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2024

oyster perpetual

largar o apple watch foi como sair de uma festa de escritório onde todo mundo está tentando ser descolado demais, só para ir beber num bar velho e honesto que não tem nem wi-fi. sabe do que eu estou falando? aquele tipo de decisão que te faz respirar fundo e pensar: “por que diabos eu esperei tanto?” porque o apple watch, por mais útil que parecesse, era basicamente um bracelete tecnológico feito para te transformar em um escravo da própria vida. um bip aqui, um alerta ali – “sente direito”, “mexa o traseiro”, “beba mais água”. sério, quem foi que decidiu que eu precisava de uma babá digital no pulso?

e foi aí que o oyster perpetual entrou na minha vida, como um convite silencioso para mandar todo esse barulho para o inferno. de cara, eu entendi o que ele era: simples, direto, talvez até “boring” para alguns. mas aqui está o segredo sujo: essa aparente chatice é exatamente o que o torna perfeito. ele não precisa de firulas, porque não tem nada a provar. o oyster perpetual não quer ser o centro das atenções, e essa é precisamente a razão pela qual ele sempre será o rei do pulso.

“ah, mas ele é tão básico!” – é o que dizem os tolos, aqueles que precisam de algo piscando, vibrando ou lançando foguetes para se sentirem vivos. o oyster perpetual é um tapa na cara dessa mentalidade. ele é um lembrete de que a verdadeira sofisticação vem da confiança absoluta em sua função. ele marca o tempo, e faz isso com uma precisão quase obscena. mais nada. e sabe de uma coisa? é exatamente isso que eu quero. eu não preciso de um relógio que me avise que estou atrasado para a vida – eu já sei.

ele não grita. ele não faz malabarismos. ele é o equivalente em relógios a um chef que sabe fazer um ovo perfeito. sem trufas, sem espuma de wasabi, sem nada que precise de hashtags para justificar sua existência. o oyster perpetual é clássico porque não tenta ser moderno. enquanto os outros estão ocupados correndo atrás de tendências e tecnologias que ficam obsoletas mais rápido do que você pode dizer “Apple Watch Series 15”, ele está sentado lá, no seu pulso, dizendo: “tenta me superar.”

e, sim, ele é “boring”. porque, às vezes, boring é exatamente o que você precisa. ele é como uma boa camisa branca ou um blazer feito sob medida – ele simplesmente funciona. enquanto o apple watch e seus equivalentes piscam, fazem barulho e te enchem de notificações que você vai ignorar de qualquer maneira, o oyster perpetual está lá, funcionando. silencioso. elegante. te lembrando que o tempo é a única coisa que você não pode controlar, então pare de tentar.

ele é o oposto do mundo moderno. ele não se importa com seus passos, com seus batimentos cardíacos ou com quantas calorias você queimou durante a última aula de spinning. ele não liga para o que está acontecendo no seu instagram ou se alguém deu like na sua foto do jantar. ele não quer ser o centro das atenções porque não precisa. e, honestamente, não é assim que todos nós deveríamos ser?

então, sim, o oyster perpetual é boring. e é exatamente por isso que ele é perfeito. porque ele é uma máquina feita para durar, tanto quanto sua arrogância ou o próximo martíni que você vai beber. enquanto o resto do mundo grita, implora por relevância, ele está lá, marcando o tempo, sem pressa, sem pedir desculpas. e, de alguma forma, isso faz dele a coisa mais moderna que você poderia usar.

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2024

44

fazer 44 anos é como descobrir uma receita secreta depois de anos seguindo instruções meia-boca. não é que você tenha dominado tudo – longe disso – mas, de repente, os ingredientes começam a fazer sentido. os erros passados, as escolhas duvidosas, até as mancadas monumentais: tudo vira tempero. a vida deixa de ser um prato gourmet pretensioso e se torna uma refeição honesta, com sabor forte e aquele toque de pimenta que faz arder, mas você aprecia mesmo assim. aos 44, eu finalmente sei o que gosto e, mais importante, o que não suporto – e isso, meu amigo, é uma conquista subestimada.

