espelho. um confessionário. um manual de instruções sobre quem você realmente é. e o melhor de tudo? não dá pra mentir pros ovos. você pode posar de sofisticado, elegante ou prático, mas na frigideira, a verdade sempre vem à tona. e, pra muitos, essa verdade é bem feia.

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2024

ser tio

ser tio é como ser aquele chef que nunca segue a receita, mas o prato sempre sai bom – ou pelo menos, comível. é um papel gloriosamente anárquico, um coquetel de caos e charme que só funciona porque ninguém realmente espera nada de você além de aparecer e não estragar tudo. e, convenhamos, até isso é negociável.

o trabalho, se é que dá pra chamar assim, é simples: ser o provocador residente, o agente do caos em menor escala, e, acima de tudo, a ponte que transforma primos em cúmplices. porque vamos ser honestos, primos só são parentes até que você jogue todos juntos numa sala com algumas balas, uma música alta, e o tipo certo de energia mal canalizada. aí, meu amigo, eles viram uma gangue. e adivinha quem é o mentor do crime? isso mesmo: o tio.

o truque é transformar encontros em algo mais do que jantares chatos e conversas que ninguém quer ter. é colocar todo mundo pra correr no quintal até que alguém volte sangrando – não muito, só o suficiente pra deixar a coisa emocionante. é ensinar ao seu filho que os primos não são só parentes que aparecem em festas de família, mas um arsenal de histórias, piadas internas e rivalidades eternas. eles são o playground dele, com um toque de perigo.

ser tio é bancar o rebelde autorizado. você ensina o truque do baralho que parece mágica, mas na verdade é só trapaça. você dá aquele presente que faz barulho, consome pilhas e vai irritar os pais por meses. é mostrar ao seu filho que a vida é mais divertida quando você tem aliados – especialmente aqueles que compartilham seu DNA e seu gosto por planos questionáveis.

e no meio disso tudo, você ainda ganha pontos por ser aquele que aparece com uma ideia estúpida, mas brilhante. um passeio que ninguém queria, mas que acaba sendo o dia que todos vão lembrar. uma aposta idiota sobre quem consegue comer mais marshmallows. ou simplesmente ser o cara que deixa as crianças pisarem em poças sem enlouquecer.

é uma missão ingrata? às vezes. você é o herói e o vilão da história, dependendo de quem pergunta. mas é também a chance de transformar a infância do seu filho e dos primos em algo mais: uma história cheia de risadas, aventuras improvisadas, e aquela sensação de que, com o tio por perto, tudo é possível – e um pouco perigoso.

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2024

magia de natal

eu acredito na magia do natal porque, contra toda lógica, ela existe. não porque transforma as pessoas em versões melhores de si mesmas – isso é besteira. nem porque faz o mundo parar de ser um lugar cruel e confuso. mas porque, de algum jeito, ela desafia a realidade. é um momento em que algo indefinível acontece, como se o universo inteiro desse uma piscadela e dissesse: “tá vendo? ainda há uma chance.”

é quase irritante, se você pensar bem. como pode uma data cheia de consumismo desenfreado, promessas vazias e propagandas idiotas ter algo de especial? mas, contra todas as probabilidades, tem. é como se, por um breve instante, o mundo concordasse em baixar as armas. não para salvar o planeta ou fazer algo grandioso, mas só pra lembrar que, apesar de tudo, ainda estamos aqui.

a magia do natal não é sobre o que a gente faz ou deixa de fazer. é sobre o que fica no ar quando você para de correr por um minuto e percebe que as coisas, por mais ferradas que sejam, ainda têm um lado bom. pode ser um instante curto, quase imperceptível, mas é o suficiente. suficiente pra te lembrar que nem tudo é escuridão, que nem toda esperança é uma piada de mau gosto.

e aí está o truque: o natal não promete consertar nada. ele não tenta te enganar com falsas garantias de felicidade eterna. ele só te dá um intervalo, uma pausa pra respirar. e, se você prestar atenção, vai perceber que isso já é mágico o suficiente. porque num mundo tão cansado, tão cínico, essa pequena trégua já vale mais do que qualquer presente.

é por isso que eu acredito. porque o natal não precisa ser perfeito pra ser mágico. ele só precisa ser.

