tô com quinze abas abertas. todas elas me oferecendo o mesmo pedaço de pano vermelho ordinário, com um bordado preguiçoso da nasa… um boné que, se a gente for bem honesto, não valeria nem meia hora de atenção se o mundo fosse um lugar minimamente racional. mas adivinha? não é. nunca foi. e é por isso que eu tô aqui… um adulto, com boleto vencendo amanhã, cogitando pagar frete internacional e, com sorte, ser multado pela receita federal… tudo por causa de um acessório de figurino de um filme que quase ninguém viu, menos gente ainda entendeu, e que o resto do planeta fez questão de esquecer.
o nome do culpado? tomorrowland… um lugar onde nada é o que parece. dirigido pelo brad bird, o mesmo cara por trás de os incríveis e ratatouille, que aparentemente decidiu que depois de tanto sucesso comercial era hora de enterrar a própria carreira com um manifesto visual sobre otimismo juvenil e falência de espírito coletivo. o protagonista? george clooney, numa das atuações mais estranhas da carreira dele… o eterno galã agora fazendo o papel de um inventor misantropo, trancado numa casa armada com lasers e rancor. ao lado dele? uma menina chamada raffey cassidy, que rouba o filme inteiro sendo uma robô com cara de anjo e instinto de assassina. e claro… britt robertson, tentando desesperadamente carregar nas costas o peso emocional de um roteiro que tropeça na própria pretensão a cada cinco minutos.
o filme é um desastre. uma confusão de mensagens, com um terceiro ato que parece ter sido escrito num banheiro químico durante o intervalo de um festival de música. mas… e aí vem o grande porém… no meio de tudo isso, ele tem alma. aquela alma incômoda. aquela cutucada existencial que te faz olhar pra sua própria vida, pro seu cinismo de cafeteria hipster, pro seu sarcasmo de rede social… e se perguntar… quando foi que eu desisti? quando foi que eu virei esse babaca previsível que só sabe rir de tudo e não acredita mais em nada?
e aí… lá pelas tantas, entra o boné. aquele boné vermelho, com o logo da nasa estampado na testa como um tapa na cara de todo mundo que acha que sonhar é perda de tempo. ele aparece na cabeça da casey newton, a personagem da britt… uma adolescente teimosa, questionadora, otimista até o limite do suportável, que passa o filme inteiro dizendo que ainda dá tempo de salvar o mundo enquanto o resto da humanidade já tá de pijama esperando o apocalipse. o boné é parte do figurino dela… mas virou mais que isso. virou um símbolo.
um pedaço de pano que representa a última resistência emocional de quem ainda tem coragem de olhar pra frente e pensar: “porra, talvez… só talvez… ainda dê tempo.”
e é por isso que eu tô aqui. caçando, clicando, comparando. não é sobre moda, nem sobre cosplay. é sobre querer carregar na testa um lembrete físico de que eu, contra todas as evidências, ainda não virei mais um cínico acomodado de grupo de whatsapp. é sobre gritar, sem abrir a boca, que eu ainda me recuso a aceitar o final óbvio e previsível dessa história de merda que a gente chama de vida adulta.
quando esse boné chegar… e se chegar… ele vai estar amassado, com cheiro de armazenamento barato, com a costura torta… e eu vou usar assim mesmo. com orgulho. com teimosia. com a certeza absoluta de que, por mais ridículo que pareça… eu prefiro ser o idiota de boné vermelho da nasa do que mais um figurante nessa distopia insossa de sarcasmo e gente de cabeça baixa.
comece sentindo o peso disso… a terceira guerra mundial já começou, mas não do jeito que você aprendeu na escola. aqui não tem tanques desfilando, bandeiras ao vento ou sirenes gritantes… o que temos é uma guerra híbrida, invisível, que se infiltra em aeroportos, feeds, contas bancárias, olhares apavorados. e você, distraído no sofá, ainda chama isso de “mais um ano ruim”.
já reparou que em 13 de junho de 2025, o mundo estremeceu e ninguém percebeu? israel lançou a operação rising lion… duzentos aviões, apoio da mossad, e mais de cem alvos iranianos derrubados em natanz, fordow, isfahan… não apenas bases militares, mas um hospital em beersheba, o soroka medical center. risco químico, dezenas de civis feridos, destruição que grita “guerra”, enquanto o feed rola impávido.
o irã não deixou barato. em poucas horas, disparou mais de 150 mísseis e enviou cem drones contra tel aviv, haifa, bnei brak… prédios viraram escombros, o pânico virou cena urbana. naquele exato momento, o mundo olhou brevemente e voltou a memes e séries.
mas em 22 de junho, donald trump, o showman presidencial, decidiu entrar no ringue com a operação midnight hammer: B‑2 stealth, bombas gbu‑57 de 13 toneladas e tomahawks voltaram ao ataque, mirando os mesmos alvos nucleares. sem congresso, sem debate… só um tweet de “sucesso absoluto” e sanções reforçadas. resultado? petróleo pulou 11%, bolsas afundaram, bitcoin pirou. ainda assim, muitos seguem falando de “crise passageira”.
isso não é improviso, é o fim anunciado do fourth turning, o quarto ato do ciclo de strauss & howe em the fourth turning… post‑guerra, rebelião, desintegração institucional e a crise, um momento de desmoronamento antes de renascer. desde 2008 o sistema está em pane, a pandemia foi o motor, e agora estamos em pleno colapso.