é engraçado, porque aos 20, a ideia de envelhecer parecia uma tragédia grega. mas a real? aos 44, eu me sinto mais vivo do que nunca. as inseguranças juvenis? larguei no meio do caminho, como uma mala pesada que nunca deveria ter levado. a necessidade de agradar todo mundo? morreu junto com o cabelo que perdi. agora, a questão é simples: isso me alimenta ou me consome? se é a segunda opção, não tem espaço no meu prato.

mas vamos falar sério: os 44 não são só sobre “aceitação” e “crescimento”. isso é conversa mole pra vender livro de autoajuda. a verdade é que você aprende a ser mais seletivo com sua energia. porque energia, aos 44, é como uma garrafa de vinho realmente boa – limitada e preciosa. gasto o que tenho com o que importa, e o resto que se dane. e sabe o que importa? as pequenas epifanias do dia a dia: um café bem feito, um livro que te arranca da realidade, uma risada que explode sem pedir licença.

o corpo, claro, começa a enviar sinais sutis de que não é mais aquele foguete supersônico. mas sabe de uma coisa? não tem problema. aos 44, eu percebi que velocidade não é tudo. resistência, sim, é o jogo. e não falo só de resistência física – falo da capacidade de continuar, de recomeçar, de olhar para o caos e dizer: “tudo bem, eu sei lidar com isso.” cada cicatriz, cada dorzinha chata é uma medalha de guerra. não estou só sobrevivendo, estou colecionando histórias.

e a cabeça? ah, essa está mais afiada do que nunca. aos 44, percebi que a vida não é sobre seguir regras ou atingir metas pré-definidas. é sobre aproveitar o caos e, se possível, rir dele. é sobre parar de esperar pelo momento perfeito e começar a criar momentos incríveis no meio da bagunça.

então, fazer 44 anos não é uma crise. é um brinde. um brinde à liberdade de ser quem eu sou sem pedir desculpas. um brinde ao fato de que ainda há tanto para aprender, mas também muito do que me orgulhar. e, acima de tudo, um brinde à vida – imperfeita, desorganizada, deliciosa. porque, no final das contas, ela é exatamente o que você coloca no prato. e eu? vou repetir a dose.

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2024

você leu minha mensagem?

o fetiche moderno pela instantaneidade. essa obsessão patética por respostas imediatas. vivemos numa época em que a pausa, o silêncio e até a reflexão foram transformados em sinais de descaso ou afronta pessoal. porque, claro, como ouso demorar cinco, dez, quinze minutos para responder, quando você, na sua grandiosidade, decidiu me agraciar com uma mensagem? é quase como se eu tivesse cometido um crime de lesa-majestade.

mas vamos ser honestos: essa pressa, essa mania de “visualizou e não respondeu”, é a personificação de uma sociedade mimada. ninguém quer entender que o mundo não gira em torno de suas urgências. e aqui vai uma novidade para você: meu tempo não é um drive-thru de fast food emocional, onde você faz um pedido e espera que eu entregue a resposta na velocidade de uma batata frita murcha. eu gosto de pensar, refletir, até ponderar se a sua mensagem sequer merece minha atenção. e, sim, às vezes eu decido que ela não merece. que horror, não?

vivemos numa realidade onde a profundidade está morta. as pessoas não querem uma resposta bem pensada, articulada, ou – deus me livre – interessante. elas querem um “sim”, um “não”, um “kkk”, qualquer coisa para sustentar a ilusão de que são importantes o suficiente para merecer prioridade na sua vida. mas aqui vai o choque: eu não funciono assim. eu não sou um algoritmo, e meu cérebro não opera no ritmo do wi-fi. se você acha que precisa de uma resposta minha em tempo real, talvez o problema não seja minha demora, mas a sua incapacidade de lidar com o próprio tédio. já pensou nisso?

