acordei como sempre, precisando de café antes de qualquer interação humana. nada de conversa, nada de sorrisos forçados, nada de energia matinal falsa… só uma xícara fumegante de cafeína pura, me lembrando que talvez eu consiga suportar mais um dia. porque sejamos sinceros… sem café, tudo desmorona.
café não é uma simples bebida, é um contrato com a civilização. é o que impede que a humanidade entre em colapso todas as manhãs. sem ele, as pessoas vagariam sem propósito, cometendo erros ainda maiores do que já cometem. reuniões seriam ainda mais inúteis. decisões seriam ainda mais idiotas. o mundo já está no limite da estupidez, e café é uma das poucas forças que ainda seguram as pontas.
e então aparecem os que pedem descafeinado. descafeinado. uma prova irrefutável de que algumas pessoas simplesmente não entenderam nada sobre a vida. café sem cafeína é como uma piada sem punchline, um carro sem motor, um filme de ação sem explosões. quer beber algo quente sem propósito? tome um chá e abrace sua insignificância em silêncio.
o café de verdade é simples e direto… preto, forte, quente. nada de chantilly, nada de espuma artística, nada de xaropes de baunilha com nomes ridículos. quer um milkshake? vá para a sorveteria. quer café? então beba como um adulto e pare de tentar transformar tudo em sobremesa.
e não me fale de café ruim. café ruim é um crime contra a dignidade humana. aquele líquido ralo, pálido, sem alma, que mais parece água suja do que qualquer coisa remotamente respeitável. servir um café desses para alguém é como desejar um mau dia em formato líquido. uma afronta pessoal.
tomar café não é só um hábito, é um compromisso com a sanidade. um lembrete de que, por pior que as coisas estejam, ainda existe algo confiável, algo que sempre funciona. o mundo pode estar em ruínas, mas enquanto houver café, ainda há uma chance de não ser arrastado para o abismo da mediocridade.
é claro que sempre tem alguém para dizer “mas café faz mal”. sim, claro. viver também faz. respirar o ar poluído das cidades, comer qualquer coisa que não tenha saído direto de uma plantação biodinâmica supervisionada por monges tibetanos, tudo supostamente faz mal. mas ninguém nunca morreu de uma boa xícara de café forte. pelo menos, não alguém que valesse a pena conhecer.
e um dia meu coração pode reclamar, pode dizer que já basta, pode tentar me convencer de que é hora de reduzir. mas sinceramente? prefiro um fim digno, com uma xícara na mão, do que uma existência sem café, arrastada em um mar de mornidão sem graça.
porque enfrentar esse mundo sem café? isso, meu amigo, seria um destino pior do que qualquer outro.
quando eu era moleque, o cinema era mais que um passatempo, era um convite para um mundo maior, mais perigoso, mais estiloso. era um refúgio, um professor, um traficante de ideias que os adultos ao meu redor não queriam que eu tivesse. entre fitas surradas de locadora e sessões em cinemas que cheiravam a mofo e cigarro, fui aprendendo que filmes não eram apenas histórias, eram mapas para entender a vida, com seus heróis canalhas, suas trilhas sonoras cortantes e seus finais onde, na maioria das vezes, todo mundo se fodia.
não vou te empurrar uma lista de filmes que “todo mundo precisa ver antes de morrer”. esses aqui moldaram meu cérebro, ferraram com minha noção de certo e errado, e me fizeram entender que a vida não tem trilha sonora épica, só silêncios constrangedores, diálogos cortantes e alguns momentos de pura explosão estilística antes do fade-out.
“the french connection” (1971) – gene hackman me ensinou que heróis não são bonzinhos, só são mais teimosos do que o vilão do dia. este filme tem a perseguição de carro mais brutal já filmada, mas o que ficou pra mim foi o cheiro de cigarro barato, o cansaço estampado no rosto de popeye doyle e o lembrete de que, às vezes, a obsessão não te leva a lugar nenhum, só a um beco onde a resposta certa nunca chega.
“rolling thunder” (1977) – tarantino fala desse filme como se fosse um evangelho, e ele tá certo. um ex-prisioneiro de guerra volta pra casa e percebe que o inferno não ficou no vietnã, tá esperando por ele na sala de estar. vingança sem frescura, suja, violenta, sem glamour. me ensinou que algumas feridas nunca fecham e que, se for pra encarar o mundo com uma mão mecânica e uma escopeta, melhor que seja pelo motivo certo.
“le cercle rouge” (1970) – jean-pierre melville me fez entender que o crime, quando bem feito, é uma ópera de paciência e precisão. este filme não tem pressa, não tem explosões desnecessárias, só criminosos que fumam como se estivessem resolvendo equações matemáticas enquanto preparam um golpe perfeito. e, como sempre, a lição final… a lealdade é um luxo que poucos podem pagar.
“bring me the head of alfredo garcia” (1974) – se um filme pudesse feder a tequila barata, suor e sangue seco, seria esse. sam peckinpah me ensinou que o mundo é um lugar onde ninguém ganha de verdade, só existem perdedores em diferentes estágios de decomposição. um cara ferrado atravessa o méxico com uma cabeça decepada e um sonho destruído. se isso não é cinema de verdade, eu não sei o que é.
“possession” (1981) – isabelle adjani tem um colapso mental em um túnel de metrô e, honestamente, isso é só o começo. este filme me mostrou que a insanidade não tem lógica e que algumas histórias não são feitas pra fazer sentido, só pra te jogar num abismo e te deixar lá, sem um manual de instruções.