ray dalio, o sábio financeiro autor de principles for dealing with the changing world order, define o big cycle… dívida monstro, polarização interna, rivalidades globais, colapso climático e revolução tecnológica… cinco cavalos do apocalipse cavalgando ao mesmo tempo. e ele não está prevendo, avisa que a chance de guerra civil nos eua ultrapassa os 55%, e que estamos a um passo do colapso sistêmico.
se isso já pesa, imagina agora misturar outra guerra já em curso… rússia vs. ucrânia. enquanto você lia sobre foguetes no oriente médio, putin intensificou os ataques em kiev com drones escondidos em caminhões, incendiando infraestrutura militar. 11 bombardeiros destruídos só no início de junho. analistas preveem um “verão quente” em 2025 no front ucraniano e, por trás, a realidade é ameaçadora… a guerra enfrenta resistência feroz, washington hesita, e trump dá sinais de abandonar kiev. isso empurra a tensão global ainda mais para cima.
a lógica é cruenta, o eixo da autocracia… rússia, china, coreia do norte e irã… comemora nas sombras. vendem armas, aperfeiçoam ciberataques, fecham alianças silenciosas contra o “ocidente decadente” . enquanto isso, na europa, keir starmer, do reino unido, convoca rodada de emergência (cobra meeting) e aponta risco de escalada nuclear.
aquele jornalista guerreiro, jonathan freedland, no the guardian, alerta… desarmar cientistas iranianos pode ser tático mas quem ganha a guerra acaba pagando caro. nesrine malik chama isso de jogo de reputação superficial, enquanto a guerra esquenta de verdade. no financial times, editoriais como “the perils of war with iran” advertem… vitória no campo tático pode ser derrota estratégica se o irã reforçar suas alianças ou disparar mísseis em bases americanas.
fukuyama já disse que o turning 4 é o ponto em que a narrativa otimista das sociedades modernas se despedaça e brzezinski, à beira da morte, avisou que conflitos regionais podem ser acesos um ao outro até explodirem numa conflagração global. e é isso que vemos agora… fragmentos de guerra espalhados, silos de destruição interligados em mapas invisíveis.
até agora você não leu nenhuma teoria, não é alarmismo… é guerra global fragmentada ativando o caos sistêmico. a normalidade acabou. estamos vivendo uma guerra que ninguém anunciou, mas matou silenciosamente nosso mundo.
e o pior… ela só se intensifica. enquanto você tenta digerir mísseis e drones, o tabuleiro se expande, um quebra-cabeça macabro que combina conflitos aparentemente distantes em uma única trama infernal.
repense o que a gente já viu… os eua, sem consultar o congresso, lança operações contra o irã, transformando o conceito de retaliação escalável e criando precedentes perigosos para qualquer país se sentir confortável em derrubar instalações com bombas de penetração profunda. a soberania já não é mais o que era… agora, qualquer nação com porta-aviões na jaula tem poder para borrar fronteiras. liberdade? só no papel.
e enquanto o fogo arde quente entre israel e irã, a guerra da rússia contra a ucrânia avança como um câncer sistêmico, dribla leis internacionais com drones shahed suicidas, atinge redes elétricas, espalha pânico camuflado em silêncio e fumaça. a ucrânia devolve com precisão cirúrgica, manda drones camuflados em carretas destruir bombardeiros russos no interior do território inimigo. isso é guerra moderna em estado puro… longe de pelotões, mas mortal em cada pixel.
nesse meio tempo, a coreia do norte testa mísseis cada vez mais precisos, mostrando que a dissuasão nuclear não é apenas retórica vazia… é madrugada em que todos acordam assustados, e o mundo ainda dorme. a china responde com incursões no estreito de taiwan, navios fantasma e bombardeiros pairando sobre águas territoriais. a velocidade da tecnologia pulverizou a noção de “fronteira segura” agora, há frente na nuvem, no mar e até no seu celular.
no plano interno, eua e outros países democráticos se debatem com guerra civil em suspensão. dalio acerta na mosca… polarização viral, dívida insustentável, um capitalismo financeiro que exclui e condena. cada discurso, cada lei controversa, cada protesto, joga gasolina na fogueira de um país à beira da ruptura. será que estamos a um tweet de uma revolta urbana?
e os mercados não sabem se riem ou choram. petróleo passando de US$ 110, metais ganhando nome de guerra (cobre, lítio militarizado), bitcoin tremendo mais que soldado de infantaria. e o consumidor? paga o pato na bomba de gasolina. enfermeiros continuam mortificando-se na linha de frente de pandemias e impactos climáticos… incêndios planetários se espalham. é uma guerra que não só mata, mas nos enfraquece, medo por medo, moeda por moeda.
jornalistas de análise, não os memeiros, como mark thompson do reuters, alertam sobre rotas de fuga e sanções que deslocam populações inteiras. anne applebaum, colunista no washington post, anuncia que a “era das democracias liberais está implodindo” e que regimes autoritários avançam justamente porque o mundo ocidental ao mesmo tempo estrena conflitos e esvazia solidariedade.
um outro dado que quase todo mundo ignora… os sistemas de pensamento e confiança estão sendo hackeados. não é piada desaparecer algoritmos sociais… isso muda o senso coletivo, suga o capital social, energiza o autoritarismo nas sombras, sem voto, sem marcha, mas com peso. comissões de verdade sérias não salvam mas reescreveram a narrativa… quem decide o que é verdade ou mentira?
lendo isso você pode pensar: “mas até agora não vi bombas aqui”. e é justamente essa cegueira confortável que nos afunda… cada fragmento de guerra real esconde um efeito dominó, instabilidade financeira aqui, corte de munição ali, ruído digital acolá, lei estranguladora depois. é um ataque ao sistema e, no fim, à humanidade.