e vou além: responder rápido é supervalorizado. sabe o que vale mesmo? responder direito. mas para isso, eu preciso de algo que está em extinção: tempo. tempo para processar, para pensar, para decidir se eu realmente quero investir energia em você ou no que você está perguntando. porque, no final das contas, responder rápido é fácil, qualquer um faz. o que é raro – e, vamos ser sinceros, muito mais valioso – é responder com conteúdo. e isso, meu caro, exige paciência. algo que, pelo visto, você não tem.

então, a próxima vez que eu “demorar” para responder, aproveite o momento para refletir sobre a sua dependência desesperada por atenção imediata. talvez você aprenda algo. ou, quem sabe, descubra que o silêncio pode ser bem mais interessante do que qualquer mensagem que eu poderia mandar.

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2024

pessoas empolgadas com trabalho,  sério?

o fascinante espetáculo dos entusiastas do trabalho. você sabe do que estou falando: aquele ser humano iluminado que trata o ambiente corporativo como se fosse o palco principal da broadway. o tipo de pessoa que acorda às 5h da manhã para correr uma maratona metafórica enquanto recita frases de motivação do tipo “você é o dono do seu destino” no espelho do banheiro. essas criaturas, radiantes de energia e positividade, exalam um entusiasmo que não só cansa, mas sufoca a alma de quem está apenas tentando sobreviver ao dia.

o problema dessas pessoas não é que sejam felizes no trabalho (o que já seria motivo suficiente para suspeitas). é a forma como querem espalhar essa empolgação tóxica como um vírus. elas não conseguem simplesmente amar o trabalho em silêncio; precisam fazer você amar também. é o tipo de gente que transforma a reunião da manhã em uma espécie de comício motivacional, onde cada deadline é uma “oportunidade de crescimento” e cada planilha do excel é uma obra de arte em potencial.

e vamos combinar: não é só exaustivo, é desonesto. porque ninguém — ninguém — pode ser genuinamente tão apaixonado por bater ponto, preencher relatórios e lidar com clientes passivo-agressivos. se você está transbordando de alegria às 18h de uma terça-feira, com certeza está mascarando alguma crise existencial profunda. talvez seja uma tentativa desesperada de se convencer de que todo esse esforço vale a pena, que o sistema não te engoliu completamente. ou, pior, talvez você realmente acredite nesse teatro.

e o mais insuportável? eles esperam reciprocidade. não basta você fazer seu trabalho. você precisa fazer com entusiasmo, sorrindo, como se cada tarefa fosse um presente divino. se você não está com a mesma energia delirante, você é “negativo”, “resistente à mudança” ou, minha favorita, “falta espírito de equipe”. espírito de equipe? sério? meu espírito está ocupado tentando não se atirar pela janela enquanto você faz um monólogo sobre “alavancar sinergias”.

essas pessoas cansam porque são como quem mastiga de boca aberta: não dá para ignorar. elas monopolizam o oxigênio do ambiente com sua energia hiperativa, deixando pouco espaço para qualquer outra emoção. se você está apenas tentando navegar o caos diário, sem medalhas de ouro de “melhor funcionário do mês” no horizonte, elas te fazem sentir como o chato da turma. mas aqui está o segredo: você não é o problema. elas são.

porque a verdade é que trabalhar deveria ser um meio para viver, não o propósito da vida. e essas pessoas que tratam o trabalho como religião estão perdendo a melhor parte da existência: o prazer de desligar, de desacelerar, de não dar a mínima para uma meta corporativa. então, da próxima vez que aquele colega hiperativo aparecer com um sorriso brilhante às 8h e um discurso sobre “fazer a diferença”, lembre-se: quem está realmente vivendo a vida é você, com seu café frio e seu olhar de “só me deixem em paz até a hora do almoço”.