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2024

sim, eu gosto do natal

o natal é, pra mim, um daqueles poucos momentos em que o mundo dá uma pausa. não uma pausa real – porque, convenhamos, sempre tem alguém gritando no shopping por causa de um presente ou tentando estacionar no meio do caos – mas uma pausa no jeito como a gente finge não se importar. no natal, por mais torto que seja, as pessoas tentam. tentam estar juntas, tentam ser gentis, tentam fazer algo parecer significativo, nem que seja por um dia.

gosto do natal porque ele não precisa de perfeição. é bagunçado, exagerado, um pouco piegas, e é exatamente isso que o faz funcionar. a luzinha pisca sem ritmo? tá ótimo. o peru tá seco? passa a farofa e segue em frente. o presente não foi bem o que você queria? abraça e diz “obrigado”. no natal, o esforço vale mais que o resultado. é como um jantar feito na pressa que, no final, ainda consegue juntar todo mundo na mesa. meio torto, mas cheio de coração.

e vamos falar a verdade: tem algo de brilhante no ritual. aquela sensação agridoce de abrir uma garrafa de vinho enquanto alguém tenta lembrar onde guardaram o abridor. as crianças correndo pela sala, rasgando papel de presente como se fosse uma competição olímpica. a música natalina tocando de fundo, mesmo que ninguém preste atenção. tudo isso cria uma espécie de microcosmo da humanidade: desorganizado, barulhento, mas, de algum jeito, funcional.

gosto porque o natal não é sobre o que está na mesa ou debaixo da árvore. é sobre o que está ao redor. é sobre as risadas, as histórias mal contadas, as pequenas reconciliações que só o vinho pode facilitar. e, pra mim, isso é mais do que suficiente. o natal é um lembrete de que, no meio de todo o barulho do mundo, ainda conseguimos parar por um segundo e lembrar que não estamos sozinhos. e, cá entre nós, isso já é um baita presente.

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2024

meus presentes de natal

ah, o natal. todo ano a mesma ladainha. filas intermináveis, gente suando no meio do shopping lotado, embrulhando qualquer porcaria só para dizer que não passou em branco. mas eu, não. esse ano decidi ir por outro caminho. cansei de gastar dinheiro com coisas que não duram mais do que dois natais ou que vão direto para o fundo de uma gaveta. decidi focar em algo que, para muitos, já é quase uma relíquia arqueológica: qualidade.

eu quero presentes que não só existam, mas resistam. coisas que daqui a dez, vinte anos ainda vão estar lá, firmes e fortes, sem pedir desculpas por sua existência. chega dessa cultura descartável de “ah, tá barato, compra dois”. prefiro um presente que valha a pena, que tenha alma, que não precise se esconder atrás de uma etiqueta cheia de brilho e nomes pomposos. menos coisas, mais significado. menos volume, mais valor.

e se for comida, então, o padrão sobe ainda mais. porque, sinceramente, eu me recuso a dar de presente qualquer coisa que tenha gosto de papelão. nada de chocolates que mais parecem velas perfumadas, vinhos que gritam “promoção de supermercado” ou panetones tão secos que poderiam ser usados como arma em um assalto. quero algo que entregue mais do que o básico, que faça alguém fechar os olhos no primeiro pedaço e pensar: “porra, isso é bom.”

então, eu priorizo menos. mas menos com propósito. quero qualidade, longevidade, e, de preferência, algo que não precise de pilhas ou Wi-Fi. porque a verdade é essa: o que realmente importa, o que realmente fica, nunca é descartável. e isso, meu caro, vale cada centavo.

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2024

o segredo da vida

o segredo da vida, se é que você quer ouvir isso de mim, um mestre em desperdiçar tempo, é simples: desperdiçar tempo com as coisas e pessoas que você gosta. parece óbvio, né? mas a ironia é que a maioria de nós passa a vida inteira ocupada demais para perceber isso. correndo atrás de coisas que não importam, fingindo que somos importantes, tentando impressionar gente que nem lembrará nosso nome no dia seguinte. e quando finalmente percebemos, já estamos com um pé na cova ou, pior, na fila do café discutindo com um adolescente sobre o porquê o latte não saiu com a quantidade certa de espuma.

eu aprendi essa lição do jeito difícil, como todo idiota aprende as coisas. teve uma época em que eu achava que a vida era sobre conquistas: títulos, dinheiro, aquela promoção que te dá um cargo ridículo e uma sala com porta de vidro. eu achava que o objetivo era ser admirado, temido, ou pelo menos ouvido em reuniões intermináveis onde ninguém realmente dá a mínima pro que você diz. então, lá estava eu, perdendo minha juventude em cubículos com cheiro de carpete velho e café requentado, fingindo que amava a vida corporativa. porque, sabe como é, alguém te disse que aquilo era “o caminho”.