então, se isso te atingiu, se te acordou em lugar de arrasar teu sono, compartilhe. troque memes por livros… the fourth turning, changing world order, relatórios da otan, columbia, cap. recomende leitura de anne applebaum, jonathan freedland, mark thompson, ray dalio e chama quem acha que “normal é pra sempre”.
porque ignorar é cúmplice. e o mundo que pensamos que conhecíamos já está agonizando. se você ainda busca normalidade, ela não existe mais. o feed é o último refúgio da ilusão. o mundo real se chama guerra híbrida e está te destruindo, mesmo quando você pensa que passa batido.
sabe o que eu faço nas minhas horas livres? nada. absolutamente nada. e não aquele “nada” genérico, preguiçoso, de quem esqueceu da vida por acidente. não. o meu nada é meticulosamente escolhido. refinado. quase um ritual de gente que já entendeu que a vida, no fim das contas, não passa de um grande intervalo entre uma crise e outra.
enquanto o resto da humanidade se engalfinha por um lugar ao sol na olimpíada da relevância, eu sigo firme, praticando o ócio como quem decanta um vinho caro… com paciência, com respeito ao tempo e com total desprezo pelas expectativas alheias.
meu hobby é o ócio, mas não esse ócio de rede social, com filtro sépia e frase de efeito. o meu é o ócio raiz. sujo. silencioso. desconfortável pra quem tá acostumado com feed rolando em loop infinito. eu não tô falando de fazer um detox digital, ou de tirar um “tempo de qualidade”. eu tô falando de olhar pro teto por quarenta minutos e começar a questionar a existência de cada rachadura na parede. de ouvir o som da geladeira clicando, da rua respirando lá fora… e não sentir absolutamente nenhuma vontade de levantar.
é um ócio que vem com um certo requinte, eu admito. tem um quê de arrogância intelectual. é o tipo de prazer que você só descobre depois de anos fingindo que gosta de brunchs lotados, de viagens planejadas pra “se desconectar” e de happy hours com gente que você mal suporta. depois de todas essas farsas sociais, você aprende… a verdadeira felicidade tá em fazer nada… e gostar disso.
os outros colecionam hobbies como se estivessem montando um perfil no linkedin. cada final de semana uma nova obsessão… “agora comecei a fazer cerâmica”, “tô aprendendo italiano”, “comecei a correr maratonas”, “tô estudando vinho natural”. parabéns. eu sigo aqui, fiel ao meu passatempo mais honesto, o ato calculado, consciente e totalmente prazeroso… de simplesmente não fazer porra nenhuma.
não preciso de propósito pra justificar meu tempo livre. não preciso de resultado, nem de performance. meu kpi é o silêncio. minha métrica de sucesso é o quanto eu consigo adiar qualquer decisão. e sabe o mais poético? quanto mais eu me dedico a esse hobby, mais eu percebo o quanto todo mundo tá exausto, tentando parecer feliz.
enquanto eles abrem novas abas no navegador da vida, eu fecho todas. desligo tudo. encosto a cabeça. deixo o mundo se matar lá fora. e me entrego, com a satisfação de um chef provando o próprio prato, ao meu passatempo favorito… absolutamente nada.
por muito tempo eu fui aquele idiota de manual… o garoto-propaganda não oficial do capitalismo tardio, vestido de camiseta preta com frase de efeito, fazendo check-in no linkedin como se fosse um troféu de guerra. o operário padrão da cultura do “faça mais”, “seja mais”, “sofra mais”, como se a vida fosse uma gincana de escola onde o prêmio final fosse… sei lá… um burnout de respeito e uma gastrite nervosa digna de estudo de caso em congresso de psicologia.
fui o cachorro de rua que corria atrás de cada osso jogado por gerente frustrado. o voluntário da exploração. o palhaço que sorria em reunião de orçamento cortado e ainda tinha a pachorra de agradecer pela “oportunidade de crescer com o desafio”. desafio, meu amigo, era acordar todo dia, olhar no espelho e fingir que aquela versão medíocre e cansada de mim mesmo era o tal “empreendedor de alta performance” que eu me vendia ser.
era meta em cima de meta, como se a vida fosse um videogame de fase infinita. eu me alimentava de kpis como quem come resto de marmita fria em sala de reunião. fazia “networking” com gente que eu odiava, dava like em post de ceo coach de instagram, e anotava em caderninho de capa preta frases que hoje me dão vontade de vomitar. tipo aquela pérola… “o sucesso começa onde termina a zona de conforto”. sabe onde terminou a minha zona de conforto? bem isso é outra história…
e o mais patético… o mais triste… é que eu acreditava. achava bonito dizer “eu não tenho tempo pra nada”. como se isso fosse sinal de relevância. como se viver ocupado fosse o mesmo que viver importante. como se ter agenda lotada fosse sinônimo de valor pessoal.
e aí um dia, sem trilha sonora de filme indie, sem raio de sol entrando pela persiana, sem porra de insight de guru de palco… eu só parei. cansei. larguei. chutei o balde com gosto. percebi que o máximo que eu ia ganhar com aquele roteiro previsível era um certificado invisível de funcionário do mês da minha própria desgraça emocional.
hoje, enquanto a molecada de tênis caro continua postando foto de tela de computador às 4h59 da manhã, enquanto a timeline ainda é infestada de frases mal traduzidas de livro de autoajuda de aeroporto… eu fico aqui. de fora. olhando como quem vê um incêndio de longe, com a serenidade cínica de quem já sabe o final.