“the long goodbye” (1973) – elliott gould como philip marlowe, um detetive que parece estar sempre uma tragada atrasado, vagando por uma los angeles onde ninguém é confiável. robert altman me ensinou que os anos 70 mataram qualquer ideia de heroísmo clássico, e que a única forma de sobreviver é não levar nada muito a sério, até o momento em que você precisa levar.
“santa sangre” (1989) – jodorowsky me fez entender que algumas histórias precisam ser contadas com sangue, fetiches estranhos e simbolismo católico perturbador. um circo, uma seita religiosa, um assassino que pode ou não estar sendo controlado pelo fantasma da mãe, tudo junto e misturado como uma alucinação que você não consegue esquecer.
“hard to be a god” (2013) – três horas de lama, suor, violência e civilização implodindo sobre si mesma. aleksei german me mostrou que o progresso é uma piada e que, se existisse um inferno medieval filmado em preto e branco, seria este filme. me fez entender que o horror não precisa de monstros, só de um mundo onde todo mundo fede e ninguém inventou a água corrente.
“the friends of eddie coyle” (1973) – esqueça glamour, esqueça tiros coreografados, este é um filme de crime sobre gente que só quer pagar as contas antes de levar um tiro nas costas. robert mitchum me ensinou que alguns homens nascem azarados, e que, no fim, a lealdade só vale alguma coisa até o momento em que alguém precisa salvar a própria pele.
“paris, texas” (1984) – harry dean stanton caminhando pelo deserto, carregando arrependimentos como uma cruz invisível. wim wenders me ensinou que algumas pessoas passam a vida tentando voltar pra algo que já virou poeira. silêncio, olhares que dizem mais do que palavras, e uma das cenas mais devastadoras já filmadas dentro de uma cabine de peep show.
filmes não são só entretenimento, são janelas, lâminas, bússolas quebradas apontando para direções que ninguém quer seguir. e se um filme não te faz sentir algo real, nem que seja desconforto, então por que diabos você está perdendo tempo com ele?
ah, o dia internacional da mulher. um dia necessário, incontestável, um lembrete de que sem elas nada teria sido construído, nada teria sobrevivido, nada teria avançado. um dia para celebrar, sim, mas também para lembrar que o caminho nunca foi fácil e que a luta está longe de terminar. porque se existe uma constante na história do mundo, é que as mulheres sempre precisaram fazer mais, lutar mais, resistir mais e, ainda assim, seguiram em frente.
e aqui estamos. um mundo que tenta aplaudir as mulheres sem precisar abrir mão dos privilégios que sempre segurou com unhas e dentes. um mundo que diz “vocês são incríveis”, mas ainda discute se devem ter controle sobre seus próprios corpos. que exalta “o poder feminino”, mas paga menos para elas. que finge que a igualdade chegou, mas ainda duvida quando uma mulher assume uma posição de liderança.
as mulheres são CEO’s, cientistas, escritoras, atletas, médicas, professoras, motoristas, donas de casa, artistas, engenheiras, cozinheiras, ativistas. constroem negócios, constroem conhecimento, constroem famílias, constroem revoluções. mas, ainda assim, precisam ouvir perguntas que nunca são feitas a um homem… “como concilia carreira e maternidade?”, “mas você não está exagerando?”, “tem certeza de que aguenta essa responsabilidade?” como se fossem eternas candidatas em fase de teste para uma posição que já ocupam com excelência.
mas sejamos justos, muita coisa mudou. porque as mulheres fizeram mudar. porque não esperaram permissão, não pediram desculpas por serem brilhantes, não aceitaram migalhas. porque entenderam que cada direito conquistado foi arrancado com esforço, nunca dado de bom grado.
e é por isso que o dia da mulher importa. não é sobre brindes corporativos idiotas ou frases bonitas em redes sociais. é sobre lembrar as que vieram antes e abrir caminho para as que virão depois. sobre reconhecer que, sim, há conquistas a serem celebradas, mas também há batalhas ainda sendo travadas. sobre perceber que mulheres não são uma categoria única, que existem em múltiplas formas, realidades e lutas.
existem as que comandam empresas e as que fazem malabarismo com três empregos para sustentar uma família. as que lutam por espaço no topo do mundo corporativo e as que lutam por dignidade básica em trabalhos informais. as que querem ser mães e as que decidiram que não. todas, sem exceção, enfrentam desafios que um homem sequer cogita existir. e todas, sem exceção, merecem um mundo que pare de vê-las como um grupo homogêneo, como se todas coubessem dentro da mesma narrativa simplista de “força feminina”.
o dia da mulher não é sobre colocar mulheres em pedestais. é sobre tratá-las como humanas, com direitos, com falhas, com escolhas. é sobre dar espaço, voz, respeito. sobre reconhecer que nenhuma mulher precisa ser uma heroína impecável para ser valorizada. sobre entender que o mínimo não é um presente, é uma obrigação.
então, que o dia da mulher seja celebrado. mas que seja celebrado com ações, não só palavras. que seja um dia de reflexão, mas também de mudança. que seja um dia de orgulho, mas também de cobrança. porque, no final, as mulheres não querem mais palmas. querem o que sempre foi delas… TUDO.