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2024

o cliente quase nunca tem razão

ah, o mantra do século 20: “o cliente tem sempre razão.” a pedra fundamental de toda uma geração de consumidores criados para acreditar que pagar por algo lhes confere não apenas direitos, mas uma espécie de imunidade divina. é a justificativa perfeita para transformar qualquer experiência de serviço em um espetáculo de tirania barata, estrelando o “cliente” – aquele pequeno déspota mal-informado, inchado de autoimportância e completamente sem noção do que está fazendo ou pedindo. porque, vamos ser honestos, o cliente quase nunca tem razão. ele só tem dinheiro. e, na maioria das vezes, nem isso direito.

essa filosofia maldita é o câncer silencioso do capitalismo de conveniência. foi ela que nos trouxe o cara que grita com a atendente do call center porque sua internet caiu, como se ela tivesse puxado o cabo de propósito para estragar o seu sábado. ou aquele que entra em uma loja de departamentos e transforma o vendedor em psicólogo, babá e saco de pancadas emocional porque “o atendimento deveria ser impecável” – enquanto ele mesmo não consegue nem dizer bom dia ou, sei lá, não ser um idiota completo. e quem nunca viu o clássico espetáculo do aeroporto, onde o cliente que perdeu o voo decide que é direito divino dele humilhar a atendente do balcão, porque, claro, ela controla o tráfego aéreo mundial diretamente de sua mesa de trabalho?

mas o mais insidioso dessa ideia de que o cliente tem sempre razão não é apenas o comportamento grotesco que ela incentiva. é o fato de que ela mina completamente qualquer possibilidade de diálogo real, de troca, de crescimento. porque, se o cliente está sempre certo, então ninguém mais pode estar. o especialista na área? não tem razão. o atendente que já viu essa situação mil vezes? não tem razão. o engenheiro que projetou o produto? também não. quem é que tem razão? o cliente, aquele especialista autoproclamado que leu meia dúzia de comentários na internet e acha que agora sabe mais do que qualquer profissional com anos de experiência.

e isso não para em lojas, empresas ou serviços. o vírus se espalhou para todos os aspectos da vida. professores que têm que aturar pais dizendo que o filhinho deles não precisa estudar matemática, porque “ele não gosta”. médicos que precisam ouvir palestras de pacientes que diagnosticaram a si mesmos no google e exigem tratamentos absurdos. designers gráficos que são obrigados a criar logos medonhos porque “o cliente quer que a fonte pareça mais… divertida.” (tradução: horrível.) é uma guerra constante entre quem sabe o que está fazendo e quem acha que sabe porque tem um cartão de crédito e uma opinião.

e por que isso acontece? porque vivemos em uma cultura que venera o consumo acima de tudo. o cliente é tratado como uma espécie de entidade sagrada, inquestionável, porque ele paga. e pagar é tudo que importa, certo? exceto que não é. pagar não te dá razão, assim como gritar com alguém não te faz mais inteligente. pagar te dá o direito de receber o produto ou serviço que foi prometido. ponto. não te dá o direito de ser um cretino, de ignorar a realidade ou de transformar o trabalho dos outros em um inferno.

então, aqui vai uma ideia revolucionária: e se o cliente não tivesse sempre razão? e se ele fosse apenas um humano como qualquer outro, capaz de cometer erros, de ser corrigido, de aprender? e se, em vez de reforçar essa ilusão de infalibilidade, começássemos a tratá-lo como alguém que, ocasionalmente, precisa ouvir um “não”? “não, senhor, seu filho precisa sim aprender matemática.” “não, esse logo vai ficar horrível.” “não, gritar com o atendente não vai trazer seu voo de volta.” talvez seja hora de perceber que o cliente não é deus. na maioria das vezes, ele é só um cara que precisa de um pouco mais de humildade – e, quem sabe, de um tapa metafórico de realidade.

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2024

positividade tóxica

há algo de profundamente exaustivo, quase claustrofóbico, em lidar com pessoas animadas demais. sabe do que estou falando, né? aquelas criaturas que parecem ter acordado após um banho de glitter, cheirado um balde de açúcar e decidido que a vida delas é um comercial de iogurte grego. elas são o equivalente humano de uma bomba de confete: barulhentas, pegajosas e impossíveis de ignorar. tudo é “amazing”, “incrível”, “uau”. como se o simples fato de estarmos respirando fosse digno de uma parada de carnaval.