eu não corro mais. não marco mais reunião que podia ser um e-mail. não entro em call com gente que finge entusiasmo. e principalmente… não romantizo mais cansaço. hoje meu único indicador de sucesso é a quantidade de vezes que eu consigo terminar o café antes dele esfriar. e, sinceramente… tá funcionando melhor do que qualquer canvas de planejamento estratégico que eu já preenchi na vida.
e o mais bonito dessa história toda… é que agora eu assisto tudo de longe. como quem observa um acidente de carro em câmera lenta, com aquele misto de fascínio mórbido e vergonha alheia. vejo os posts com os gráficos de produtividade, as fotos de cadernos rabiscados com “goal setting”, as frases de guru gringo mal traduzidas tipo “grind now, shine later”… como se o brilho prometido fosse mais que o reflexo do monitor nas olheiras fundas dessa geração de office zombies.
eles continuam lá… religiosamente acordando cedo, fazendo cold call, vendendo a própria dignidade por um “excelente trabalho, fulano” dito por um gerente que vai te demitir na próxima reestruturação. continuam lotando workshop de alta performance num sábado à tarde, pagando pra ouvir um cara de microfone de cabeça dizendo que o problema é falta de disciplina. falta de disciplina o cacete. o problema é falta de noção.
eu vejo os stories com “5h club” e sinto um prazer quase obsceno em saber que eu nunca mais vou fazer parte desse circo. me dá vontade de comentar em cada um deles… “parabéns, campeão… mais um passo rumo ao esgotamento físico, emocional e financeiro”. mas não comento. porque, no fundo, eu sei… todo mundo precisa passar pela fase de ser um idiota otimista antes de virar um cínico funcional.
o melhor? é ver como a engrenagem segue girando. as mesmas empresas que falam de saúde mental organizando happy hour obrigatório. os mesmos líderes que mandam e-mail sobre “respeitar o horário de descanso” te chamando pra call às nove da noite. e a galera… aceitando. sorrindo. agradecendo. feito criança que apanha e ainda pede desculpa.
se tem uma coisa que eu aprendi depois de anos sendo o bobo da corte da produtividade… é que tem uma vida inteira acontecendo bem longe de planilhas, dashboards e frases de efeito. e adivinha? ela é muito melhor daqui… de onde eu tô agora… sentado… com tempo… com saúde… e com zero vontade de voltar pra arena.
que eles corram. que eles suem. que eles façam post sobre “resiliência”. eu? eu passo.
e se alguém quiser continuar nessa corrida maluca… boa sorte. eu tô fora. e já faz tempo.
guerras. elas estão aí antes da gente aprender a amarrar os sapatos. antes da roda, da cerveja, da democracia, antes de qualquer ideia estúpida de paz mundial. estavam ali, no código genético, programadas como uma falha ou talvez, e é isso que realmente assusta, como uma maldita funcionalidade. o ser humano ama um bom espetáculo de sangue. gladiadores, execuções públicas, reality shows com gente se esfaqueando verbalmente por fama… tudo a mesma merda embalada de forma diferente.
desde que um hominídeo olhou torto pro outro por um pedaço de osso, a humanidade vem escrevendo sua história com pólvora, espadas e drones. e o mais bizarro… a gente continua surpreso. “ai, guerra de novo?” como se fosse uma chuva inesperada. não, meu chapa. é clima fixo. o céu da humanidade é eternamente nublado por fumaça de explosão.
os gregos fizeram, os romanos aperfeiçoaram, os europeus industrializaram. e os modernos? eles transformaram em franquia. hoje, guerra tem branding, tem rede social, tem campanha de relações públicas. você vê um míssil cair e logo depois tem post patrocinado com bandeirinha e hino. virou um produto com slogan “pela liberdade”, “contra o terror”, “pelo futuro das crianças”. tudo mentira. é pelo petróleo, pela grana, pelo ego inchado de político meia-boca que nunca viu um campo de batalha na vida.
e ainda assim… a gente vibra. torce como se fosse final de copa do mundo. guerra virou entretenimento. documentários com trilha sonora emotiva, gráficos 3d, narração com voz grave… como se fosse uma série da hbo. a diferença? no final, ninguém aprende porra nenhuma. nunca aprendemos.
é como se o ser humano tivesse um pacto com o caos. toda vez que a paz começa a parecer possível, alguém cutuca a ferida. religião, território, raça, ideologia, ou só o velho desejo de ver o outro sangrar. e então, bum… lá vai o ciclo de novo. sempre com os mesmos ingredientes… jovens morrendo, velhos decidindo, gente inocente pagando o preço.
e o mais irônico é que a gente chama isso de “progresso”. desenvolvemos armas mais eficientes, mais limpas, mais “cirúrgicas”. como se fosse um ato de compaixão matar alguém com menos sujeira. como se fosse civilizado mandar um míssil com precisão milimétrica em vez de uma bomba suja. é como discutir qual garfo usar no jantar enquanto devora carne humana.
porque no fundo, no fundo… guerra é a mais honesta expressão da nossa hipocrisia coletiva. queremos paz, mas adoramos a adrenalina do conflito. falamos em amor ao próximo, mas o próximo precisa concordar com a nossa verdade, ou vira inimigo. é triste, é sujo, é profundamente humano.
a real é que guerra não é exceção. guerra é a regra. paz é que é o intervalo esquisito. o silêncio entre dois tiroteios. e se isso não te fizer perder o apetite, talvez seja hora de olhar no espelho e admitir… tem um soldado dentro de cada um de nós. pronto pra marchar. só esperando o próximo pretexto bonito.