eu nunca fui de futebol. nunca. pra mim, sempre foi um bando de caras correndo atrás de uma bola, enquanto um estádio lotado gritava como se o resultado de um jogo fosse determinar o destino da humanidade. eu estava fora disso. completamente alheio. futebol era a obsessão dos outros, não a minha. até que um dia, eu virei pai.
e quando você vira pai, descobre que certas escolhas já não são mais suas. porque seu filho descobre o futebol. e, de alguma forma inexplicável, sem nenhuma influência familiar, sem nenhum primo mais velho empurrando uma camisa velha pela cabeça dele, sem nenhuma tradição embutida, ele escolhe torcer para o palmeiras. palmeiras. um time que nunca teve cadeira cativa nas conversas de domingo da minha família. que nunca foi assunto no boteco da esquina. e, de repente, lá estava eu, assistindo os jogos, torcendo, gritando na frente da tv.
mas aí, vem a realidade. aquela realidade feia, suja, violenta, que insiste em nos lembrar que o futebol, como o mundo, não é um lugar bonito pra todo mundo. aquela realidade que chutou a porta do estádio e escancarou o que sempre esteve lá, mas que muita gente finge não ver, o racismo. porque no último jogo da base do palmeiras, um garoto negro foi chamado de macaco. não só chamado. a torcida adversária fez gestos, imitou um macaco, escancarou a podridão de sempre, sem medo, sem vergonha, sem qualquer receio de punição. porque sabem que punição, quando se trata de racismo, é um conceito flexível.
e eu assisti isso. e me veio um ódio ancestral, um nojo, um enjoo. porque não é só um xingamento, não é só uma provocação de arquibancada. é um sintoma. é a doença crônica da sociedade gritando em alto-falante no meio do estádio. é um lembrete de que, por mais que tentem vender o futebol como um espetáculo global, como um símbolo de união, no final das contas, ainda tem gente que só aceita jogadores negros no campo quando eles estão ganhando. quando perdem, quando erram, quando simplesmente existem na camisa errada, viram alvo.
e não é um problema do futebol. o futebol só amplifica o que já está aí, podre e escorrendo pelas rachaduras do sistema. porque quando o homem mais rico do mundo decide que o policial que esmagou george floyd contra o asfalto merece uma pena menor, o que isso ensina pras pessoas? quando outro bilionário resolve que o melhor a se fazer é reduzir a moderação nas redes sociais, facilitando que discurso de ódio, racismo e extremismo se espalhem sem barreira, o que ele está dizendo? quando um presidente remove todo o calendário de datas em apoio à população negra e um dos maiores mecanismos de busca do planeta, sem questionar, acata a ordem e apaga tudo, o que isso significa?
significa que o racismo não só sobreviveu, mas ganhou um puta megafone. que ele não se esconde mais em sussurros, em piadinhas de mau gosto na mesa do bar. ele está na televisão, nas redes sociais, nos discursos, nas bancadas do congresso, nas arquibancadas. ele está sendo defendido como “liberdade de expressão”, como se ser racista fosse uma questão de opinião, um direito constitucional, e não uma merda criminosa.
e assim, a coisa se espalha. porque se um bilionário pode relativizar a execução de um homem negro nos eua, se outro pode desmontar os filtros que impedem que ódio circule livremente, se um jogador pode ser chamado de macaco em rede nacional sem grandes consequências, então qualquer imbecil no estádio se sente no direito de fazer o mesmo. porque ele sabe que nada vai acontecer. porque ele sabe que, no final, sempre vai ter notas de repúdio e um comentarista pra dizer que “era só provocação” ou que “isso sempre existiu no futebol”… ou fingindo que nada aconteceu e nem fazendo as perguntas que devem ser feitas.
mas não, cacete. isso não é futebol. isso é um espelho da sociedade. um reflexo de como ela sempre viu os negros…
e eu penso no meu filho. penso no dia em que ele vai crescer e entender isso tudo. no dia em que ele vai perceber que um jogador negro nunca está apenas jogando futebol. que ele sempre carrega nas costas um peso a mais, um julgamento extra, um risco maior. e eu vou olhar nos olhos dele e explicar. explicar que o mundo ainda trata negros como inimigos, como intrusos, como inferiores. explicar que aquele xingamento, aquela ofensa, não é só sobre um jogo. é sobre um sistema inteiro.
e me revolta. porque o futebol deveria ser um jogo. deveria ser sobre tática, sobre rivalidade saudável, sobre paixão. mas, pra alguns, nunca vai ser só isso. vai ser um lembrete constante de que não importa o talento, a camisa, a torcida… se você nasceu negro, sempre vão tentar te colocar no seu “lugar”.
o problema não é o futebol. o problema somos nós. e enquanto aceitarmos isso como “parte do jogo”, estaremos dizendo que racismo é só uma característica do esporte, e não um câncer da sociedade. estaremos nos tornando cúmplices.
e eu, como pai, como torcedor recente, como ser humano, me recuso a aceitar isso. me recuso a assistir calado enquanto um garoto é humilhado em rede nacional por ser negro. me recuso a deixar meu filho crescer num mundo onde isso é normal.
porque não, essa merda não é normal. nunca foi. nunca será. e se tem uma coisa pela qual vale a pena gritar, brigar e lutar, é pra garantir que o próximo moleque que entrar em campo só precise se preocupar em jogar bola.