e foi aí que aconteceu: um dia, na pausa para o almoço, eu decidi ignorar os sorrisos falsos e as conversas sobre o último episódio de alguma série idiota e fui para o parque. comprei um livro barato de um sebo, sentei num banco qualquer e passei a tarde inteira lendo. uma tarde inteira. sem emails, sem telefonemas, sem “vamos alinhar as expectativas”. e quer saber? foi a melhor coisa que eu fiz em anos. foi um desperdício glorioso de tempo. ninguém morreu porque eu não estava em uma reunião, ninguém se importou que minha planilha não ficou pronta naquele dia. mas eu… ah, eu me senti vivo.

foi aí que percebi que talvez a vida seja mesmo sobre esses momentos estúpidos e aparentemente inúteis. aquele tempo que você gasta jogado no sofá assistindo filmes ruins. as tardes que você passa conversando com amigos sobre nada em particular, talvez bêbado, talvez não. as noites que você sai para dançar até as pernas doerem, mesmo sabendo que vai se arrepender quando o despertador tocar. essas coisas que o mundo quer te convencer que são um desperdício. porque, no fundo, são. e é exatamente por isso que elas valem tanto.

mas não pense que essa epifania veio sem uma dose generosa de culpa. porque nós fomos programados, treinados como cães de Pavlov, a acreditar que todo segundo da nossa existência precisa ser produtivo, eficiente, rentável. e eu caí nessa armadilha por anos, desperdiçando minha vida ao tentar não desperdiçá-la. é cruel, não é? mas a verdade é que o verdadeiro desperdício é não desperdiçar tempo. é passar tanto tempo correndo atrás de coisas que você nem gosta que acaba esquecendo de viver.

então agora eu faço questão de desperdiçar meu tempo com maestria. porque, veja bem, é aí que está o segredo: não é sobre ser improdutivo, é sobre ser intencionalmente improdutivo. é sobre dizer “foda-se” para o mundo e fazer algo que só você entende. algo que te faz sorrir como um idiota. algo que, no grande esquema das coisas, não importa. mas importa pra você. e, no final das contas, isso é tudo que importa.

e antes que você me pergunte, não, não existe uma planilha ou um manual para isso. ninguém vai aparecer com um tutorial no youtube te ensinando como ser um bom desperdiçador de tempo. e é melhor assim, porque a última coisa que precisamos é de algum coach de produtividade tentando transformar a arte de não fazer nada em uma startup. “como procrastinar de maneira eficiente”, “10 passos para ser mais relaxado sem perder o foco”. me poupe. o segredo é justamente cagar solenemente para qualquer coisa que se pareça com metas, resultados ou, deus me livre, otimização.

porque, veja, o grande erro da humanidade foi essa ideia de que a vida precisa de propósito. propósito é um conceito que inventaram pra te manter na linha, te obrigar a acordar cedo e ser funcional. e, ok, talvez funcione pra um punhado de pessoas que amam falar sobre missão de vida e fazem listas de gratidão, mas pra nós, o resto dos mortais, propósito é só outra palavra pra “desculpa esfarrapada”. “ah, eu trabalho 12 horas por dia porque meu propósito é criar um futuro melhor.” mentira. você trabalha 12 horas por dia porque tem medo de não pagar o aluguel e acabar dividindo o banco de uma praça com um pombo alcoólatra. o resto é narrativa pra te ajudar a dormir.

eu, pelo menos, me cansei de fingir. cheguei num ponto em que percebi que o único propósito que vale alguma coisa é não ser miserável. e não ser miserável significa, na maior parte das vezes, se dar permissão pra ser um pouco idiota. pra fazer o que você quiser, sem culpa, sem justificativa, sem essa necessidade neurótica de provar que você está “aproveitando a vida ao máximo”. sério, que obsessão é essa com aproveitar a vida? o que isso sequer significa?

mas claro, tem sempre aquele amigo, aquela pessoa insuportavelmente positiva, que aparece pra te lembrar que “desperdiçar tempo é relativo”. que “não é desperdício se faz bem pra você”. não, querido. eu não preciso dessa permissão disfarçada de frase motivacional. eu sei que desperdiço tempo e faço isso com orgulho. o ponto não é se faz bem ou não. o ponto é que eu quero fazer isso porque sim. porque eu posso. porque a vida já é curta e sufocante o suficiente sem a pressão de fazer algo significativo o tempo inteiro.