essa academia aqui… ah, essa aqui não é uma academia. é um showroom de vaidade com ar-condicionado e café de cápsula. é um palco mal iluminado onde os figurantes acham que são protagonistas de um reality show que ninguém pediu pra ver. não é o templo da saúde, é o bunker da performance social, o lugar onde gente sem assunto vem suar do lado de gente sem alma, tudo em nome de um lifestyle vazio com cheiro de desodorante caro e whey de baunilha sintética.
e não me venha com “ah, mas toda academia é assim”. não, não é. a academia ali do bairro, aquela com ventilador girando triste no teto e peso de cimento, é crua, honesta, até feia… mas é real. suor ali é suor mesmo. gente tentando viver mais, fugir do infarto, ajeitar a coluna depois de 30 anos carregando boleto. agora aqui? aqui não. aqui o suor é marketing. é parte do look.
a galera dessa academia não tá aqui pra treinar. tá aqui pra ser vista. pra fazer contato. pra marcar presença. pra gravar um reels mal editado enquanto faz um treino que viu no perfil de um coach que provavelmente não sabe somar dois pratos de 10kg. cada agachamento é pensado com ângulo de câmera. cada passada na esteira é uma tentativa de parecer ocupado, produtivo, desejável.
ninguém aqui respira… eles executam respiração. ninguém alonga… eles otimizam mobilidade. ninguém fala… eles pitcham ideias enquanto alongam o quadríceps.
e eu odeio. odeio o neon soft-touch. odeio a playlist “motivation hits 2020” que toca em loop como se fosse trilha sonora da decadência moderna. odeio a parede instagramável com o letreiro em LED tipo. odeio as garrafinhas de R$ 300, o top cropped de marca sueca, o boné pra trás com o logo da consultoria. odeio o eco de frases como “vamos marcar algo” entre um supino e um ataque de futilidade aguda.
mas sabe o que é pior? eu volto. todo santo dia. volto. por quê?
porque essa desgraça fica a dois minutos da minha casa. dois. minutos. e porque minha personal é a única coisa real nesse teatro de ego inflado. ela não me julga, não tenta me vender um e-book de detox, não fala “bora, guerreiro”. ela só manda eu puxar peso e calar a boca. uma santa. uma mártir. a última sobrevivente da era em que treinar era só isso… treinar.
então sim, eu continuo vindo. entro nesse templo da futilidade, passo pelos influenciadores do fracasso, ignoro os olhares que avaliam meu pijama tênis, como se ele dissesse algo sobre minha relevância social… e treino. com desprezo. com ódio no coração e uma leve sensação sarcástica só de saber que sou o único ali que não quer fazer networking entre uma série e outra.
eu odeio essa academia. e ela sabe disso. e ainda assim me recebe todo dia com aquele cheiro de ego tostado no sol.
e isso, meu amigo e amiga, é quase arte. arte degenerada, claro. mas ainda assim… arte.
então vamos lá. hoje à noite, porque aparentemente gosto de ser punido com classe, enfiei meu corpo mole e meu espírito mais mole ainda no sofá e dei play, mais uma vez, nessa muralha de celuloide chamada lawrence da arábia. 3 horas, 41 minutos e 20 segundos de puro cinema. e quando eu digo “puro cinema”, não estou falando de narrativa coesa, desenvolvimento emocional ou qualquer baboseira que oficina de roteiro básico costuma empurrar. tô falando de delírio visual, pretensão épica, um tapa colonial envolto em panos brancos e olhos azuis absurdamente irritantes.
ver esse filme hoje é quase um ato de sabotagem espiritual. é lembrar, de forma dolorosamente lenta e majestosa, que já houve um tempo em que o cinema era feito não pra agradar, mas pra esmagar. e esmagava com elegância. com sutileza. com camelos, pólvora e um protagonista que mais parece uma entidade narcísica do que um ser humano funcional.
peter o’toole não atua. ele desfila pela tela como se fosse um anjo albino pós-apocalíptico recém-saído de um spa imperial. ele tem aquela beleza irritante e gélida de quem nunca foi realmente tocado pela vida. ou pela realidade. ou pelo calor do deserto, o que é curioso, já que ele passa a maior parte do filme no meio de uma fornalha chamada oriente médio.
e por falar em deserto… ah, o deserto. o verdadeiro protagonista. nunca um pedaço de areia foi filmado com tanto fetiche. cada plano é uma tentativa clara de te lembrar o quanto você é pequeno, frágil, urbano, ridículo. o deserto não fala. não explica. não responde. ele só está lá, imenso, silencioso, completamente desinteressado no teu sofrimento. e lawrence? ele olha pro deserto como quem olha pra um espelho e finalmente vê algo digno de ser admirado, a própria loucura refletida no nada.