eu sou a voz na sua cabeça. aquela que aparece sem pedir licença, que diz o que você já sabia, mas não queria admitir. a que não se preocupa em ser gentil ou inspiradora. você lê o que eu escrevo todos os dias, talvez porque goste, talvez porque precise, talvez porque, no fundo, já tenha percebido que o mundo está cheio de gente que fala, mas pouca que realmente tem algo a dizer. eu escrevo porque não sei fazer outra coisa. porque palavras são o que me mantém respirando, porque o silêncio é insuportável. e porque, se for para preencher o vazio, que seja com algo que preste.
nasci numa segunda-feira, às 18h18. um momento que não se esforça para ser especial. nem dia, nem noite, só um intervalo qualquer, um meio-termo, uma pausa entre um turno e outro. perfeito. porque, sejamos honestos, eu nunca fui de grandes entradas ou momentos cinematográficos. eu apareço no instante em que ninguém está prestando atenção e, quando percebem, já estou lá, já fiz o que precisava ser feito, e saio sem ninguém perceber.
escrevo porque nunca me dei bem com o superficial. porque sempre tive um certo desprezo pela mediocridade confortável, pelas frases vazias que as pessoas dizem quando não têm nada de verdade para falar. porque gosto de desconforto, de provocar reações, de forçar o outro a olhar para si mesmo e se perguntar se realmente sabe quem é.
palavras me alimentam. sempre alimentaram. enquanto muita gente se perde na embriaguez dos próprios sentimentos, eu bebo palavras como quem precisa delas para continuar de pé. talvez precise. talvez escrever seja a única coisa que me mantém em movimento, que me impede de cair na armadilha do conformismo, esse monstro silencioso que transforma pessoas inteiras em sombras do que poderiam ter sido.
nunca gostei de me explicar. nunca vi sentido em tentar convencer ninguém de nada. as pessoas acreditam no que querem acreditar, e a verdade, na maioria das vezes, não tem nada a ver com isso. mas escrever é diferente. escrever não é sobre convencer. é sobre deixar a verdade ali, nua, crua, na mesa, e ver quem tem coragem de encará-la.
escrever é um ato de resistência. contra a estupidez, contra a repetição infinita de ideias mastigadas, contra essa necessidade ridícula que as pessoas têm de serem agradáveis o tempo todo. eu nunca fui agradável. e duvido que vá começar agora.
e eu sei que muita gente não entende. acham que honestidade é grosseria, que sarcasmo é amargura, que falar a verdade sem floreios é algum tipo de defeito de fabricação. não é. o mundo já está cheio de gente que mede palavras, que sorri quando não quer, que se preocupa mais em ser aceito do que em ser verdadeiro. eu deixo essa gentileza para quem precisa dela.
também sei que a maioria prefere ser enganada. prefere acreditar em histórias reconfortantes, em versões editadas da realidade, em frases motivacionais baratas que dizem que tudo vai dar certo. eu não vendo esse tipo de ilusão. nunca vendi. minha única promessa é que, se você continuar lendo, pelo menos vai ouvir algo que não foi diluído até virar uma papa insossa de autoajuda.
não estou aqui para segurar a mão de ninguém. não sou guru, não sou mestre, não sou coach. sou só alguém que escreve. alguém que olha para o mundo e se recusa a aceitar o que vê sem questionar, sem provocar, sem empurrar o leitor para fora da sua zona de conforto.
e se isso incomoda, melhor ainda. porque a única coisa pior do que ler algo que te faz se sentir desconfortável é passar a vida inteira lendo coisas que não te fazem sentir nada.
as palavras certas podem mudar tudo. podem ser uma lâmina afiada, um golpe preciso, um soco no estômago de quem achava que estava seguro. eu prefiro assim. prefiro que minhas palavras incomodem, que deixem um gosto estranho na boca, que façam alguém fechar o texto e depois voltar, porque não conseguiu ignorar.
não sou um escritor de fórmulas. não escrevo para agradar. escrevo porque é isso que faço, porque é isso que sou. e se alguém se incomoda, ótimo. sinal de que ainda estou fazendo direito.
então, agora você já sabe um pouco mais sobre quem escreve para você. ou pelo menos acha que sabe. e se ainda está aqui, se ainda está lendo, se alguma coisa nessas frases te prendeu… bom, talvez sejamos mais parecidos do que você imaginava.
ser pai de um menino de quatro anos com uma opinião sobre absolutamente tudo é como dividir um apartamento com um crítico de arte mal-humorado e sem filtro. só que esse crítico mede um metro, tem uma fixação irracional por dinossauros e não se intimida em te corrigir na frente de estranhos. você acha que tem alguma autoridade, afinal, você paga as contas e dirige o carro, mas ele não se impressiona. no fundo, você sabe que é apenas um coadjuvante no show dele.
ele acorda com uma tese para defender. não importa o assunto, porque alface deveria ser ilegal, a injustiça de ter que usar sapatos, a suposta conspiração do universo contra ele porque hoje é dia de escola. tudo vem com argumentos apaixonados, expressões dramáticas e um poder de persuasão que faria qualquer advogado experiente tremer. você tenta usar lógica, mas ele opera num plano superior onde lógica é apenas uma sugestão.
o conceito de “não” para ele é o equivalente a um desafio. você diz “não pode mexer nisso”, ele entende “por favor, teste os limites da física e da minha paciência ao mesmo tempo”. e quando a catástrofe inevitável acontece, um copo quebrado, uma parede redecorada com giz de cera, um brinquedo desmontado até a última peça, ele não assume culpa. na mente dele, o verdadeiro culpado é a gravidade, um desenho animado ou, na pior das hipóteses, você, por ter permitido que o mundo fosse assim.