é como dividir espaço com uma personagem de série ruim da netflix, onde todos os problemas podem ser resolvidos com “positividade” e um copo de matcha latte. sabe o que cansa? essa demanda constante de reciprocidade. porque, ao lado delas, você automaticamente se torna o cínico, o “de mal com a vida”. o problema nunca é o mundo, é você. “você só precisa mudar sua perspectiva!”, dizem elas, com um sorriso que parece fisicamente doloroso. não, minha querida. o problema não sou eu. o problema é que você está agindo como se tivesse descoberto a cura para o tédio existencial, quando claramente só está fugindo dele com toda essa efervescência insuportável.

não me entenda mal. eu não sou contra alegria. quem sou eu para negar a alguém o direito de ser feliz? mas essa felicidade performática, essa necessidade de empurrar sua euforia goela abaixo do resto da humanidade, isso me faz querer abrir um buraco na terra e me esconder. porque, vamos ser sinceros, ninguém é tão feliz assim. e, se for, isso me faz desconfiar seriamente do seu equilíbrio emocional.

às vezes, tudo o que eu quero é sentar em silêncio. contemplar a existência com um pouco de melancolia, talvez uma taça de vinho tinto. mas não. lá vem a tropa de choque do “vibe positiva” com suas frases de almanaque: “você só vive uma vez”, “pense no lado bom”. honestamente? o lado bom da vida é que essas pessoas, eventualmente, vão embora. e eu vou poder voltar a ser um ser humano funcional, sem me sentir um Grinch por simplesmente não querer participar do circo delas.

então, não, não sou “negativo”. eu só prefiro viver num tom menos ensurdecedor. e, se isso faz de mim um insuportável, que assim seja.

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2024

como tomo café…

me sento num café como quem ocupa um trono improvisado numa ópera barata. não um desses cafés meticulosamente planejados pra parecerem autênticos, com menus escritos à mão e plantas estrategicamente colocadas como se tivessem crescido ali por acidente. não, eu escolho aqueles lugares honestos, quase feios, onde o café tem gosto de mágoa e a mobília parece ter sobrevivido a uma guerra – mas mal. o tipo de lugar onde os donos desistiram de fingir que se importam. e eu? eu me sento, com minha xícara de café amargo e frio, e começo meu esporte favorito: dissecar as vidas das pessoas ao meu redor, transformando-as em personagens de histórias que elas nunca vão saber que existiram.

começo pelo homem de terno cinza, sentado sozinho, com uma pasta de couro que parece pesada demais para ele carregar. ele não está tomando café, mas whisky. às dez da manhã. na minha cabeça, ele é um advogado de segunda categoria que aceitou um trabalho que nunca deveria ter aceitado. algo sujo, envolvendo políticos e dinheiro vindo de lugares onde ninguém fala inglês. agora, ele está pagando o preço. literalmente. aquele homem de jaqueta preta no balcão? não está lá por coincidência. ele é uma sombra. um aviso. o advogado sabe que sua vida vale menos do que os números nos cheques que assinou. ele toma o whisky devagar, tentando decidir se pega o trem para casa ou foge para um país sem tratado de extradição.

na mesa perto da janela, uma mulher com um casaco vermelho, elegante, mas discreto. ela mexe no chá, mas não bebe. só olha para ele, como se estivesse esperando que algo acontecesse. ela carrega uma bolsa pequena, tão surrada quanto o café em que estamos. na minha versão, ela é uma ladra. não daquelas que invadem bancos ou casas de milionários, mas uma especialista em furtos quase imperceptíveis. carteiras, relógios, um colar que escorrega do pescoço de uma vítima desatenta. ela tem um olhar clínico, analisa o ambiente como um jogador de xadrez. mas hoje algo está errado. ela está hesitante. talvez tenha cruzado a linha com alguém que não deveria, talvez tenha roubado a pessoa errada. e agora, está esperando. pelo quê, ela não sabe. talvez uma saída. talvez um perdão que nunca vai chegar.