então, vou te dizer o que eu faço quando quero realmente saborear o vazio da existência: eu ignoro o relógio, desligo o celular e faço algo tão ridiculamente insignificante que seria motivo de piada em qualquer círculo social respeitável. tipo assistir reprises de um reality show ruim. ou caminhar sem rumo só pra ver onde acabo. ou, melhor ainda, sentar em algum lugar movimentado e inventar histórias absurdas sobre as pessoas que passam. aquele cara de terno ali? ele tem um fetiche estranho por bonecas de porcelana. a mulher com o cachorro? com certeza está planejando um crime. isso não me traz dinheiro, não me traz fama, não me traz absolutamente nada. mas me traz prazer. e, na real, prazer já é mais do que a maioria das pessoas consegue admitir que tem.

então, qual é o segredo da vida? é não dar a mínima pra segredos, fórmulas ou grandes ideias. é perceber que o grande truque é este: estamos todos apenas tentando encontrar maneiras de passar o tempo até que ele acabe. então, faça isso do jeito mais divertido, idiota e pessoal que conseguir. porque, meu caro, se o mundo está queimando de qualquer jeito, você pode muito bem assar uns marshmallows no fogo e aproveitar a vista.

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2024

o final de ano

dezembro. o mês em que a humanidade resolve provar, mais uma vez, que perdeu completamente a sanidade. não é o natal, não é o ano novo – são os dias que precedem essas datas. essa febre coletiva, essa histeria mal disfarçada de “preparativos”. todo mundo agindo como se estivesse numa competição olímpica de “quem consegue perder mais a cabeça no menor tempo possível”. é fascinante, na pior forma possível.

o que me espanta é como tudo, absolutamente tudo, vira um exercício de caos. o simples ato de sair de casa se torna uma missão suicida. as ruas, normalmente confusas, se transformam numa selva urbana onde ninguém sabe pra onde tá indo, mas todo mundo tem pressa pra chegar lá. filas pra tudo: caixa eletrônico, estacionamento, farmácia, até pra entrar no elevador do prédio. as pessoas parecem possuídas, cada uma com uma lista de tarefas impossíveis e um senso de urgência que só piora a situação.

e os mercados? meu deus, os mercados. você entra pra comprar algo simples, tipo pão, e é recebido por uma multidão que decidiu que hoje é o dia de estocar suprimentos pra uma guerra nuclear. perus congelados voam de um carrinho pro outro, pessoas brigam pelo último pacote de uvas-passas como se aquilo fosse a chave pra sobrevivência da humanidade, e sempre tem alguém parado no meio do corredor, encarando uma prateleira como se estivesse escolhendo o destino do próprio filho. o ambiente? uma mistura de gritos, sons de carrinhos colidindo e aquela música de natal insuportável tocando no fundo, como um lembrete sádico de que não há escapatória.

e os shoppings? ah, os shoppings são o apocalipse com escadas rolantes. você não entra num shopping em dezembro, você é sugado pra dentro dele, engolido por uma massa de pessoas em busca de “presentes perfeitos” que, no fundo, ninguém quer ou precisa. crianças gritam porque o papai noel é assustador, adultos gritam porque não conseguem achar vaga no estacionamento, e todo mundo parece preso num frenesi de consumo compulsivo, como se a data tivesse se transformado numa desculpa pra enlouquecer em público.

e, claro, tudo isso culmina nas tão esperadas festas de fim de ano corporativas. ah, sim, o glorioso circo corporativo, onde o chefe tenta parecer humano, o estagiário bebe demais, e aquele colega insuportável que você mal tolera no dia a dia acha que é uma ótima ideia puxar conversa sobre “metas para o próximo ano”. o ambiente? um pesadelo semi-iluminado por luzes pisca-pisca, com música ruim tocando tão alto que ninguém consegue ouvir o próprio desconforto. é um teatro obrigatório onde a máscara de “boa convivência” escorrega perigosamente, mas nunca o suficiente pra alguém realmente dizer o que pensa.

e tudo isso – tudo isso – pra quê? pra no dia 25 você perceber que comprou coisas demais, comeu coisas demais e ficou tempo demais perto de pessoas que só tolera porque é socialmente esperado. mas o verdadeiro espetáculo é o que acontece antes, quando todo mundo se perde numa loucura desnecessária, como se o fim do ano fosse um teste de resistência mental e não um simples calendário virando página. e o pior? todos nós fingimos que isso é normal.