alimentação é um campo de batalha. um dia ele ama banana, no outro, banana é ofensiva. ele implora por um prato que você finalmente faz, só para declarar, no momento em que você serve, que “não gosta mais”. tentar negociar com ele é como tentar convencer um chef de cozinha premiado a colocar ketchup na lagosta. ele tem princípios e não está disposto a comprometê-los por conveniência.
vestir-se? outra guerra. você pode escolher a roupa mais confortável e apropriada, mas se não estiver de acordo com a visão estética dele para aquele dia, esqueça. “eu que decido!” ele brada, enquanto insiste em usar uma fantasia de super-herói para o mercado ou um pijama no meio da tarde. você, que já teve ambições de bom gosto e ordem, agora só quer sair de casa sem um colapso épico na porta.
as perguntas são intermináveis e, pior, altamente filosóficas. “por que o céu é azul?” é fichinha. ele quer saber coisas como “quem decide o que é real?”, “se formiga tem nome?”, “por que adulto pode fazer tudo e criança nada?” e, claro, “se eu gritar bem alto, alguém no espaço ouve?” você se vê sem respostas, tentando lembrar onde foi que sua vida se tornou um episódio de um debate existencialista conduzido por um baixinho com as mãos sujas de chocolate.
dormir é um conceito abstrato. ele pode estar exausto, olhos semicerrados, tombando para o lado, mas na hora de ir para a cama, renasce com energia de quem acabou de tomar um café expresso. “não tô com sono!” diz, enquanto boceja e pisca devagar. negociar a hora de dormir envolve técnicas de diplomacia que nem as nações unidas dominam. no fim, você já nem liga se ele dorme na cama ou no tapete, desde que o silêncio finalmente reine.
você descobre que é fisicamente impossível sentar-se para um momento de paz sem ser interrompido por um “pai, olha isso!” seguido de uma demonstração detalhada de como ele consegue pular de um móvel para o outro sem “tocar no chão de lava”. café quente? utopia. ler um livro? ilusão. ir ao banheiro sozinho? um privilégio que você já nem lembra como é.
mas então, do nada, ele vem e encosta a cabeça no seu ombro. te abraça forte. fala que te ama, que você é o melhor pai do mundo. e você percebe que, apesar do caos, da bagunça, dos argumentos sem fim, você jamais trocaria isso por nada. porque, no fundo, esse pequeno ser humano está te ensinando muito mais sobre paciência, criatividade e amor incondicional do que qualquer livro ou guru da paternidade jamais ensinaria.
e assim você segue. cansado, com olheiras que fariam um sobrevivente de apocalipse parecer descansado, cercado por brinquedos que misteriosamente se multiplicam pela casa como coelhos em plena primavera. você já não luta contra o caos, só tenta sobreviver a ele. talvez, um dia, encontre sua dignidade no meio daquela pilha de bonecos decapitados e carrinhos sem rodas.
mas até lá, você se resigna ao fato de que seu café será sempre morno, que ele não te chama de “pai” pois considera chato, e qualquer tentativa de silêncio será imediatamente sabotada por um grito histérico sobre algo crucial, como a posição errada de uma meia ou a descoberta de um inseto na varanda. você não é mais um indivíduo, é uma espécie de assistente pessoal de um ditador em miniatura, um ditador adorável, sim, mas ainda assim, implacável.
e pensar que um dia você teve ambições. sonhos. vontade própria. agora, sua rotina é construída em torno das preferências de um pequeno imperador que acredita piamente que o mundo gira ao seu redor e, de certa forma, gira mesmo. porque, no fim, você não manda mais nada. você só paga as contas e dirige o carro.
“menos é mais.” uma mentira tão bem contada, tão repetida, que virou verdade sem nunca ser questionada. dizemos, ouvimos, acatamos… como se fosse um dogma, uma lei universal esculpida em pedra. mas será mesmo? ou será apenas uma desculpa conveniente, uma forma elegante de justificar o desapego, a falta, a renúncia disfarçada de escolha?
pense bem. quando foi que menos realmente foi mais? menos talento é mais genialidade? menos coragem é mais conquista? menos esforço é mais resultado? olhe para qualquer grande feito da história e tente encontrar minimalismo. tente encontrar o “essencial”, a “simplicidade estratégica”. tente dizer que a grandeza nasceu da contenção.
michelangelo não fez um afresco discreto no teto da capela sistina. fez um épico colossal, deitando-se de costas por anos, com tinta escorrendo nos olhos e músculos em agonia. beethoven não escreveu sinfonias enxutas e econômicas… compôs tempestades, quebras de regras, explosões sonoras que atravessam séculos. gaudí não projetou igrejas minimalistas. construiu delírios de pedra que parecem ter sido esculpidos por deuses em transe.
mas aí chega alguém e diz: “menos é mais.” e todo mundo acena com a cabeça, como se fosse verdade. menos é mais… para quem quer que você peça menos. para quem quer que você se contente, que você não exija, que você aceite a versão reduzida daquilo que poderia ser grande. menos é mais para quem quer que você desapareça sem fazer barulho.