e aquele casal no fundo, tão quieto que quase desaparece no cenário? ele, com o rosto marcado pelo tempo, mãos calejadas, e ela, com olhos que parecem ter chorado muito mais do que deveriam. eles não dizem uma palavra, mas a tensão entre eles é palpável. na minha história, eles são cúmplices de um crime. algo terrível, algo que começou como uma solução fácil e se transformou em um pesadelo. talvez um assalto que deu errado. ou talvez algo mais sombrio. um corpo que eles não queriam matar, mas mataram mesmo assim. agora, estão presos um ao outro, ligados pelo tipo de segredo que corrói por dentro. eles não confiam mais um no outro, mas também não têm ninguém além de si mesmos. ela mexe no anel de casamento como se fosse uma algema. ele olha para a porta como se esperasse a polícia a qualquer momento.

o barista, claro, é outra peça desse tabuleiro. jovem, tatuagens nos braços, um bigode que provavelmente consome metade do salário mínimo em manutenção. mas o olhar dele não é blasé como os de outros baristas pretensiosos. é agudo, atento. ele está prestando atenção em tudo e todos, como um diretor de cinema capturando cada movimento da cena. na minha versão, ele não é só um barista. ele trabalha para alguém. um chefão do submundo, talvez. cada café que ele serve é um código. um “americano duplo” pode significar que a entrega chegou. um “cappuccino sem espuma”? um alerta de que algo deu errado. ele anota os pedidos num caderno que parece inofensivo, mas é um mapa das operações clandestinas que acontecem sob o nariz de todos.

e os turistas? sempre há turistas. um homem de meia-idade, camisa polo, e uma câmera pendurada no pescoço como uma coleira. sua esposa, com um sorriso nervoso e roupas que claramente foram escolhidas para parecer “descontraídas”. mas eles não estão ali para ver a cidade. não realmente. na minha história, ele é um investigador privado contratado para seguir alguém. talvez um político infiel, talvez um empresário que está escondendo dinheiro. mas ele é ruim no que faz. visível demais. ela, por outro lado, é quem realmente está no comando. enquanto ele tira fotos desajeitadas, ela observa os alvos, faz anotações mentais, corrige seus erros. eles são um time, mas não um bom. e eles sabem disso.

e eu? fico ali, no canto, com meu café amargo e frio, observando o desfile. porque, sejamos honestos, o homem de terno cinza não é nenhum advogado corrupto lutando contra o peso dos pecados; ele provavelmente só perdeu o emprego e está esperando o bar abrir. a mulher de casaco vermelho não é uma ladra com dedos leves, é só alguém que gosta de parecer misteriosa enquanto decide se pede mais chá ou sai para fumar um cigarro. as pessoas são assim, sempre menos interessantes do que parecem. mas é aí que entro.

sem mim, o barista não passa de um cara entediado que odeia seu trabalho. e os turistas? bem, eles continuam sendo turistas, nada pode salvar turistas. mas na minha versão, eles têm camadas, conflitos, segredos. na minha versão, o mundo é mais cruel, mais bonito, mais verdadeiro.

porque, no final das contas, a verdade é tediosa. ninguém quer saber que o homem no canto só está esperando um telefonema que não vai chegar. querem drama, sangue, conspirações. e eu dou isso a eles, pelo menos na minha cabeça. não porque eles mereçam, mas porque alguém tem que transformar esse mundo em algo que preste.