é isso que o filme entende, e esfrega na tua cara o tempo todo… não há redenção no heroísmo, só vício. não há pureza. há uma espécie de tesão contido na tragédia. e esse homem, esse tal de lawrence, com sua mania de grandeza, sua retórica poética e sua recusa em ser apenas um ser humano medíocre, é o veículo perfeito pra isso.
cada frase que ele solta parece escrita por um poeta bêbado e depois reeditada por um propagandista de império. “nada está escrito.” mentira. está tudo escrito. só que ele finge que não, porque precisa acreditar que está fazendo história, não apenas repetindo um padrão bem gasto de dominação disfarçada de iluminação.
e então vem a tal cena. aquela que sempre me faz rir de nervoso. ele executa o homem. aquele que ele mesmo salvou. e diz, sem piscar… “eu gostei.” a frase mais sincera de todo o épico. ali não tem máscara. não tem império. não tem estratégia. só um homem descobrindo que o poder, a violência e o controle são, de fato, bastante satisfatórios. e tudo isso filmado com tanta beleza, tanta dignidade estética, que você quase esquece que está assistindo um colapso moral em tempo real.
porque é isso, lawrence da arábia é um filme sobre queda. uma queda gloriosa, lenta, cheia de vento e silêncios dramáticos. é sobre um homem que acreditou ser uma ideia. e no fim, percebeu que a ideia era maior do que ele. e pior, mais vazia.
o final não entrega nada. não há catarse. não há lição. ele entra num carro. um motorista faz um comentário qualquer. a câmera se afasta. o deserto desaparece. o mito vira sombra. fim. e você fica ali, parado, com a alma desidratada, o queixo meio torto e a sensação de que assistiu a uma coisa que te destruiu um pouco. e que, de algum jeito, você precisava disso.
e então vem a pergunta inevitável, que sempre me visita depois da sessão… por que eu assisto isso? por que eu volto? por que eu me submeto, de novo e de novo, a esse desfile de miséria emocional, fetiche colonial, travessia suicida e frases que deveriam ser gravadas em mármore?
simples. porque lawrence da arábia é o lembrete mais cruel e necessário de que o épico de verdade não precisa de lição de casa, de redenção, de arcos emocionais previsíveis. ele só precisa de convicção. e convicção, meu amigo, é coisa rara. especialmente num mundo onde tudo vem com manual, tutorial, final fechado, e selo de “aprovado pelo comitê da experiência agradável”.
lawrence da arábia não quer que você goste. ele quer que você sinta. mesmo que seja desconforto. mesmo que seja angústia. mesmo que você termine exausto, repensando a própria existência, o próprio lugar na história, e até o próprio gosto por cinema.
e é por isso que eu volto. porque no fundo, muito fundo, eu também quero atravessar um deserto só pra descobrir que o que eu procurava… nunca esteve lá.
só eu mesmo. com a areia nos olhos e aquele sorriso torto de quem entendeu, tarde demais, que ser lenda é um negócio profundamente solitário. e bonito. e inútil. como tudo que realmente vale a pena.
não num evento, não numa exposição esquisita, não como peça de museu experimental sobre solidão urbana.
na rua. terça-feira. quatro da tarde. ao vivo. e a cores.
uma mulher adulta, vestida como quem saiu do salão e não tem contas vencendo, andava com um bebê nos braços. cabeça inclinada, sorriso suave, aquele olhar bobo de quem encontrou sentido na vida.
mas tinha algo errado. eu olhei de novo. o bebê não se mexia. nem uma piscadinha, nem um reflexo de sol no olho, nada.
a pele era perfeita demais. plástica demais. clínica demais.
eu congelei por dois segundos, e nesse curto espaço de tempo, meu cérebro escaneou três hipóteses:
1. o bebê tá morto e ninguém percebeu.
2. é um sequestro em câmera lenta.
3. o fim da humanidade chegou e eu não recebi o memorando.
a resposta era pior. era um boneco.
um bebê reborn.
feito com silicone, vinil e delírio emocional. uma réplica grotescamente detalhada daquilo que um dia foi a coisa mais humana do mundo… um recém-nascido.
só que sem alma.
eu fiquei parado. observando. ela ajeitava a touquinha do boneco com um cuidado de maternidade premiada. dava tapinhas leves nas costas. balançava os quadris como quem embala o próprio útero.
e o pior… falava com ele.
com ele, entenda. não com “isso”. não com o “boneco”.
com o filho imaginário, o símbolo terapêutico, a obra de arte emocional que agora respira apenas no feed do Instagram e no coração da carência.
e o mundo ao redor? ignorando. passando. como se fosse uma terça-feira comum.
como se não estivéssemos diante de uma cena que resume perfeitamente a queda vertical da sanidade moderna.
porque é isso que é o bebê reborn… um sintoma. um grito silencioso de uma sociedade que perdeu a mão, o filtro, o tato.
uma sociedade que olha pro afeto e pensa… “e se eu pudesse tirar tudo que incomoda nele?”
chorar? não precisa.
crescer? pra quê?
ser real? melhor não.
é o filho ideal. feito sob medida pra uma era onde o “parecer” vale mais que o “ser”. onde amar alguém de verdade virou tarefa arriscada demais… porque exige presença, escuta, frustração, erro, cheiro de leite azedo e noites mal dormidas.
então a gente inventou o reborn.
um bebê que não te pede nada. não exige noites sem dormir. não joga a verdade na tua cara aos 17 anos, nem te chama de hipócrita, nem se muda pra uma comunidade de rave aos 19.
ele só existe ali, quietinho, como o altar portátil do teu autoengano.
e olha, eu entendo. de verdade.
o mundo tá caótico. o toque humano virou ameaça. os vínculos estão todos em crise. a solidão ficou sexy. e a ideia de ter algo que dependa de você, te olhe nos olhos e diga “me ajuda”… assusta.
então, por que não um bebê fake? por que não amar uma coisa que não pode fugir?
o reborn é um afeto sem risco. uma carência com planejamento. é o tipo de relação que nunca te decepciona, porque ela não existe.
e é justamente por isso que funciona. porque esse boneco, esse projeto de filho feito em fábrica e embalado com fita mimosa, diz muito mais sobre nós do que qualquer manual de psicologia moderna.
ele revela uma geração com medo da dor, do imprevisível, do humano.