então, chega dessa mentira bem-educada. menos é menos. sempre foi. mais é o que move o mundo. mais é o que cria histórias que valem a pena. mais é o que transforma pessoas comuns em lendas. você pode escolher um caminho seguro, compacto, silencioso. ou pode aceitar o que sempre foi óbvio… que quem realmente vive nunca se contenta com pouco.
e é isso que ninguém te conta… que o mundo sempre pertenceu aos que quiseram mais. aos que ignoraram limites, aos que fizeram perguntas incômodas, aos que não aceitaram a primeira resposta. aos que queimaram tudo e começaram de novo. aos que não tiveram medo de parecerem exagerados, intensos, demais.
porque veja bem, a mediocridade adora a moderação. adora o equilíbrio, o “suficiente”, o “bastante bom”. o confortável. mas o que é confortável raramente é memorável. ninguém se lembra do filme que foi “ok”. ninguém recomenda um livro que foi “bem escrito, mas discreto”. ninguém quer ouvir a história da viagem que foi “tranquila, sem surpresas”.
e é isso que o “menos é mais” faz, ele vende a ideia de que a ausência de excessos é uma virtude. que simplificar tudo é um sinal de inteligência. que cortar, reduzir, podar, eliminar é o caminho para uma vida melhor. e pode até funcionar, se sua ideia de “vida melhor” for algo prático, funcional, inofensivo.
mas se você quer algo real? algo intenso, pulsante, profundo? então esqueça essa ladainha de minimalismo existencial. esqueça essa bobagem de que “menos” tem um valor intrínseco. olhe para qualquer coisa que te tirou o fôlego, qualquer experiência que te marcou, qualquer momento que você voltaria no tempo para reviver… nada disso veio do mínimo. veio do máximo. veio do exagero, da bagunça, do detalhe que não precisava estar ali, mas estava.
então, sim, você pode seguir cortando, reduzindo, limpando, otimizando, vivendo com menos. só não se engane… menos é só menos. menos é economia, conveniência, controle. mas nunca foi grandeza. nunca foi inesquecível. nunca foi o que fez alguém virar lenda.
sabe, eu nunca fui um grande fã de religião, mas se existe um templo onde aprendi a orar, onde fui moldado como um pedaço de argila barata nas mãos de um deus debochado e irônico, esse templo foi o cinema. a sala escura, o feixe de luz cortando a poeira no ar, o cheiro rançoso de pipoca murcha e refrigerante derramado… aquilo era sagrado. ali, sentado em poltronas desconfortáveis, aprendi o que significava ser cool, o que era amor, o que era aventura, o que esperar do mundo e, principalmente, o quão brutalmente decepcionante seria perceber que a vida real ignorava solenemente todas essas lições.
o cinema não foi apenas um passatempo. foi um manual, um evangelho. de um jeito ou de outro, cada diretor, cada ator, cada roteiro que passou diante dos meus olhos deixou uma marca, um traço no meu código genético, como se minha identidade tivesse sido escrita não pelo acaso, mas pelas decisões criativas de gente como scorsese, tarantino, fellini, godard, kubrick, lynch, coppola, kurosawa, hitchcock. cada um deles me moldou, me ensinou algo… algumas lições úteis, outras desgraçadamente erradas.
quando criança, vivi no mundo de spielberg. ele me fez acreditar que a aventura estava em toda parte, que o ordinário podia, a qualquer momento, se transformar no extraordinário. e.t., os goonies, indiana jones… esses filmes me ensinaram que o mundo era grande, cheio de mistérios, de descobertas esperando por um olhar curioso. passei anos procurando mapas do tesouro escondidos, esperando que um alienígena aparecesse na minha janela, achando que bastava querer muito algo para que a magia acontecesse.
então, a adolescência chegou e, com ela, a constatação de que a vida não era uma produção de spielberg, mas sim um longa desconfortável de john hughes. a diferença é que, ao contrário de clube dos cinco, ninguém parecia tão espirituoso, tão engraçado, tão iconicamente problemático. ninguém resolvia suas crises existenciais em um sábado de detenção. ninguém tinha uma trilha sonora perfeitamente sincronizada com seus dilemas internos. a adolescência real era só acne, insegurança e um tédio esmagador.
foi aí que tarantino entrou na minha vida, com sua metralhadora de referências pop, diálogos cortantes e violência coreografada com uma precisão quase musical. assistir cães de aluguel e pulp fiction foi como uma revelação… o mundo podia ser estiloso, mesmo quando era sujo. cada fala importava, cada cena tinha um peso visual, cada personagem parecia existir além do tempo e espaço. tentei replicar isso, claro. tentei falar como se estivesse em um roteiro de tarantino, enfiando monólogos sobre cultura pop em conversas banais. o resultado? olhares vazios e a dolorosa percepção de que diálogos cinematográficos só funcionam quando alguém os escreve.
e então veio scorsese, com sua brutalidade elegante, seus mafiosos cheios de classe e tragédia. os bons companheiros, cassino, touro indomável, filmes que me ensinaram que o fracasso podia ser belo, que o crime podia ser sedutor, que a ascensão e queda eram partes inseparáveis do jogo. scorsese me fez acreditar que a vida deveria ter um arco narrativo, uma introdução poderosa, um clímax intenso, uma queda inevitável. mas ninguém me avisou que, na vida real, às vezes você só cai e fica por lá. sem trilha sonora, sem fade out estiloso, sem lição final.