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2024

produtos vs. tempo

o tempo, esse desgraçado invisível, virou uma espécie de deus moderno. todo mundo quer controlá-lo, economizá-lo, espremer cada segundo como se fosse o último gole de uma garrafa de vinho ruim. estamos obcecados, movidos por calendários digitais, agendas lotadas e aquele maldito senso de urgência que nos consome desde o momento em que abrimos os olhos. mas para quê? para chegar onde? para comprar mais lixo que vamos esquecer no fundo de uma gaveta?

e aí, no meio dessa balbúrdia, aparecem algumas marcas – poucas, quase extintas – que têm a ousadia de fazer o que ninguém mais faz: ignorar essa corrida idiota contra o tempo. elas não estão preocupadas com prazos impossíveis ou com a próxima tendência idiota que vai morrer antes do fim do mês. essas marcas fazem o que é raro, o que é quase revolucionário: respeitam o tempo. e, ao fazer isso, nos mostram que talvez a verdadeira elegância esteja em desacelerar e, deus me livre dizer isso, esperar.

não é só sobre qualidade, embora isso seja parte do charme. é sobre a história que cada peça carrega. é sobre entender que um bom produto – seja um casaco, uma bolsa, uma faca, ou um par de botas – não precisa ser reinventado a cada temporada. ele só precisa ser feito para durar, para resistir, para melhorar com a idade, como um bom queijo ou um bom whisky. essas marcas não estão aqui para te dar o que você quer agora. elas estão aqui para te dar algo que você ainda vai querer daqui a 20 anos.

e é aí que está a mágica: elas respeitam o processo. o couro é curtido como se fosse um ritual sagrado, não uma linha de produção que corre para atender a demanda do próximo natal. as costuras são feitas com mãos humanas, não máquinas frenéticas que tratam cada peça como um clone sem alma. não tem atalho, não tem pressa. cada passo importa, cada detalhe é pensado. e o resultado? algo que desafia o tempo, que te lembra que as melhores coisas da vida são aquelas que se recusam a ser efêmeras.

essas marcas são um dedo do meio levantado para a sociedade da pressa. elas não te dizem para correr mais rápido ou consumir mais rápido. elas te desafiam a parar. a pensar. a investir em algo que vai durar. porque, no final, o que vale mais? ter uma pilha de coisas baratas e esquecíveis ou um único item que carrega anos de história, suor e dedicação?

então, sim, talvez seja hora de revermos nossas prioridades. de pararmos de glorificar essa vida acelerada e começarmos a apreciar o valor do tempo bem gasto, seja ele em uma boa conversa, em uma refeição feita com amor, ou em algo tão simples quanto uma peça que foi criada para te acompanhar por toda a vida. porque o verdadeiro luxo, o único que realmente importa, é aquele que te faz lembrar que o tempo não é o inimigo. o inimigo somos nós, desperdiçando-o com pressa e mediocridade.

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2024

what else?

odeio o que fizeram com o café. odeio com uma intensidade quase poética, como quem observa a queda de um império antigo. o café, aquela bebida universal, o combustível da humanidade, foi sequestrado, mutilado, e transformado numa aberração moderna. não é mais sobre o sabor, o ritual, ou a necessidade de sobreviver ao dia. agora é sobre status, branding e frases idiotas como “triple shot oat milk macchiato”. sabe o que eu quero? um café que te olhe nos olhos e diga: “vai ser um dia difícil, mas aqui está minha contribuição.”

então, claro, temos o starbucks, a grande catedral dessa nova religião cafeeira. lá, o café não é uma bebida; é um espetáculo, uma identidade. você não está comprando café, está comprando a ideia de que pertence a uma tribo global, onde todos seguram aquele copinho verde com a sereia e acham que isso os torna interessantes. e o café? ah, sim, o café. uma poça de líquido carbonizado disfarçada por xarope de baunilha, montanhas de chantilly e calda de chocolate. tudo isso servido em um copo de papel que não só é desconfortável, mas parece ter sido projetado para vazar exatamente na hora em que você dá o primeiro gole. sofisticação? por favor.

mas o problema não para aí. vivemos na era da “gourmetização”, onde o café foi transformado em algo que exige um diploma em ciências sensoriais para ser apreciado. “notas de damasco com um final cítrico e corpo médio.” quem inventou essa palhaçada? café não tem corpo médio. tem corpo robusto e amargo, do tipo que te lembra que está vivo. e não, eu não quero que meu grão tenha sido “processado naturalmente por camponeses em altitude”. eu quero que ele tenha sido torrado até a alma e moído por alguém que sabe o que está fazendo. café é brutalidade líquida, não um passeio aromático por um pomar tropical.