sabe o que deveria acontecer? um lockdown natalino. um grande “fica em casa, por favor, e pare de ser insuportável”. fecha tudo: shoppings, mercados, até os aplicativos de delivery, só pra ver o mundo entrar em colapso porque não tem mais como comprar panetone gourmet ou aquela garrafa de vinho caríssima que ninguém sabe pronunciar o nome. imagina a paz: ruas vazias, silêncio absoluto, e ninguém tentando te empurrar no corredor do supermercado pra pegar o último pacote de castanhas. seria o verdadeiro espírito natalino.

mas, claro, isso nunca vai acontecer. porque as pessoas precisam do caos, elas se alimentam dele. então, se você quer fugir dessa insanidade, a saída é ser estratégico. primeiro, pare de fingir que precisa participar de tudo. tem um convite pra festa da firma? ignore. eles vão sobreviver sem você fingindo que gosta daquele colega que mastiga alto. compras de última hora? esqueça. ninguém vai morrer se não ganhar aquele presente genérico comprado no impulso.

quer saber? suma. desapareça. invente uma viagem pra um lugar fictício – “ah, vou pra uma ilha no pacífico, sabe como é, sem sinal de celular” – e passe o mês inteiro ignorando mensagens e convites passivo-agressivos. ou fique em casa e cultive a arte de não fazer nada, um luxo que deveria ser obrigatório em dezembro.

e, se ainda assim alguém insistir pra você “entrar no clima”, olhe nos olhos dessa pessoa e diga: “o clima já está insuportável, obrigado”. e vá embora. porque a única maneira de sobreviver ao fim do ano com a sanidade intacta é não se deixar arrastar pelo tsunami de loucura coletiva. fique parado. veja o mundo passar correndo. e, quando tudo acabar, dê aquele sorriso satisfeito de quem passou por dezembro sem entrar no ringue com uma sacola de compras na mão.

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2024

naked lunch

se você ainda não leu naked lunch, do william s. burroughs, preciso perguntar: o que exatamente você anda chamando de “literatura”? romances bem comportados que começam na infância de um personagem, passam por um trauma previsível e terminam com uma epifania qualquer? não me diga que ainda acha que kerouac é transgressor. ele é um passeio de bicicleta numa tarde de primavera comparado ao que burroughs faz aqui.

naked lunch não é um livro. é uma incisão. uma cirurgia feita sem anestesia, com instrumentos enferrujados, diretamente na parte da sua mente que você tenta evitar a todo custo. burroughs não escreveu — ele esculpiu. cada página é um corte, cada palavra é um bisturi. e o que ele expõe não é bonito, não é confortável, e certamente não é para os covardes. é sujo, grotesco, e, no entanto, brilhante de um jeito que poucos livros ousam ser.

não espere linearidade. não espere uma “história”. burroughs não está interessado em te contar algo. ele quer que você se perca, que tropece nas suas próprias convicções, que se encontre sozinho em um beco escuro da sua consciência, perguntando o que acabou de acontecer. naked lunch é como ser arremessado sem aviso dentro de um filme noir dirigido por alguém que acabou de tomar um coquetel de substâncias questionáveis.

e é isso que o torna essencial. porque, ao contrário da maioria dos livros que você leu — aqueles que se esforçam tanto para te agradar, para te entreter — naked lunch não quer nada com você. ele não se importa se você entende, gosta ou até mesmo sobrevive a ele. burroughs escreveu isso para se livrar de si mesmo, para exorcizar demônios que a sociedade prefere ignorar. e no processo, ele criou uma obra que não só desafia todas as convenções, mas destrói qualquer ideia de conforto que você tenha sobre o que a literatura “deveria” ser.

ler naked lunch é um ato de coragem, não uma escolha de lazer. você não lê para passar o tempo, lê para confrontar algo visceral e incômodo — e, no final, algo profundamente humano. porque, em meio às seringas sujas, aos personagens decadentes e às imagens desconexas, há uma verdade ali que poucos autores têm a ousadia de tocar. burroughs enxerga a podridão do mundo, mas mais do que isso, ele te força a enxergá-la também.

você pode fugir. pode colocar esse livro na estante e voltar para os romances que te deixam dormir à noite. mas, se fizer isso, vai perder algo raro. naked lunch não é só uma leitura; é uma experiência transformadora. e sejamos sinceros, você precisa disso mais do que imagina. então pare de adiar. abra o livro. perca-se nele. e quando sair do outro lado — se sair —, vai entender porque burroughs não é apenas um autor, mas um cirurgião da alma humana.