kubrick me ensinou o terror da perfeição. o iluminado, laranja mecânica, 2001 uma odisseia no espaço, todos eles me mostraram que a estética pode ser tão perturbadora quanto a própria história. que o silêncio pode ser mais aterrorizante que um grito. que o controle absoluto sobre cada detalhe pode transformar um filme, e uma vida, em algo sufocante. tentei levar isso para mim, tentei controlar cada aspecto da minha narrativa pessoal. o problema? kubrick era um gênio obsessivo. eu era só um cara tentando fazer a vida parecer um plano-sequência calculado.
e então, veio fellini, com suas festas intermináveis, seus excessos, seus personagens que pareciam dançar à beira do caos. la dolce vita me fez querer a vida como um desfile de momentos grandiosos, de encontros inesperados, de noites que nunca terminam. fui para bares esperando que a decadência fosse cinematográfica, que cada gole de vinho viesse acompanhado de uma epifania. o que descobri? a ressaca chega. a conta vem. e, diferentemente dos filmes, você não pode simplesmente dar um fade to black quando as coisas ficam insuportáveis.
lynch me mostrou que a realidade sempre tem algo de surreal, que por trás das fachadas limpas sempre há algo podre. quando assisti cidade dos sonhos, pela primeira vez, fiquei obcecado. não porque entendi, porque ninguém realmente entende lynch, mas porque senti que a vida real se parecia mais com aquilo do que qualquer outra coisa que eu já tinha visto. às vezes, tudo parece fazer sentido, mas então a câmera gira, a luz muda, e o que antes parecia real se revela um teatrobarato, uma farsa mal costurada.
godard me fez querer ser intelectual. kurosawa me fez querer ser um guerreiro. hitchcock me fez desconfiar de tudo. david lynch me fez duvidar da sanidade do universo.
e então, hoje me pego assistindo aos clássicos que me moldaram, como um velho mafioso revendo os álbuns de fotos da família, só que minha família é composta por rostos projetados em celuloide, e cada um deles me ensinou algo que eu nunca pedi para aprender.
revisito o poderoso chefão e percebo que coppola me deu mais noções de lealdade e traição do que qualquer aula de ética. me ensinou que a família nem sempre é a que você nasce, mas a que você escolhe… e que, no fim, sempre tem um fredo esperando para ferrar tudo.
volto a pulp fiction e lembro de quando queria falar como os personagens de tarantino… rápido, sagaz, afiado como uma lâmina. queria que cada conversa fosse um duelo verbal, um jogo de xadrez de referências pop e sarcasmo. mas a vida real tem muito mais pausas constrangedoras e muito menos trilha sonora de dick dale.
assisto a taxi driver e vejo que scorsese já sabia, todo mundo é um pouco travis bickle, navegando pelas ruas sujas da cidade com uma raiva silenciosa, esperando por um grande momento de redenção que talvez nunca chegue. e então coloco os bons companheiros e sorrio, porque, no fundo, todos nós queremos ser henry hill, mas a maioria de nós acaba sendo apenas mais um figurante na multidão, assistindo os outros comerem o melhor da vida enquanto ficamos com as sobras.
revivo la dolce vita e percebo que fellini tinha razão desde o início… a vida é um desfile caótico de personagens absurdos, festas grandiosas e ressacas existenciais. tentamos encontrar significado entre um gole de vinho e outro, entre um encontro apaixonado e um silêncio constrangedor. e, no fim, talvez não haja significado algum. talvez seja tudo uma grande ópera sem roteiro, e nosso papel seja apenas continuar cantando mesmo sem saber a letra.
hoje, entendo melhor o cinema, e talvez, por isso, entenda um pouco mais sobre a vida. entendo que hitchcock sempre soube que a paranoia não é um exagero, é uma ferramenta de sobrevivência. que kurosawa me mostrou que a honra é só uma questão de perspectiva. que lynch me ensinou que a realidade sempre tem algo de errado, como um quadro torto que ninguém nota até ser tarde demais.
mas, acima de tudo, entendo que, apesar de todas as mentiras que o cinema me contou, ele também me deu algo raro e valioso… a capacidade de ver beleza no meio do caos. de encontrar poesia num prato de macarrão fumegante, num letreiro de neon piscando na madrugada, numa conversa aleatória que, por algum motivo, soa como um diálogo bem escrito.
e então, dou play em mais um clássico. porque, no fim, talvez a grande mentira do cinema não seja nos fazer acreditar que a vida tem um roteiro, e sim nos fazer esquecer, ainda que por um instante, que ela não tem.
a coisa mais assustadora sobre ser humano não é nossa capacidade de sofrer, mas o quão rápido a gente se acostuma com qualquer merda. dor, tédio, humilhação, frustração… dá um tempo e, pronto, virou terça-feira normal. é quase cômico. você pode estar atolado no pior emprego do mundo, comendo comida sem gosto, vivendo uma vida que daria pena até num reality show ruim… mas adivinha? você segue em frente. reclama no começo, esperneia um pouco, mas logo está ali, aceitando o destino como um cachorrinho que já entendeu que não vai ganhar mais petiscos.
isso parece deprimente? talvez. mas também é uma das coisas mais poderosas que você pode entender sobre a vida. porque se você pode se acostumar com qualquer coisa, então nada pode realmente te quebrar. você acha que não consegue viver sem conforto? sem aquele salário seguro? sem o wi-fi rápido? acha que vai morrer se não tiver o restaurante chique ou o apartamento de 80 metros quadrados na “região nobre” da cidade? grande ilusão. te jogam no meio do nada com um colchão fino, uma comida duvidosa e uma garrafa de álcool barato e, adivinha? em um mês, você já tá rindo disso.