uma geração que prefere uma mentira bem pintada a uma verdade feia. que abraça plástico e chama de paz. que embala silicone e chama de amor.
e a mulher ali? seguia andando.
orgulhosa. plena.
cercada de olhares de aprovação, alguns até de inveja. como se ela tivesse descoberto o segredo do afeto perfeito.
e talvez tenha. se o segredo for esse… remova tudo que é real, e pronto. ninguém se machuca.
eu fiquei ali parado. rindo. sozinho. como quem acaba de entender a piada mais triste do século.
porque aquele bebê, nos braços dela, era o produto final de uma cultura que não quer mais sentir nada que não venha com garantia estendida.
o afeto foi domesticado. a maternidade virou performance. e a dor, agora, é coisa que se resolve com delivery.
sabe o que me fascina nessa palhaçada cósmica dos bilionários? não é a tecnologia. não é a ciência. é a cara de pau. a audácia intergaláctica de transformar o espaço, aquele último santuário do desconhecido, onde antes só pisava quem carregava nas costas o peso da humanidade, num parque temático de ego inflado, com foguetes pintados com batom corporativo e batizados com nomes que soam como senha de wi-fi de cafeteria chique.
o espaço, meu amigo, virou brinquedo de luxo pra esses três mosqueteiros da megalomania… bezos, musk e branson. um desfile de meias-calças espaciais, cápsulas fálicas e promessas de colonizar marte com gente que não consegue nem manter um fórum online sem virar rinha de bot.
e aí entra o cara que li hoje sobre. o cidadão que desembolsou 28 milhões de dólares pra passar sete minutos flutuando na blue origin. sete minutos de silêncio desconfortável ao lado de jeff bezos, o careca que olha pro espaço com a mesma empolgação que olha pra um relatório trimestral. sete minutos ouvindo aquele sorriso sem alma tentando soar humano enquanto você torce pra cápsula dar problema só pra ter uma história decente pra contar.
e se fosse eu com 28 milhões? me dá só 8 deles. só oito. juro que faço render.
– com 3 milhões, eu criava uma fundação global chamada “fique por lá, jeff”, dedicada exclusivamente a garantir que o bezos e seus clones da techland nunca mais tenham que voltar pra terra. passagens só de ida, sem reembolso, com estadia vitalícia em órbita baixa e dieta de purê desidratado.
– 2 milhões iam pra subornar engenheiros do setor aeroespacial pra discretamente remover qualquer botão de “voltar pra casa” da cápsula do jeff. só o botão “play” com loop infinito de palestras dele sobre “resiliência no varejo digital”.
– 1 milhão pra comprar um pedaço de terreno no meio do nada, tipo interior da mongólia, e construir um museu do “narcisismo espacial” só fotos dos bilionários apontando pra estrelas com a legenda “aqui fica meu ego”.
– os últimos 2 milhões? simples. campanha internacional de marketing… outdoors, redes sociais, trailers antes de filmes da marvel, tudo com a frase “manda o bezos pra órbita e deixa ele lá”. com sorte, viraliza. com mais sorte ainda, o musk e o branson ficam com ciúmes entram na trend.
e falando neles…
o elon musk é o tony stark de filme b. o messias dos fóruns online, o homem que acredita piamente que vai salvar a humanidade enquanto xinga aleatoriamente jornalistas no twitter e toma decisões bilionárias com a maturidade emocional de um adolescente com déficit de atenção. ele quer colonizar marte. MARTE. como se terraformar um planeta fosse algo que se resolve com um brainstorming e design thinking. ele quer uma civilização nova, só que com carros que explodem e wi-fi que cai toda vez que chove poeira marciana. e claro, só vai quem ele aprovar, porque pra esse tipo de salvador, a humanidade ideal é aquela que assina os termos de uso sem ler e compra ação da tesla até de cueca.
o elon não quer salvar o mundo. ele quer um novo playground onde ele seja deus, juiz, investidor-anjo e meme. a terra tá dando trabalho demais. tem pobre demais, tem regra demais, tem gente demais dizendo “não”. em marte, ele vai ser livre. livre pra criar uma utopia com as mesmas merdas daqui, só que com a gravidade aliviando o peso das consequências. e quem discordar? cancela o oxigênio.
e o branson? o branson é outra categoria. não é o vilão clássico, é o guru do marketing de experiência. aquele que vende a viagem, a emoção, a sensação de transcendência… por um preço que só quem nunca lavou a própria roupa consegue pagar. ele não quer colonizar planeta nenhum. ele quer vender o pôr do sol visto do espaço como se fosse ingresso de festival vip em ibiza. “suba até a estratosfera, sinta-se conectado com o universo, receba um certificado e um brunch orgânico flutuante com música ambiente”.
o branson é o tipo de cara que coloca som ambiente até no vácuo. e se marte tivesse uma praia, ele já teria vendido cadeira com guarda-sol e mojito desidratado. é o bilionário zen, o espiritualizado com jatinho particular, o que acredita que tudo pode ser resolvido com uma frase inspiradora bordada numa almofada flutuante. o espaço, pra ele, é um grande resort. e nós, os figurantes que não sabem o dress code.
esses três não estão indo pro espaço por nós. estão indo por eles. pra fugir do caos que ajudaram a criar. pra brincar de deuses em órbita enquanto a terra pega fogo, inunda, afunda e gira sem parar.
e se querem ir? ótimo. só façam um favor… não voltem. deixem a gente aqui, com nossos problemas reais, nossas frituras, nossos delírios honestos e nossa gravidade brutal. porque por mais fodido que o planeta esteja… ainda prefiro ele sem vocês do que marte com buffet de gala e palestra motivacional às 6 da manhã.