e aí vem o show das cafeteiras. essas máquinas brilhantes, com painéis digitais que parecem saídos de um laboratório da NASA. elas prometem “a xícara perfeita” enquanto cobram o preço de uma pequena viagem internacional. ah, mas elas têm wi-fi! porque, claro, você precisa que sua cafeteira esteja conectada à internet. quem sabe ela envie uma notificação avisando que o café está pronto, como se o cheiro inconfundível não fosse suficiente. mas o que eu realmente quero é uma moka. aquela peça velha e confiável de alumínio que faz café com a mesma eficiência de um soco no estômago. simples, direta e sem nenhuma pretensão de ser mais do que é.

mas sabe o que mais me irrita? nós aceitamos isso. abraçamos o café descartável, a pressa, a superficialidade. trocamos a xícara de porcelana – sólida, aconchegante, quase sagrada – por um copo de papel que mal se segura. porque estamos sempre com pressa, sempre correndo, sempre “pra viagem”. e com isso perdemos a essência do café: o momento. o ato de sentar, respirar, e deixar o mundo desacelerar por um instante. café era um ritual. agora é só mais uma coisa que você consome enquanto responde e-mails e tenta fingir que tem controle sobre sua vida.

mas o café de verdade ainda existe. ele está escondido em cantos modestos, feito por mãos que não ligam para tendências ou grãos exóticos. está na garrafa térmica amassada de um caminhoneiro, na cozinha de uma avó, ou na xícara de quem ainda entende que café não precisa de firulas. precisa ser quente, forte e honesto. o resto? o resto é só espuma – e não, eu também não quero chantilly.

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2024

linus

meu personagem favorito do charlie brown? fácil: linus. porque ele é o único naquela bagunça filosófica que realmente tenta fazer sentido do caos, enquanto todos os outros estão ocupados com seus próprios pequenos dramas patéticos. ele é o tipo de cara que aparece na sua festa com um cobertor de segurança e, de alguma forma, ainda sai como o mais sensato da sala. isso, claro, diz mais sobre os outros do que sobre ele.

linus é basicamente o hippie existencialista preso no meio de um sitcom de crianças neuróticas. ele carrega um cobertor – um cobertor, pelo amor de deus – como se fosse uma espécie de totem da sua sanidade. e aí você percebe: todo mundo tem seu cobertor, só que o dele é visível. snoopy tem fantasias de ser um ás de guerra (surreal e patético). lucy tem aquele senso inflado de superioridade que é basicamente uma armadilha emocional ambulante. e charlie brown… bem, charlie brown é uma ode viva ao fracasso. mas linus? ele é honesto sobre suas inseguranças, enquanto os outros fingem estar bem.

o mais brilhante em linus é que ele equilibra o ceticismo com uma boa dose de crença cega no great pumpkin. ele acredita no improvável, no impossível, como se fosse algum tipo de santo infantil. mas não é a fé que faz dele fascinante – é a coragem de manter essa crença mesmo sabendo, lá no fundo, que é tudo um grande teatro ridículo. e, claro, é um teatro. o mundo é uma piada cósmica, e linus está lá, no meio da plateia, rindo baixinho enquanto mantém seu cobertor apertado.

ele é o tipo de personagem que você olha e pensa: “esse moleque vai crescer e virar professor de filosofia em alguma universidade obscura.” ou talvez um escritor de manifestos que ninguém lê, exceto alguns poucos lunáticos que o consideram um gênio. ele é um outsider, mas não porque quer ser. ele só é esperto demais para se misturar e honesto demais para fingir que se importa.

então, sim, linus é meu personagem favorito. porque, no final das contas, ele é o mais humano de todos. cheio de contradições, esperanças absurdas e uma consciência dolorosa de que o mundo é um lugar frio e, ao mesmo tempo, cheio de possibilidades. além disso, ele tem o bom senso de carregar um cobertor para quando tudo der errado – o que, convenhamos, sempre dá.