bem-vindo à era da soma zero, um pesadelo coletivo onde todo mundo tem certeza absoluta de que, para ganhar, alguém precisa perder. não importa o contexto. dinheiro, emprego, política, cultura, espaço na porra do metrô, se alguém tem mais, significa automaticamente que você tem menos. não há crescimento conjunto, não há progresso compartilhado, não há espaço para um mundo onde todo mundo pode se dar bem. se um grupo sobe, é porque outro está sendo esmagado. se uma pessoa prospera, é porque outra está sendo roubada. é um pensamento tão primitivo e burro que até um chimpanzé com trauma de infância olharia e diria: “porra, cara, vocês precisam relaxar”.
e o mais engraçado? é que tudo isso é baseado em uma mentira conveniente. porque, veja bem, a maior parte das coisas que importam na vida não é finita. dinheiro pode ser criado. empregos podem surgir. inovação pode abrir portas que antes nem existiam. mas tente dizer isso para alguém que já decidiu que está sendo passado para trás. não importa a lógica, não importam os dados, não importa a história. na cabeça dessa gente, a vida é um enorme campo de batalha onde, se alguém tem mais do que você, isso só pode significar que ele te roubou. e o resultado? um mundo mais paranóico, mais hostil e completamente exausto, onde ninguém quer crescer, só quer garantir que os outros encolham.
vamos a alguns exemplos deliciosos. imigração? uma horda de bárbaros vindo roubar nossos empregos e sugar nossos recursos, certo? nunca importa que imigrantes criem empresas, impulsionem economias e ocupem vagas que ninguém quer. não. na cabeça do fanático da soma zero, um imigrante empregado significa um local desempregado. fim da discussão. inovação tecnológica? claro, estamos todos fodidos, porque se um robô faz o trabalho de um humano, significa que o humano agora está condenado a viver de restos. esqueça que a tecnologia sempre criou novas indústrias e novas oportunidades. não. melhor sentar, reclamar e xingar o futuro.
e política? um verdadeiro circo de horrores, onde o objetivo não é governar bem, mas sim garantir que o outro lado perca. republicanos e democratas, direita e esquerda, conservadores e progressistas, pouco importa. ninguém quer resolver nada. todos querem apenas ver o adversário se foder. eleições não são sobre planos, ideias ou melhorias; são sobre vingança. sobre garantir que “os outros” percam. e é claro que essa mentalidade se espalhou para o resto da sociedade como um vírus resistente a antibiótico. agora, qualquer conquista de um lado é vista como um ataque ao outro. qualquer progresso social ou econômico é recebido com histeria porque, segundo essa lógica, se alguém ganha um direito, então outro grupo está perdendo algo.
e a internet? um espetáculo de desespero. um imenso campo de batalha onde todo mundo briga por um pedaço de validação digital. influenciadores disputam atenção como ratos famintos num esgoto, e cada pequena vitória se traduz em uma derrota para alguém. tem mais seguidores? está roubando os meus. recebeu mais likes? está drenando minha relevância. conseguiu um patrocínio? está tirando dinheiro do meu bolso. e assim seguimos, um grande reality show de ressentimento e mediocridade, onde a única maneira de alguém se sentir bem é ver outra pessoa afundar.
e o mais cômico? é que essa obsessão pela soma zero não nos torna mais espertos, mais ricos ou mais felizes. pelo contrário, nos torna um bando de desgraçados paranoicos, sempre olhando por cima do ombro para garantir que ninguém está nos “passando para trás”. sabe quem realmente prospera com essa mentalidade? bilionários, empresas gigantes, políticos corruptos. porque, enquanto as pessoas comuns se matam para garantir que o outro não tenha nada, os verdadeiros donos do jogo seguem acumulando tudo. eles te convenceram de que o problema é o imigrante, o desempregado, o estudante de ações afirmativas, o cara que conseguiu um aumento. enquanto isso, eles seguem engordando suas fortunas sem que ninguém perceba. gênio, não?
e agora, como saímos dessa? bom, sejamos realistas. provavelmente não sairemos. porque o pensamento de soma zero é viciante. ele dá às pessoas a desculpa perfeita para não fazerem nada. se tudo é um jogo de quem perde e quem ganha, então não há por que tentar, não há por que inovar, não há por que arriscar. é muito mais fácil sentar e reclamar que o mundo está conspirando contra você. muito mais confortável acreditar que seu fracasso não é culpa sua, mas sim resultado de uma grande máquina que está desviando oportunidades para outras pessoas. e assim seguimos, um bando de gente exausta, brigando por migalhas, enquanto os verdadeiros donos do jogo seguem tranquilos, assistindo de camarote.
então vá em frente. continue acreditando que, para você ganhar, alguém precisa perder. continue vivendo com essa mentalidade miserável, sabotando a si mesmo e ao mundo ao seu redor. continue jogando esse jogo patético onde ninguém realmente vence. no final, é exatamente isso que aqueles no topo querem que você faça. e se há algo que eles entendem melhor do que ninguém, é que nada gera mais lucro do que um povo distraído demais brigando entre si para perceber quem realmente está passando a perna em quem.