eu não cresci com incenso queimando na sala. nem com retrato de antepassado olhando da estante. na minha casa, morte era aquilo que se escondia atrás de cortina branca, que se resolvia com flores compradas às pressas e uma oração decorada. morreu? enterra. chora. esquece. toca a vida. ninguém me ensinou que o silêncio também fala. ninguém me ensinou que os mortos, quando bem cuidados, não vão embora, eles ficam. e protegem.
foi só depois que conheci minha esposa que tudo começou a mudar. ela me mostrou, sem discurso, sem tentar me converter, um jeito de viver onde os vivos e os mortos dividem a mesma mesa. uma cultura onde ancestral não é só nome em lápide, mas presença ativa, constante. em okinawa, os mortos são tratados com uma dignidade que faria muita gente viva corar.
ela me levou um dia à casa da avó. simples. altar no canto. tudo limpo, contido, delicado. um pequeno espaço com tigelas, fotos antigas, um copo de café, arroz ainda quente. e silêncio. mas não aquele silêncio de quem não tem o que dizer. era o silêncio de quem está dizendo tudo, sem abrir a boca.
foi aí que ouvi, pela primeira vez, sobre o ritual de okinawa. não como uma lição. mas como quem me confia um segredo de família. em okinawa, quando alguém morre, não se encerra a biografia, inicia-se um processo espiritual.
nessa cultura, aprendi que a morte não leva ninguém embora. ela apenas muda a forma de presença. o nome disso? sosen suuhai. o culto aos antepassados. mas “culto” aqui não tem nada a ver com adoração cega ou misticismo barato, tem a ver com continuidade. com reconhecer que a vida é um fio longo, e que cada um de nós só existe porque alguém veio antes e segurou esse fio com firmeza.
os okinawanos sabem disso. por isso, quando alguém morre, não se apagam as luzes nem se fecha a porta. pelo contrário, abre-se um processo. um ritual de transição que dura 33 anos. trinta e três anos. você ouviu certo. num mundo em que a gente mal lembra o que comeu no almoço da semana passada, aqui se honra alguém por três décadas, com missas, oferendas, oração e presença constante. o morto vira um espírito em ascensão. uma entidade em formação. e, se bem cuidado, com o tempo, vira parte da “raiz-tronco” da família. não um fantasma, mas um alicerce. uma presença silenciosa que sustenta tudo.
e é aí que a ficha cai. não estamos falando de religião. estamos falando de pertencimento. de identidade. de saber de onde se veio pra entender pra onde se vai. e de fazer isso com uma elegância que se aprende em casa. no altar. no silêncio.
os 49 primeiros dias são de intensidade absoluta. dizem que o espírito ainda está aqui, vagando com os mesmos desejos, confusões e saudades de quando vivia. é por isso que a cada sete dias, uma cerimônia. sete no total. comida feita com reverência, incenso aceso como quem acende um farol, palavras repetidas como mantras que costuram os mundos. cada oferenda é um gesto de compaixão… “você ainda sente fome. você ainda pertence. estamos aqui.” no 49º dia, queima-se o ihai, a tabuleta que representa o espírito em trânsito. é a passagem. não para longe, mas para o invisível. o espírito cruza o limiar. mas ainda precisa evoluir.
a partir daí, entra-se no tempo longo. o tempo da purificação. da sublimação. da leveza que se alcança com o tempo, com a lembrança, com o amor que não se quebra.
no 1º ano de falecimento, a primeira grande cerimônia. é como reafirmar o laço “não esquecemos de você. ainda caminhamos juntos.” no 3º ano, o espírito começa a se libertar do peso da matéria. é quando dizem que ele começa a enxergar com clareza, a compreender a nova dimensão em que habita. no 7º ano, o espírito começa a se tornar luz. não mais uma presença pesada, mas um ponto de orientação. no 13º ano, é como se ele começasse a ser parte do tempo. já não precisa mais das mesmas oferendas, mas ainda é alimentado pelo que mais importa, a memória viva. no 25º ano, como hoje, o espírito já está tão fundido à linhagem da família que é difícil separar lembrança de legado. o que ele foi se confunde com o que a família é. ele está no gesto da neta, no altar… e por isso a cerimônia de hoje teve tanto peso. o ojīchan, o avô da minha esposa, partiu há exatamente 25 anos. mas dizer “partiu” é quase um erro. porque hoje, ali diante do altar, ele estava presente. vivo na fé silenciosa. na lágrima contida da minha esposa. no cheiro dos doces japoneses que preencheu a casa como se dissesse “sim, nós lembramos.”
e então virá o 33º ano. o último rito. não de fim, mas de consagração. é nesse ponto que o espírito atinge o ápice da purificação. tornou-se raiz. tronco. guia invisível. não precisa mais ser chamado, porque já está em tudo. na brisa que atravessa o quintal. no bebê que nasce saudável. no negócio que dá certo sem explicação. na paz que chega de repente, num dia comum.
essa espiritualidade okinawana não grita, não exige, não ameaça. ela apenas está. firme. silenciosa. elegante.
e hoje, depois de ver tudo isso, depois de viver isso ao lado da família dela, minha família, eu não tenho mais dúvidas. os okinawanos sabem algo que nós esquecemos. eles sabem que viver de verdade é continuar cuidando, mesmo depois. que o amor que sobrevive ao tempo é o que realmente molda uma família.
e que há mortos que, quando bem cuidados, não se tornam passado. se tornam eternos.